Ecobrasil reúne instituições públicas e privadas em torno do meio ambiente na indústria marítima -- Instituído em outubro de 2013, o Plano Nacional de Contingência (PNC) já suscita uma nova batalha: a discussão em torno do uso de dispersantes químicos em casos de vazamentos de óleo no mar. De acordo com o chefe de gabinete da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Silvio Jablonski, já foram aprovados os grupos que vão debater o tema. O prazo é de até seis meses para que seja levado um projeto até o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
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Presente à décima edição do Ecobrasil - Seminário Nacional sobre Indústria Marítima e Meio Ambiente, realizado nos dias 7 e 8 de maio, pela Portos e Navios, no Rio de Janeiro, Jablonski observou que a proposta deverá ser discutida posteriormente com a sociedade, porém já existe legislação que pré-aprova o uso do dispersante. Esta prevê que o produto químico deve ser usado somente se resultar em menor prejuízo ambiental, quando comparado ao efeito causado por um derrame sem qualquer tratamento. Também pode ser usado como alternativa à contenção e recolhimento mecânico, caso o procedimento não seja eficaz.
O assunto é polêmico e ganhou vulto na luta dos americanos para conter o vazamento de um poço de petróleo danificado da British Petroleum (BP), no Golfo do México, em 2010. Mesmo nos casos considerados mais indicados, o uso de dispersantes químicos é questionado. Ao mesmo tempo que faz com que as manchas de óleo sejam desintegradas em gotículas que afundam e, assim, não atingem a costa, seus resíduos podem ter efeitos perigosos sobre a fauna marinha.
Independente da avaliação do Conama, os especialistas presentes ao evento foram unânimes em afirmar que ter um plano de contingência que funcione é o mais indicado para qualquer país. E demonstraram o quanto o Brasil evoluiu nesse assunto. “Ter criado o Plano Nacional de Contingência (PNC) não significa que impediremos um vazamento, porém é uma estrutura organizacional que permite que os órgãos públicos trabalhem de maneira coordenada e obtenha melhores resultados”, afirmou o capitão de mar-e-guerra Tarcísio Oliveira, da Gerência de Meio Ambiente da Diretoria de Portos e Costas (DPC) da Marinha do Brasil.
O PNC nasceu para atender a incidentes de poluição por óleo de grandes proporções em águas sob jurisdição nacional. Ele cria instâncias voltadas à organização dos órgãos públicos, sendo o coordenador operacional responsável pelo comando das ações imediatas ao acidente. Esta figura deverá ser, preferencialmente, a Marinha, para incidentes em águas marítimas; o Ibama, para águas interiores; ou a ANP, caso estejam envolvidas estruturas submarinas de perfuração e produção de petróleo.
Também foi criada a autoridade nacional, que coordena todas as atividades do plano, exercida pelo Ministério do Meio Ambiente. Um comitê executivo, composto pelos Ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia e dos Transportes, pela Secretaria de Portos da Presidência da República, a Marinha, o Ibama, a ANP e a Secretaria Nacional de Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional, é responsável por propor ações para implementação do PNC. O Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA) será responsável pelo acompanhamento de todo e qualquer acidente, independente do porte, composto pela Marinha, Ibama e ANP.
O surgimento do PNC ocorreu alguns anos após o início do combate aos impactos ambientais em derramamentos de pequeno e médio porte, previstos pelo Plano de Emergência Individual (PEI), criado há seis anos, e Planos de Área (PA), previstos há 11 anos. Em caso de acidente, as empresas e participantes dele são aquelas estabelecidas de acordo com a Lei nº 9.966/2000, e que devem possuir seus PEIs e fazer parte do PA local. No estado do Rio de Janeiro, segundo o especialista em Emergências Ambientais da Hidroclean do grupo Bravante, Paulo Magioli, já foi finalizado, de maneira pioneira, o da Baía da Guanabara (PABG).“O PABG está pronto e vamos testar sua efetividade em junho. No total, são 33 empresas que fazem parte dele. Posso dizer que saímos do inferno e fomos para o céu. Não temos hoje o melhor dos mundos, mas estamos melhorando sensivelmente. Os planos de área precisam existir e funcionar. Esse é o princípio básico”, informou Magioli durante o Ecobrasil.
