Bancos financiam até 70% dos investimentos fora dos portos públicos, valor complementado por fundos >> Pouco mais de um ano após a edição da Lei 12.815, que visa a modernização dos portos, o investimento em novos projetos é uma realidade para os terminais de uso privado. Com isso, o que se vê no mercado é uma considerável oferta de opções de empréstimos por bancos públicos e fundos de investimentos para a construção de novos terminais ou a expansão dos existentes. Enquanto isso, os terminais arrendados em portos públicos seguem com investimentos represados diante da insegurança jurídica e a não liberação de concessões pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
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Fato que se reflete nas instituições financeiras, que ainda não sabem como lidar com o alto grau de risco desses empreendimentos.
Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) feito na terceira semana de setembro a partir de dados da Antaq e da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) indica que os projetos submetidos hoje à agência somam R$ 26 bilhões em investimentos. Aí estão incluídos terminais de uso privado (TUPs) com autorização liberada e em análise, previsão de arrendamento de novas áreas em portos públicos, e contratos de arrendamento vencidos ou por vencer.
Já a EY (nova marca da consultoria Ernst & Young) estima o volume de investimentos de US$ 25 bilhões na expansão e construção tanto de terminais privados quanto em áreas de arrendamentos nos próximos 10 anos. O total de financiamento deve ser de 65% a 70%, equivalentes a cerca de US$ 18 bilhões.
Segundo Carlos Campos, pesquisador de infraestrutura do Ipea, as solicitações de construção ou expansão especificamente de TUPs em análise na Antaq representam R$ 10,5 bilhões de investimentos. Nove deles são considerados de grande porte (acima de R$ 100 milhões), como o terminal de Ponta Negra (RJ), terminal portuário de Macaé (RJ) e Bahia Terminais.
Os projetos já autorizados pela Antaq, até a terceira semana de setembro, somam outros R$ 10 bilhões, distribuídos em 29 projetos, sendo o maior deles o porto Sul, na Bahia, com investimento de mais de R$ 3 bilhões, seguido da expansão do terminal Ultrafértil do porto de Santos, com R$ 2,25 bilhões, o porto Norte Capixaba (ES) com R$ 1,5 bilhão e o porto do Açu (RJ) com R$ 537 milhões. Entre as propostas para antecipar contratos de arrendamento, o Ipea contabiliza quase R$ 6 bilhões de investimentos.
Para cobrir a demanda, o BNDES, principal financiador da infraestrutura no país, oferece financiamento direto, em maior parte pelo Finem, que apoia a implantação de projetos de investimento. O banco participa com até 70% do valor do projeto. Entre os custos do empréstimo, estão a taxa de risco que pode variar de 0,5% até 4,17%, a taxa básica do BNDES de 1% e a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) de 5% ao ano.
O banco realiza dois tipos de operações em infraestrutura, as corporativas e as de project finance. No primeiro caso, as garantias são a estrutura patrimonial da empresa, incluídas uma garantia real e uma pessoal dos controladores. No segundo tipo de operação, a garantia tem base nos recebíveis, direitos creditórios do empreendimento. No setor portuário, o mais usual são as operações corporativas, já que nem sempre é possível ter receitas previsíveis e constantes ao longo do tempo.
Na carteira do BNDES hoje para financiamento a terminais privados e arrendados, estão 24 projetos, com R$ 11 bilhões financiados por meio de empréstimos, o que gera investimentos totais de R$ 20 bilhões. Os terminais arrendados que recebem os recursos estão nos portos de Santos (SP), Paranaguá (PR), Pecém (CE), Rio de Janeiro, Salvador (BA) e Rio Grande (RS), e os privados são Açu (RJ), Sudeste (RJ) e Ponta da Madeira (MA).
A previsão de desembolsos do BNDES até o fim deste ano é de R$ 3,1 bilhões, contra R$ 1,1 bilhão em 2013. O banco calcula que, entre 2015 e 2017, serão mais R$ 13 bilhões. Na avaliação da instituição, os terminais privados devem assumir papel mais relevante na carteira em função das perspectivas de novas autorizações de projetos.
