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Explosão como a do Líbano foi evitada no Recife em 1985

No dia 12 de maio de 1985 o Recife poderia ter sido atingido por uma explosão de proporções parecidas com aquela ocorrida no Porto de Beirute, capital do Líbano, nesta terça-feira (4). A atitude corajosa de Nelcy da Silva Campos, porém, evitou a catástrofe. O prático da barra do Porto do Recife levou um navio em chamas para alto mar, afastado o risco da capital pernambucana.

O navio petroleiro Jatobá, da companhia de navegação Flumar, estava atracado no Porto do Recife transportando 1,5 mil toneladas de gás de cozinha. Havia três tanques armazenados na casa de máquinas, cada um com 250 toneladas de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP). À 1h20 da madrugada um dos tanques explodiu. Uma escotilha chegou a ser atirada para fora do navio tamanha a força da explosão e atravessou a parede do Armazém 1 do Cais do Porto, onde estava atracado.


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O fogo ameaçava explodir 153 mil metros quadrados do produto inflamável, já que o porto estava cheio. Naquela época, toda a tancagem envolvendo GLS, gasolina e combustível de avião era concentrada no Porto do Recife. Segundo projeção feita pela direção do Porto e outras autoridades que acompanharam o incidente, como o Corpo dos Bombeiros, o calor intenso provocaria diversas explosões que atingiriam um raio de cinco quilômetros. O bairro do Recife, o mais antigo da cidade, fundado no século 16, seria todo destruído. A tragédia ainda alcançaria outros bairros próximos, como Boa Vista e Santo Antônio, no Centro e o Pina, na Zona Sul.

A uma distância de 500 metros do navio ainda estavam armazenados mais 153 mil metros cúbicos de produtos inflamáveis, no Parque de Tancagem do Brum. Caso o Jatobá explodisse, o centro histórico do Recife não existiria da forma que conhecemos atualmente. O fogo consumiria o casario do Recife Antigo, Palácio das Princesas, o Teatro de Santa Izabel, Museu Militar do Forte do Brum, Forte das Cinco Pontas e outros monumentos que contam a história da capital.

A tragédia foi evitada em uma missão arriscada assumida por Nelcy Campos. Ele rebocou o navio em chamas para o alto mar. Naquela madrugada, o guia de embarcações não estava no Porto e recebeu um telefonema quando estava em sua casa. O reboque começou por volta das 2h da madrugada e exigiu que Nelcy cerrasse os cabos do navio que estava atracado. O navio Jatobá foi afastado a cerca de seis quilômetros da costa. O plano era provocar o naufrágio. Mas não foi preciso. Após ação dos bombeiros, ainda no Porto, o fogo encerrou quando o navio chegou em alto mar.

O coordenador de operações do Porto do Recife, Edson Bartolomeu Ferreira, de 59 anos, presenciou a explosão e conta que essa é uma imagem que nunca vai conseguir esquecer. "Eu tenho a imagem gravada. Lembro a cena e ainda consigo reviver em detalhes. Nessa noite, eu estava de plantão como encarregado de operações. Passei ao lado do navio e observei a tripulação inquieta no convés e as luzes de bordo piscando. Vinte minutos depois, o tanque explodiu. Alguns tripulantes, inclusive o comandante do navio, abandonaram a embarcação porque sabia do risco", conta.

Há mais de 30 anos trabalhando no porto, essa é a história mais marcante que Edson já viveu na profissão. "Fui o primeiro a comunicar à direção. A guarda portuária acionou as autoridades. Houve muito pânico e correria. O porto estava com quase sua capacidade máxima naquela noite. Seria uma tragédia enorme", lembra Edson.

Além da movimentação no Porto, na década de 80 o bairro do Recife funcionava como um centro boêmio, com bares e restaurantes. "O risco de haver uma explosão ainda maior era iminente. Houve evacuação da área, mas seria praticamente impossível desocupar o bairro inteiro. A ilha do Recife tinha uma efervescência de pessoas, bares, boates, muita gente morando nos prédios", lembra.

Mesmo com o combate do Corpo de Bombeiros, as chamas insistiam e diante da ameaça de ocorrerem mais explosões, foi decidido pelo reboque. "Houve uma reunião e ficou decidido que o mais apropriado seria rebocar o navio para águas profundas e deixar à deriva. Durante a madrugada, as empresas que detinham os tanques enviaram os engenheiros de segurança e foi conjecturada a situação. Houve consenso de que o risco era elevado com a possibilidade de explosão em cadeia pelo calor intenso e o vento deslocaria a massa quente para outros locais. Seria uma catástrofe", relata.

Os trabalhadores portuários cortaram as amarras para desatracar o navio com auxílio de uma motosserra. Depois, o Jatobá foi conduzido por Nelcy Campos no reboque. Todo o trabalho durou mais de 12 horas, terminando fim da manhã do dia seguinte. Para o coordenador de operações, o incidente impulsionou a readequação do Porto do Recife e a transferência da tancagem para área de Suape.

"Não havia políticas ambientais rigorosas e algumas questões foram adequadas depois desse ocorrido. Se estabeleceu o plano de emergência para a cidade do Recife, que até então não tinha. A legislação foi aprimorada ao longo dos anos. Até que ficou mantido apenas uma área para combustível de navio e todas as modalidades de combustíveis passaram a ser operadas em Suape, distante quase 60 quilômetros do Recife", diz Edson.

Como forma de agradecimento e homenagem, no dia 27 de setembro de 2003, um busto esculpido por Demétrio Albuquerque foi posto na entrada do Terminal Marítimo de Passageiros. Além de ter marcado a história da cidade, a atitude do prático de navio deixou um legado pessoal para os familiares. "Foi um ato heroico que deixa um exemplo para as próximas gerações. Um grande homem que conviveu conosco e nos ensinou a fazer as coisas com interesse de proporcionar uma sociedade melhor para todos, de olhar para coletividade", comenta Nelcy Campos Filho, sobre o pai que faleceu aos 59 anos.

Fonte: Diário de Pernambuco






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