Atraso nos leilões deixa empresas de engenharia portuária apreensivas pelos novos projetos prometidos — Empresas de engenharia portuária aguardam o aquecimento do setor, prometido pelo governo desde a promulgação da nova Lei dos Portos (12.815/2013), em junho de 2013. No entanto, o programa de arrendamentos portuários — principal expectativa de novos projetos — atrasou logo na licitação do primeiro lote, que compreende novas instalações portuárias em Santos e no Pará. Os mais otimistas torcem para que as eleições de 2014 não adiem ainda mais os certames, que sequer tiveram os editais publicados até o fechamento desta edição. Enquanto os novos projetos não se confirmam, cresce o número de consultas por parte de investidores tentando entender o novo marco e aproveitar as oportunidades de investimentos.
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O diretor da Mind Estudos e Projetos, Rodrigo Paiva, diz que grandes empresas e investidores estão começando a olhar os portos com mais atenção, sobretudo pela necessidade de melhoria da infraestrutura e por ser um dos gargalos da cadeia logística do país. “As empresas começaram a olhar projetos portuários com mais carinho devido à mudança do marco regulatório e à possibilidade dessa série de lotes de licitação acontecer, além dos terminais de uso privado que, na teoria, são mais palpáveis de investimentos de vulto”, analisa.
Criada há um ano e meio, a Mind é formada por sócios que já atuavam no setor portuário. A empresa possui experiência em estudos de viabilidade técnica, econômica e financeira, projetos conceituais e gerenciamento de projetos da área portuária. A Mind também tem parcerias, como o consórcio com a Beton Sthal — empresa de engenharia civil —, onde atua como gerenciadora de projetos. Paiva observa o setor portuário como um mercado em transformação e com muito a amadurecer. Na visão da Mind, o volume de projetos para o setor portuário continuará crescendo.
Paiva explica que a Mind vai deixar de ser uma consultoria meramente de elaboração de projetos para prestar serviços atrelados à agregação de conhecimento e orientação com atuação mais próxima do cliente. “Entendemos que tenha uma série de players globais olhando o setor de forma diferenciada. Eles estão olhando o mercado de forma mais ativa, no sentido de dar opções para o investimento e isso reflete em projetos e consultoria como um todo”, enxerga Paiva.
Paiva comemora que as mudanças já têm influenciado o setor no sentido de mais estudos e mais consultorias. “Nesse primeiro momento de mapeamento, tem havido bastante trabalho, o que deixa o mercado bastante ansioso e pedindo serviços dessa maneira. Todo momento de mudança gera insegurança, incertezas e uma série de questionamentos. Nesse sentido acho que estamos vivendo um momento de mudanças para as empresas entenderem o que está acontecendo, como vai ser a atuação do governo e dos próprios concorrentes privados diante do novo marco”, avalia Paiva.
Em dezembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez questionamentos que adiaram o primeiro lote de licitações de novos projetos portuários (Santos e Belém), previsto para ocorrer antes do fim de 2013. O diretor da Planave, Ikeciel Kiperman, lembra que o processo já havia sido muito questionado nas audiências públicas. “Nós que acompanhamos as audiências já antevíamos que as condições da documentação colocada à disposição para discussão eram falhas, incompletas, não determinantes e tinham uma série de suposições”, aponta Kiperman.
Ele considera que empresas brasileiras foram negligenciadas e alega que estudos sérios e completos de viabilidade técnica e econômica desenvolvidos pelas próprias autoridades portuárias foram descartados. Kiperman diz que alguns projetos foram feitos sem riqueza de detalhes, apenas com base em imagens do Google. Para o diretor da Planave, a forma como o processo foi desenvolvido é desanimadora por não atender com coerência o que a legislação prevê como necessidade para abrir licitações dessa natureza.
— Por um lado, a perspectiva é que se abram novas licitações no futuro de acordo com critérios e revisões que sabemos que poderão ser atemporais. Por outro lado, se permanecerem essas indefinições dos editais que estão previstos, podemos imaginar a possibilidade de novos terminais sendo licitados, mas em processos com indeterminações — avalia Kiperman.
No último dia 10 de dezembro, o ministro da Secretaria de Portos (SEP), Antônio Henrique Silveira, afirmou que grande parte das condicionantes apontadas pelo TCU já era de conhecimento da SEP a partir de reuniões realizadas entre as equipes técnicas dos dois órgãos enquanto o processo esteve em análise no TCU. A secretaria garante que várias dessas solicitações já estão em fase de finalização. Segundo o ministro, a SEP ainda analisará o impacto no calendário de licitações previsto pelo governo federal para os arrendamentos de áreas e instalações portuárias do lote 1.
O primeiro bloco do programa de arrendamentos portuários, com 52 áreas na proposta inicial, foi apresentado ao TCU no dia 11 de outubro de 2013 com um total de 29 áreas, reordenadas após consulta e audiências públicas, das quais nove no porto de Santos (SP), além de sete no porto de Vila do Conde, quatro no porto de Santarém e nove divididas entre os portos de Belém, Miramar e Outeiro, ambas no Pará.