Além dos empréstimos, as empresas encontram outros recursos para compor o financiamento. Dalmo Marchetti, gerente do Departamento de Transporte e Logística do BNDES, explica que é possível financiar projetos de infraestrutura no mercado de capitais, através de debêntures. Neste caso, normalmente o banco utiliza o financiamento associado a esse mecanismo, de forma que as garantias da operação de crédito também sirvam aos debenturistas. No entanto, as operações com debêntures ainda não são a prática no setor portuário, diferente do que acontece no rodoviário, aeroportuário e energético.
“Por exemplo: o setor portuário é mais competitivo e isso causa um risco adicional em relação ao mercado rodoviário, o qual ainda tem a vantagem de uma demanda mais previsível e a estrutura de pedágio. Os aeroportos conseguiram alavancar uma parte dos investimentos, mas dentro de uma perspectiva de demanda muito grande. Alavancar esses recursos no mercado vai depender de quão expressiva é a demanda no segmento do projeto, do grau de risco da construção, da experiência dos gestores”, detalha Marchetti.
Em geral, diz o gerente do BNDES, o levantamento de recursos se dá em dois momentos. É comum o crédito entrar na etapa inicial do projeto. Quando o empreendimento começa a operação, demonstrando maior maturidade e menor risco, chega a hora mais propícia para buscar o mercado de capitais.
Mesmo o BNDES sendo o principal financiador, com volume de crédito de longo prazo disponível, outros bancos oferecem o serviço de estruturação de financiamento, que identifica as melhores linhas de empréstimo, propõe o melhor pacote de garantias, sindicaliza as operações (traz outros bancos para dividir o montante do financiamento) e acompanha o processo até a contratação. O serviço de estruturação elabora um projeto financeiro detalhando as características do projeto e projetando o fluxo de caixa, por exemplo.
Além disso, a estruturação financeira aponta as fontes de recursos que vão complementar o empréstimo, como debênture de infraestrutura (que são títulos emitidos com a finalidade de financiar obras para o governo federal) e fundos de investimento. Também é uma forma de o banco que presta o serviço garantir sua participação no financiamento.
— Em geral, as empresas que têm projetos grandes e precisam de uma estruturação de financiamento mais complexa procuram um banco para esse assessoramento. É preciso ter alguém para coordenar as discussões entre os agentes financeiros — aponta Marcio Giannico Rodrigues, gerente executivo do Banco do Brasil.
Hoje a instituição tem cinco projetos para fazer as estruturações de financiamento de terminais privados. Eles cobrem o valor de investimento de cerca de R$ 2 bilhões, sendo R$ 1,5 bilhão financiado. A estimativa é que 40% deste valor sejam fornecidos pelo Banco do Brasil.
Mais seis projetos estão sendo negociados com o Banco do Brasil, com valor total de R$ 5,5 bilhões, todos em terminais privados. “Quanto à definição de credores para as áreas de arrendamento, precisamos aguardar a definição que esses projetos terão. É um setor que, na nossa perspectiva, em qualquer cenário encontrará volume de investimento e será uma frente importante para os bancos nos próximos dois ou três anos”, opina Rodrigues.
O Banco do Brasil e outras instituições estão de olho nos projetos que estão para sair. Rodrigues cita os do Corredor Norte para escoar a produção de grãos do Mato Grosso, terminais no porto de Santos e em Santa Catarina.
Algumas das principais opções de financiamento com que o Banco do Brasil costuma trabalhar são o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE); o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO); debêntures de infraestrutura; o BNDES Finem; e o Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA), destinado a financiar projetos localizados na Amazônia legal. Há ainda as linhas do IFC, braço de financiamento privado do Banco Mundial.
Na Caixa Econômica, também são oferecidos recursos de variadas fontes para atender às demandas de financiamento em terminais portuários. Os recursos são destinados conforme a disponibilidade da fonte, as características do projeto e a localização do empreendimento, sendo que as condições de prazos, taxas e garantias são definidas caso a caso. Os investimentos no setor portuário estão estimados em R$ 54,6 bilhões. A Caixa atua viabilizando investimentos em infraestrutura logística por meio do repasse de recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
Além dos fundos públicos, alternativa procurada pelas empresas são os fundos privados, que podem aumentar a alavancagem dos investimentos, complementando o percentual financiado pelos empréstimos tradicionais, o que torna os empreendimentos de infraestrutura mais atrativos.
