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Foco em prevenção

Enquanto o PNC aborda ações ligadas a vazamentos já ocorridos, especialistas afirmam que plano deveria buscar medidas de precaução

Ainda sem a entrada em vigor do Plano Nacional de Contingência (PNC), o país enfrenta problemas para lidar com vazamentos de petróleo. O caso da Chevron é emblemático. Cinco meses após o primeiro vazamento na bacia de Campos, o laudo final ainda não foi concluído, um novo acidente ocorreu na mesma região e os fatos mostram as fragilidades do país em relação às políticas de prevenção

e as responsabilidades dos órgãos públicos. Enquanto o plano aborda as ações ligadas aos vazamentos já ocorridos, especialistas afirmam que o PNC deveria focar na prevenção para evitar os derramamentos.

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“O plano é parte de um todo, mas o todo é mais que o plano. O PNC prevê que se tome providências depois que o leite está derramado. Mas além disso devemos trabalhar muito na prevenção, que é todo um outro lado que deveria estar sendo considerado”, afirma o diretor de Tecnologia e Inovação do Instituto Luiz Alberto Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Segen Estefen. Para ele, existe uma série de atividades que devem ser desenvolvidas de forma estruturada para que o Brasil alcance uma posição de liderança não só nas tecnologias para águas profundas, mas também na prevenção e ações relativas às causas dos acidentes.

A advogada especializada em gestão ambiental, Marisa Dietrich, também concorda que uma política de prevenção deve ser incluída no desenvolvimento do plano. Segundo ela, é preciso olhar com mais atenção para os meios de se evitar grandes acidentes e investir em equipamentos e treinamento para controle. “Temos a obrigação de mudar os rumos da política ambiental e investir muito em prevenção. Se as multas forem pesadas por falta de prevenção, com a suspensão das licenças, poderemos evitar muitos acidentes”, avalia.

O orçamento anual estimado para o plano é de R$ 1 bilhão proveniente do Orçamento Geral da União. Sem uma fonte de receita específica, o recurso será uma espécie de “seguro” para grandes vazamentos de petróleo no mar em que o responsável não seja conhecido imediatamente. Quando identificado, ele deverá reembolsar a União e arcar com os custos. O dinheiro ficará contingenciado caso não haja acidentes em um ano determinado. Por outro lado, se os custos de um acidente superarem o valor, novos desembolsos poderão ocorrer.

Para o geólogo e diretor executivo da Caruso JR Estudos Ambientais e Engenharia, Francisco Caruso Júnior, o valor pode não ser o suficiente, mas será de bastante utilidade. “O governo deve aplicar dinheiro público mais voltado para a elaboração de diretrizes gerais de um Plano Nacional de Contingência, mas a sua real aplicabilidade vai depender muito mais da iniciativa e obrigatoriedade das empresas que atuam no setor”, afirma.

Na avaliação de Stefen, ainda é prematuro se falar em recursos quando ainda não se foram definidas as ações que serão feitas em caso de acidentes. “Antes do dinheiro deve vir o planejamento do que se quer fazer. Deve haver um entendimento do que deve ser feito e quais os recursos humanos necessários para isso e assim teremos uma medida do orçamento”, opina. Para Marisa, antes de se avaliar a quantidade necessária, também é preciso conhecer a empregabilidade dos recursos. “Só podemos dizer se é pouco depois de saber como será empregado. Se for em prevenção talvez seja o bastante. Alguma vez já se empregou um bilhão de reais em prevenção de acidentes no Brasil?” indaga ela.