As consultas públicas relativas aos arrendamentos das áreas dos portos de Santos e do Pará foram abertas no dia 12 de agosto de 2013 e encerradas no dia 6 de novembro. Já as audiências públicas ocorreram no dia 30 de agosto, em Santos, e no dia 2 de setembro, em Belém. No dia 11 de outubro, a SEP entregou ao TCU os estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEAs) relativas ao primeiro bloco.
O cronograma das licitações das áreas passíveis de arrendamento nos portos organizados envolve as seguintes etapas: elaboração de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental; análise dos estudos por parte da Comissão Mista (SEP/Antaq); realização das consultas e audiências públicas; envio de estudos e documentos para análise do TCU; publicação do edital; e leilão.
Lançado em dezembro de 2012, o programa de arrendamentos é dividido em quatro blocos, abrangendo um total de 159 áreas (incluindo as 52 do bloco 1) distribuídas em portos organizados das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul. A previsão do governo é de que os investimentos no programa cheguem a R$ 17,2 bilhões até 2017.
Em dezembro, a presidente Dilma Rousseff prometeu que o governo promoverá mais concessões na área de infraestrutura. “Em 2014 teremos mais concessões de ferrovias, arrendamentos de novas áreas em portos, licitações em aeroportos e energia”, disse em sua conta no Twitter. Ela acrescentou que o governo tomou uma série de medidas para atrair investimentos privados, aumentar a eficiência e diminuir custos. No mesmo dia, na abertura do 8º Encontro Nacional da Indústria, Dilma destacou a adoção de medidas favoráveis à indústria brasileira, incluindo o novo marco regulatório dos portos, desonerações tributárias e as concessões do setor de transportes.
O vice-presidente da Concremat Engenharia, Mauro Viegas Neto, classifica como positivas as recentes concessões do governo para construção e ampliação de estradas e ferrovias. A Concremat espera que esse ritmo de licitações continue ou aumente em 2014 e que o setor portos também amplie o número de oportunidades. “Aguardamos esses investimentos. Estamos bastante preparados para capturarmos uma boa fatia de mercado, ajudando clientes a terem projetos diferenciados que vão gerar resultados melhores para os negócios deles, com portos melhores e mais atrativos”, diz Viegas Neto.
Ele avalia que os contratos atuais de expansão ou reformas de alguns portos já são decorrentes de sinalizações positivas do governo. Ele destaca a criação de cenários mais previsíveis para os investidores após o fim da distinção entre carga própria e de terceiros e projeta crescimento expressivo no nível de investimentos. “Aumentam os recursos de investidores do setor para ampliação de novos portos e isso resulta em mais projetos e mais gerenciamento. Esperamos um crescimento acima da média que tivemos nos últimos anos”, comenta Viegas Neto.
Para a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), a realização dos leilões de rodovias e aeroportos indica que as concessões no setor de transporte e logística começam, enfim, a deslanchar, criando perspectivas positivas de aceleração dos investimentos em infraestrutura nos próximos anos. “Finalmente, chegou o ano das concessões”, afirmou o presidente da Abdib, Paulo Godoy.
As empresas temem que as Eleições 2014 atrapalhem o andamento das licitações da SEP para expansão do setor portuário. Kiperman, da Planave, acha provável que as eleições atrasem alguns projetos. Por outro lado, ele ressalta que o governo tem interesse que esses projetos sejam concluídos dentro de seus prazos. “Qual expectativa de investidores que não tenham contratos bem definidos, que não tenham projetos bem definidos? Como vão investir?“, questiona Kiperman.
Viegas Neto, da Concremat, lembra que as eleições sempre interferem no Brasil, ainda mais numa área com participação pública como portos. “Dependendo dos primeiros projetos que vão aparecer e das dificuldades que vão encontrar, se o projeto for efetivado do ponto de vista de licença, isso aumenta a chance de virem outros atrás. Mas, se houver barreiras muito elevadas, o processo pode ter um ritmo um ponto mais lento”, alerta Viegas Neto.
Com 62 anos, a empresa de engenharia construtiva Concremat é especializada em estudos, projetos e gerenciamento — desde estudos de viabilidade técnica e ambiental até gerenciamento da implantação, passando pela etapa de projetos (projeto básico, projeto executivo e projeto conceitual). A empresa possui em sua carteira ativa clientes como grupo Libra, Multiterminais, Brasco, CSN, Tecon e LLX.
Petrônio Rosa, diretor da Belov Engenharia, lamenta que a forma de contratar obras em portos públicos seja restritiva e demorada. Segundo ele, a área privada permite mais diálogo e melhorias para execução do projeto. “Na obra pública, é tudo muito amarrado e será cada vez mais porque há mais desconfiança e mais cerco. O privado é muito ágil e pode se beneficiar de alguns procedimentos que o governo não pode. Um exemplo é fazer pagamentos diretos dos materiais, diminuindo a cascata tributária e economizando bastante na obra”, comenta.