O P2 Brasil, criado em conjunto pelos grupos Pátria Investimentos e Promon, gerencia investimentos de private equity em infraestrutura, especialmente nos segmentos de logística e transporte, óleo e gás, água e saneamento, e distribuição e transmissão de energia elétrica. Entre as empresas investidas pelo fundo, está a Hidrovias do Brasil, que oferece serviços de transporte hidroviário de cargas, além da construção e operação de terminais portuários e de transbordo. Entre seus projetos, estão um terminal de transbordo rodo-fluvial em Miritituba (PA) e o TUP Vila do Conde (PA), que obtiveram licença de instalação em 2013 e cujas operações estão previstas para começar em 2016.
A gestora de ativos LOGZ, cujos acionistas são fundos geridos pela BRZ Investimentos, tem plano para aportar recursos em novos projetos de terminais portuários e de logística integrada no Sudeste, Norte e Nordeste, além de expandir as empresas investidas. Hoje, a LOGZ tem participação em quatro empresas de Santa Catarina: o terminal de Santa Catarina, arrendado no porto de São Francisco do Sul; a WRC Operadores Portuários; o terminal portuário privativo de uso misto localizado em porto Itapoá; e o terminal de granéis de Santa Catarina, também de uso misto.
Para melhor capitalização, a estratégia das empresas tem sido recorrer a empréstimos nos bancos públicos e complementar com outros instrumentos, segundo Luiz Cláudio Campos, sócio de transações corporativas da EY.
— Isso se deve a dois fatores principais. Primeiramente, as linhas têm taxas e condições muito favoráveis quando você lida com o BNDES ou com outras instituições públicas. Ou seja, esta opção é realmente muito competitiva, porém há duas questões: uma é o limite de quanto pode ser financiado e a segunda é o tempo entre a aprovação do projeto e a liberação do financiamento. Os investidores precisam, portanto, de outros financiadores que já entrem aportando recursos no projeto assim que aprovado para começarem a mobilizar o investimento.
O sucesso de toda essa engenharia financeira, porém, depende da análise de risco dos investidores. Há seguros que podem ser contratados para oferecer garantias ao banco financiador, como o completion bond, que visa garantir a conclusão do projeto de acordo com as especificações do contrato, podendo oferecer diferentes coberturas de acordo com as fases de execução da obra e da operação.
Luiz Cláudio Campos diz que entram na avaliação de risco as licenças necessárias para a construção e operação dos terminais, assim como a estrutura jurídico-financeira dos contratos de longo prazo atrelados ao empreendimento, como por exemplo para movimentação de cargas. Tais contratos conferem a previsibilidade do fluxo de caixa da empresa e tranquilidade para o investidor alocar os recursos na empreitada.
As garantias exigidas para cobrir os riscos variam de acordo com o investimento e o investidor. De forma geral, explica o especialista da EY, são exigidas garantias reais. “O problema é que a empresa vai ter que pegar ativos reais registrados em seu balanço e colocá-los em garantia. Esses ativos só serão liberados quando a obra terminar e o empreendimento entrar em operação. Então, até lá, o balanço fica gravado. Isso tem um limite. As empresas têm um limite de quanto conseguem colocar de garantia. Portanto, quanto mais projetos sendo implementados, mais reduzido é o limite de garantia.”
Na análise de risco, as situações dos TUPs e dos terminais arrendados são bastante distintas. Enquanto o primeiro está dentro de um espaço regido por contratos privados, os arrendamentos guardam riscos regulatórios, com a possibilidade de mudanças no critério de concessão de operações nos portos públicos e a morosidade na liberação das áreas para a realização de projetos. São percepções de risco diferentes, que levam o investidor a precificar seu investimento também de forma diferente, como explica Luiz Cláudio Campos.
“Se você for analisar a primeira leva de concessões de terminais públicos, até hoje ela está parada por causa de embargos. E eventuais modificações na dinâmica do processo podem impactar nos riscos dos investidores e dos financiadores. Assim, pelo que percebemos neste momento, os bancos privados e os fundos têm maior apetite por aumentar o total de financiamento no âmbito dos TUPs, e não em projetos de arrendamentos”, analisa o especialista da EY.
Mas, na visão do consultor, o futuro andamento das concessões em portos públicos deve despertar a confiança do investidor e estimular a criação de fundos para financiar esses projetos. Portanto, o financiamento não deve ser um gargalo para os projetos de arrendamento. “Quando realmente saírem as concessões, os financiamentos precisarão estar resolvidos. Um não avança sem o outro”.