A British Petroleum já gastou até agora, segundo a assessoria, cerca de US$ 14 bilhões em operações de resposta e limpeza após o acidente da Deepwater Horizon, que aconteceu em 2010. Considerado o pior vazamento de petróleo na história dos Estados Unidos, o desastre foi causado por uma sequência de “falhas mecânicas, julgamentos humanos, engenharia de projeto, execução operacional e interfaces de equipes”, segundo o relatório da BP. Uma falta de controle da pressão do fluido no poço, seguida por uma falha no sistema de segurança contra explosões, que deveria vedar o poço automaticamente em caso de perda de controle, fizeram disparar hidrocarbonetos, causando explosões na plataforma. Onze pessoas morreram e milhares de animais foram atingidos pelo vazamento. Com início em abril, o vazamento só foi totalmente controlado 87 dias depois.

O acidente da Chevron, no qual foram derramados 480 mil litros de óleo no campo de Frade, na Bacia de Campos, em novembro do ano passado, ainda não foi solucionado. A atuação de vários órgãos na investigação mostram ações desarticuladas dos órgãos do governo, já que não se tem clara a responsabilidade de cada um no processo. O Ministério Público Federal (MPF) denunciou a Chevron, a Transocean, proprietária da plataforma, e mais 17 pessoas por crime ambiental e dano ao patrimônio público. Segundo o MPF, o presidente da Chevron no Brasil, George Buck, e três funcionários da empresa responderão ainda por dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público, omissão em cumprir obrigação de interesse ambiental, apresentar um plano de emergência enganoso e por falsidade ideológica, ao alterarem documentos apresentados a autoridades públicas.

De acordo com a denúncia apresentada na 1ª Vara Federal de Campos, o derramamento de óleo afetou todo o ecossistema marítimo e causou impactos às atividades econômicas da região, além de danos ao patrimônio da União, uma vez que o vazamento ainda está em curso. No último dia 15 de março, a Chevron informou a descoberta de uma mancha de um quilômetro de extensão na mesma área do primeiro. Desta vez, a companhia estimara um vazamento de cinco litros de petróleo. Autoridades ainda investigam as causas das novas fissuras e se estão relacionadas ao primeiro acidente. Por este vazamento, a  Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) já aplicou 25 autuações para a Chevron, que ainda cabem recursos.

Para o procurador da República, Eduardo Santos de Oliveira, os funcionários das empresas Chevron e Transocean causaram uma “bomba de contaminação de efeito prolongado” ao empregarem uma pressão acima da suportada, ocasionando fraturas nas paredes do poço que extravasaram o óleo no mar, mesmo após o seu fechamento.

A ANP, afirma o ministério, detectou falhas gravíssimas em equipamentos na plataforma, o que demonstra a precariedade das condições em que a Chevron promovia a perfuração dos poços de petróleo. Embora constasse em seu Plano de Emergência Individual (PEI), diz o órgão, a Chevron não tentou recolher o óleo do mar, optando pelo uso da dispersão mecânica, que causou o espalhamento do petróleo e aumentou o desastre ambiental. As multas lavradas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) antes de serem concluídas as investigações, a demora na sua finalização pela ANP e a ação criminal aberta pelo MPF mostram ações descoordenadas entre os órgãos para enfrentar e solucionar questões relacionadas a acidentes ambientais.

Com a implantação do PNC, que seria encaminhado à Casa Civil em março para aprovação final, diferentes órgãos federais atuarão de forma coordenada em caso de acidentes, como a Receita Federal e o Ministério da Justiça. As decisões, no entanto, ficarão nas mãos de um grupo formado pela ANP, pelo Ibama e pela Marinha.

Na avaliação de Marisa, o Ministério de Meio Ambiente deveria ser o órgão responsável pela coordenação das ações de contenção de acidentes. Um grupo especificamente criado com esta finalidade, diz ela, daria apoio ao Ibama e aos órgãos estaduais de meio ambiente. “Esse grupo estaria incumbido ainda de dar treinamento aos técnicos do Ibama e aos órgãos ambientais estaduais. Nas áreas mais expostas deveria existir equipamento adequado e material humano treinado”, sugere ela. A advogada diz também que a estrutura do Ibama é insuficiente para realizar a fiscalização necessária das atividades de exploração.