Em contrapartida, Rosa comemora que a carteira está boa para prestação de serviços no setor de óleo e gás — principalmente área da Bacia de Campos (RJ). A Belov está terminando a construção de uma área de apoio em Guapimirim. A empresa investiu na parte de hidrografia e conta com mais de 100 mergulhadores. “É lá que está o forte da nossa carteira porque a parte portuária, principalmente as obras novas, é muito dependente de investimento federal”, conta Rosa. O setor de óleo e gás já representa mais de 50% da carteira atual da empresa.
Há cerca de três anos, a área ambiental da Concremat ganhou mais destaque e hoje conta com equipe com cerca de 200 profissionais, sendo que os portos demandam entre 15% e 20% desse departamento. Viegas Neto conta que a Concremat já realizava esse serviço há mais de 10 anos, mas a demanda cresceu com o aumento das exigências ambientais. “Temos uma área com especialistas que ajudam os clientes a avaliar os impactos e a fazer as correções para conseguir as licenças. Isso virou uma oportunidade de negócios com crescimento dos investimentos em infraestrutura. Essa área foi criada com base nesse mercado”, explica Viegas Neto.
O maior nível de exigência da qualidade dos projetos é considerado positivo para os projetos de engenharia. Entretanto, as empresas que elaboram esses projetos reforçam a necessidade de tempo para manter a qualidade final do empreendimento. “A questão ainda é bastante sensível porque a atividade de engenharia precisa de tempo e inteligência para um bom layout de porto e aplicar a tecnologia adequada”, afirma Viegas Neto. Ele percebe tendência de melhora na qualidade dos projetos, mas lamenta que no Brasil ainda exista a cultura de privilegiar a execução e investir pouco tempo na etapa de engenharia de projetos.
Kiperman, da Planave, lembra que os investimentos privados só podem ser tomados baseados na certeza de contratos e de estudos de viabilidade e projetos bem elaborados. “É natural que exista essa pressão, mas tem que se valer de empresas que tenham conhecimento de causa, experiência e possam fazer projetos mais rápidos. As empresas que têm essa experiência possuem condições de atender essas premissas de tempo”, diz.
Com quase 50 anos de mercado, a Planave hoje possui cerca de 650 técnicos em seu quadro. Kiperman conta que a empresa começou numa época em que a consultoria portuária praticamente não existia e se desenvolveu junto com o país nas áreas industrial, logística e de óleo e gás. “No momento, o mercado está muito abalado. Estamos sobrevivendo a ele e podemos ter boas perspectivas no futuro”, admite.
A Planave aposta no aumento de projetos de terminais privados de minérios. Kiperman destaca que alguns estão em andamento e não dependem do governo, e sim de investidores privados que há algum tempo estão desenvolvendo esses projetos. “Na logística, existem diversos investidores nas áreas de grãos, minérios e contêineres. É um mercado vivo, apesar de estar passando por uma contração no momento”, completa.
Kiperman destaca que os investidores estão sempre em busca de novos projetos e soluções para outros que estão emperrados. Ele cita o projeto da Área do Meio, que existe há décadas, mas ainda não saiu do papel no porto do Rio. Segundo o diretor da Planave, os investidores estão procurando alternativas, já que esse projeto não avançou.
Rosa, da Belov, explica que a expansão dos portos vem demandando estruturas cada vez maiores e complexas. Ele observa que a necessidade de atender a navios de maior porte está aumentando o custo das obras portuárias. Rosa cita os projetos do porto Sul, na Bahia, que prevê uma ponte com cerca de três quilômetros, e do porto do Açu, com dois quilômetros de píer, que está sendo construído em São João da Barra (RJ). “Para atender esses navios, os portos estão saindo do abrigo (baías) porque eles não têm calado e vão para alto-mar”, diz Rosa.
Comparando os portos modernos de países desenvolvidos aos existentes no Brasil, Viegas Neto, da Concremat, observa carência de melhores projetos no setor, desde dimensionamentos para as áreas de estocagem adequadas e calado compatível com o tipo de frota, até informatização de sistemas de controle, maior área para atracar navios e equipamentos de carga e descarga mais específicos para a necessidade do porto.
Rosa, da Belov, acredita que a nova lei dos portos permitirá maior diálogo entre clientes, projetistas e o provável executor, além de reduzir os custos e aumentar a agilidade, abrindo o mercado para outros investidores.
Paiva, da Mind, diz que é difícil estruturar esse tipo de projeto com players e trabalhar licenciamentos e autorizações de maneira mais rápida. “Nossa consultoria precisa agir de maneira ágil para dar vazão às necessidades do cliente. Cada vez mais, o tempo é curto, os ativos são caros, o investimento é grande, o retorno em infraestrutura tem período de maturação. Nós consultores temos que nos adequar a essa necessidade de celeridade por parte do cliente, entregando o projeto com qualidade”, finaliza.