Para o diretor e responsável pela área de Análise e Gerenciamento de Risco da O’Briens do Brasil, Alvaro Junior, o avanço trazido pelo PEI já demonstra a evolução brasileira no tema. “O PNC não fica claro quando cita o comando unificado e isso pode gerar confusão. No entanto, o PEI já garante uma capacidade de deslocamento de recursos materiais e humanos comparáveis a qualquer país de ponta. E isso graças à Petrobras e várias outras empresas que estão no litoral. É um avanço fantástico”, disse durante o seminário.
Destaque entre as companhias com melhor planejamento em casos de emergência, a Petrobras tem entre suas principais ferramentas o Infopae (Sistema Informatizado para Apoio a Plano de Ação de Emergência). Criado em 1998, o sistema faz o planejamento, garante a manutenção do estado de prontidão, fornece respostas a emergências, avalia a gestão de contingência e faz simulados e gestão dos recursos. Desenvolvido em parceria com a PUC-RJ, deve estar totalmente implementado até julho desse ano.
— Desde 2007, o Infopae tem recebido um aporte maior. Hoje, já são R$ 7 milhões anuais. Boa parte da possibilidade de um plano funcionar bem deve-se à logística pensada previamente. Quando antecipamos essa fase, é mais provável que o potencial dela seja bem utilizado no momento do acidente. O Infopae é o retrato disso — explicou o consultor de Planos e Crises de Emergência da Petrobras, Angelo Sartori, frisando que a expectativa é de que todas as unidades tenham acesso ao sistema, inserindo seus planos de emergência nele. Dessa forma, todo o processo estará informatizado, o que garantirá a cada dia melhores resultados.
Nada mais providencial do ponto de vista de planos individuais. Afinal, de acordo com a Lei de Crimes Ambientais, o responsável direto pela despoluição em casos de acidentes é o próprio poluidor. “Aquele que for considerado poluidor vai responder cível, administrativa e criminalmente”, disse a advogada e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Ingrid Zanella, que durante o evento dissertou sobre a atuação do Tribunal Marítimo, um órgão com mais de 80 anos, porém pouco difundido. O órgão exerce relevante papel relacionado aos fatos da navegação no tocante à prevenção, monitoramento e fiscalização e responsabilização.
Na opinião da professora do Programa de Engenharia Oceânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Suzana Vinzon, a alternativa mais indicada para evitar acidentes é a conhecida “Working with Nature” (trabalhar com a natureza), um conceito já bastante difundido no exterior que prima pela parceria com o ecossistema. “Essa proposta vem ganhando força internacionalmente e parte do princípio de trabalharmos a favor da natureza, em consonância com os recursos naturais. Isso quer dizer que as obras devem ser concebidas desde o princípio em harmonia com o meio ambiente. No Brasil, ainda não temos estudo nesse sentido, mas é um caminho que devemos trilhar. O porto de Antuérpia, na Bélgica, é um bom exemplo. É preciso uma mudança de paradigmas”, informou Suzana, sendo apoiada pelo promotor de Meio Ambiente e Urbanismo do Ministério Público do estado do Espírito Santo, Marcelo Lemos Vieira. “Na construção histórica do direito internacional ambiental, o Brasil se preocupou mais com seu desenvolvimento econômico, porém o Supremo Tribunal Federal já vem admitindo que a proteção e promoção do meio ambiente são direitos fundamentais, com base na proteção da dignidade da pessoa humana”, observou.
Nessa linha, é impossível não pensar no licenciamento. O sócio-diretor da Econservation Estudos e Projetos Ambientais, Paulo Cerutti, mostrou todo o processo enfrentado por terminais portuários e afirmou que, em média, a obtenção da Licença de Instalação (LI) acontece num prazo de 29 meses. “Há alguns passos nesse caminho que podem ser mais demorados e atrasar o andamento, mas é preciso ter em mente que determinadas ações já devem estar previstas, como, por exemplo, medidas compensatórias”, preveniu.