Wilen Manteli, presidente da ABTP, reforça a ideia. “Dinheiro não falta. O próprio governo tem recursos para aplicar na infraestrutura. Segundo o Ipea, nos Orçamentos de 2003 a 2013 o governo alocou R$ 19 bilhões em infraestrutura portuária. Nesses dez anos, por uma série de brigas dentro do próprio governo, foram aplicados em torno de R$ 9 bilhões. Não se chegou a 50%.”
A decisão do governo de fazer novas licitações para mais de 100 contratos que estão vencidos ou por vencer causaram rebuliço no setor. Inseguras, as empresas operantes pararam de investir. Algumas entraram na Justiça para tentar ter a garantia de seguir operando. Novos projetos de arrendamento, por sua vez, estão embargados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A confusão afugentou novos investidores.
Na avaliação de Manteli, as empresas têm disposição de entrar nos novos projetos de terminais e haveria até mais investimentos se as regras fossem mais claras. “Quem já opera terminais não tem alternativa a não ser continuar investindo, porque precisa atender à demanda. E os que estão entrando em novos terminais, apesar de inseguros, esperam que o governo cumpra a lei.”
O pesquisador do Ipea Carlos Campos analisa: “Estamos no caminho certo, mas o governo não deveria ter criado tanta insegurança jurídica quanto aos terminais privados dentro dos portos públicos. Colocou-se dificuldades no segmento que poderia resolver os problemas dos portos mais rapidamente, pois os resultados dos investimentos nos terminais de uso privado só aparecerão no final desta década. Hoje quem está dentro não quer sair e quem está fora tem dificuldade de entrar. É um clima inapropriado ao investimento.”
Wilen Manteli acrescenta que o direito de pedir a prorrogação dos contratos está garantido na lei, mas o critério de aceitação pela Secretaria Especial dos Portos (SEP) não é claro para as empresas. Também gera insegurança o debate sobre definir ou não um teto relativo ao retorno dos investimentos. “Seria dividir o ganho acima do teto com o poder concedente. Se a taxa definida for de 8% e o empresário tirar 10%, no próximo estudo feito pela Caixa Econômica a empresa estará sujeita a uma revisão do valor do arrendamento ou ter que reduzir os preços das tarifas. Isso não é possível. Então estamos discutindo o assunto com a Antaq e com a SEP, o que retarda um pouco mais o estudo da questão”, diz Manteli.
A ABTP destaca a diversidade dos problemas envolvidos em uma série de ações judiciais que estão em andamento. Algumas se referem à Portaria no 110 da SEP, que proíbe o aumento das áreas de terminais dentro dos portos públicos. Na visão de Manteli, a norma vai contra a Lei 12.815, de modernização dos portos, que visa destravar investimentos privados para ampliar e melhorar as instalações portuárias.
Outro embate diz respeito à Portaria no 24 da Secretaria de Patrimônio da União, que definiu a cobrança de taxa sobre os terminais privados pelo uso do chamado espelho d’água. Há ainda uma terceira situação listada por Manteli, de cerca de 30 terminais cujos contratos de arrendamento são anteriores à Lei dos Portos de 1993 e buscam ter seus contratos adaptados à legislação atual.
Observando a dificuldade do governo em superar as amarras da burocracia, o pesquisador Nilo Campos desenvolveu estudo sobre as opções disponíveis de financiamento da infraestrutura portuária brasileira, como dissertação de mestrado na Universidade de Brasília (UnB). Na pesquisa, ele conclui que a abertura de capital seria a via mais adequada, pois “a participação majoritária do governo na estrutura societária dos portos marítimos brasileiros não é a opção mais apropriada a ser adotada, e que a alternativa mais simples de obtenção de recursos necessários à adequação das instalações aos padrões internacionais é a privatização”.
— Do meu ponto de vista, os benefícios para os operadores seriam o ganho de eficiência que normalmente se tem com empresas privadas na administração, além da possibilidade do governo aplicar na infraestrutura portuária o dinheiro arrecadado pela privatização das Companhias Docas. O mais importante para os operadores dos terminais seria a administração mais eficiente das Companhias Docas, com o objetivo de obter lucros e ganhos de escala, com maior confiabilidade e comprometimento com resultados — defende.