No caso do Complexo Logístico Intermodal Porto Sul, em processo de construção no distrito de Aritaguá, no município de Ilhéus, na Bahia, esse prazo chegou a seis anos. O exemplo foi citado durante o evento pela coordenadora de Portos, Aeroportos e Hidrovias do Ibama, Fabíola Derossi. Embora concorde que a Licença Prévia (LP) levou tempo demais para sair do papel, ela afirma que a morosidade do processo garantiu solidez à LP, economia de recursos (mais de R$ 850 mil) e maior participação social. Só de audiências públicas, foram realizadas nove. “Nosso objetivo é reduzir as devoluções dos estudos e complementações, otimizando assim os processos”, disse.
Entre os pontos mais críticos na busca pelo licenciamento, Fabíola destacou a qualidade dos estudos, a revisão criteriosa, a busca por alternativas locacionais mais eficientes e a busca por uma visão integrada com outros empreendimentos. Além disso, apontou como fundamental um diálogo cada vez mais construtivo com os atores envolvidos, o conhecimento do conteúdo dos estudos e do fluxo do licenciamento por parte do empreendedor e a disposição para mudanças e negociações.
A certificação é mesmo complicada, como afirmou durante o evento o pesquisador do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carlos Roberto Soares. O motivo é a complexidade da atividade portuária. “A questão ambiental não está bem equacionada nem no Brasil, nem no exterior. As relações são difíceis, por exemplo, com as cidades onde os portos estão instalados. As administrações portuárias têm uma atividade pesada, mas as cidades também não são inocentes. Não adianta que um porto tenha um plano de gestão ambiental maravilhoso e a cidade ser um lixo. A solução tem que passar por uma política conjunta”, observou.
A especialista portuária da Gerência de Meio Ambiente da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Maria Luiza Almeida Gusmão, também acredita que a gestão ambiental tem que ser integrada e que isso é um processo contínuo. Hoje, o trabalho é focado na autoridade portuária. “Sabemos que ainda há muito a ser feito, mas é preciso que os portos assumam suas responsabilidades, estabeleçam metas. É importante que haja, por exemplo, uma definição clara das responsabilidades ambientais de cada uma das áreas, a divulgação dessa política, a garantia de recursos adequados, a capacitação de pessoal e a comunicação com os usuários e a comunidade”, ressaltou. Para isso, a Antaq criou instrumentos de acompanhamento, como o Siga (Sistema Integrado de Gestão Ambiental), uma espécie de banco de dados das autoridades portuárias.
A partir da implementação de políticas desse tipo, os resultados têm registrado números positivos. O Índice de Desenvolvimento Ambiental (IDA), uma ferramenta criada pela Antaq para medir o grau de atendimento às conformidades, registrou aumento de 47% para 60% no item gerenciamento de resíduos sólidos. “Finalmente, a questão ambiental está sendo levada em conta. Entre as principais demandas estão a possibilidade de zerar as instalações não licenciadas, o avanço nos planos de monitoramento e a ampliação das agendas”, citou.
Nessa busca por melhorias, o porto de Santos investirá R$ 7 bilhões até 2024. De acordo com a superintendente de Meio Ambiente, Saúde e Segurança da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), Alexandra Grotta, o empreendimento tem uma localização bastante delicada e é preciso aliar o desenvolvimento à proteção de biodiversidade. O investimento será voltado às obras no mergulhão, perimetrais, estacionamento, remodelagem do acesso e obras de reforço de cada cais, porém a questão ambiental não está esquecida. Pelo contrário. “Hoje, a Docas faz a fiscalização e encaminha para a agência reguladora. Temos mecanismos para controlar. As atividades podem crescer, porém dentro dos padrões. As operações que não respeitam o meio ambiente estão com os dias contados”.
A complexidade do tema já tem reflexo nas auditorias em todos os portos, exigindo cada vez mais gente capacitada. “Há possibilidades significativas de poluição marinha a partir de diferentes pontos dos portos. Por isso, atualmente, a auditoria não é apenas uma ferramenta para o órgão de controle ambiental, mas também uma fonte de informação pública. Em alguns casos, é uma questão de transparência que a sociedade exige”, informou o diretor da De Martini Ambiental, Luiz Carlos De Martini, salientando que auditar é um procedimento cobrado pela autoridade portuária e pelos organismos de certificação e de controle ambiental, inclusive com aplicação de penalidade. Para isso, hoje já é possível até ter acesso aos resultados online ou por meio de downloads.