— O Ibama e os órgãos ambientais estaduais estão assoberbados com licenciamentos ambientais, fiscalização e ações judiciais. As multas aplicadas pós-acidentes, e que em geral não são pagas, deveriam ser cobradas caso a empresa não tivesse equipamento e pessoal treinado. A companhia também deveria ser penalizada com a imediata suspensão da licença. Mas para isso precisamos de fiscalização. Não é possível querer crescer como se anuncia com o advento do pré sal e, ao mesmo tempo, imaginar que é possível manter o Ibama com a mesma estrutura física e de pessoal — afirma.

Para utilizar os recursos do PNC, o vazamento deve ser de âmbito nacional. Atualmente, cada unidade de exploração deve ter um Plano de Emergência Individual que deve ser seguido em casos de acidentes de menor proporção. Mas em alguns países existem três níveis de planos de contingência: os nacionais, os regionais e os individuais para plataformas.

Na avaliação de Caruso, os planos nacionais se enquadram melhor em países com dimensões geográficas menores. “Como o país possui grandes dimensões, o plano deve ter foco principalmente nos aspectos regionais, levando em consideração as características ambientais de cada região onde o bem é produzido. Mapas de Sensibilidade Ambiental auxiliam bastante em caso de acidentes, além de técnicas modernas de enfrentamento de acidentes envolvendo petróleo”, diz. As plataformas de petróleo, opina o geólogo, deveriam ter planos de contingência individuais e regionais.

Estes acidentes mais recentes e de grandes proporções — como o do Golfo do México e o da Chevron — trouxeram lições ao país. Casos desse tipo, opina Caruso, devem ter trazido às operadoras uma maior responsabilidade com seu processo produtivo, além da verificação da real aplicabilidade dos seus planos de contingência. “As empresas do setor terão um cuidado redobrado nos procedimentos obrigatórios para prevenir e minimizar eventuais acidentes”, acredita ele. Por não ser sujeito a catástrofes naturais, o país não tem a cultura de prevenção, opina Marisa. Por isso, diz ela, é preciso gerenciar os riscos da exploração de petróleo da mesma forma que os seus rendimentos.

Para se buscar excelência na proteção ambiental e buscar níveis mais altos de segurança em caso de acidentes, o papel das universidades pode ser fundamental. Alguns centros acadêmicos hoje contam com laboratórios especializados e equipes técnicas competentes que podem contribuir para melhorar atividades no país em relação à prevenção de acidentes no mar, principalmente no que diz respeito a vazamentos. A Coppe/UFRJ já encaminhou inclusive uma carta ao Ministério de Minas e Energia listando as possíveis contribuições da universidade. Segundo Stefen, a instituição indica que a resposta deveria ser dada pela ANP e que o ministro encaminharia o documento à agência.

Através de um monitoramento por satélite, por exemplo, a instituição pode analisar imagens, identificar a partir delas possíveis manchas e realizar estudos que vão indicar como será a dispersão do óleo. O laboratório de Monitoramento e Modelagem, fruto de um convênio entre a universidade e a ANP, presta serviços à Petróleos Mexicanos (Pemex) há cerca de dez anos.

Outra estrutura que pode ser oferecida ao governo é o Laboratório de Tecnologia Oceânica (LabOceano), que pode simular as condições de mar em grandes profundidades. “Nesse tanque oceânico podemos realizar operações que simulem as ações de emergência durante o vazamento na perspectiva de estancá-lo. São procedimentos que têm que ser desenvolvidos pela indústria do petróleo”, afirma.

A Coppe/UFRJ também colocou à disposição do Ministério de Minas e Energia o Laboratório de Tecnologia Submarina (LTS). Lá pode ser analisada a disseminação do óleo em grandes profundidades. “Estudamos como acontece a dispersão, como os agentes químicos que atuam para essa dispersão se comportam sob grandes pressões. São estudos importantes para que tenhamos maior eficiência no combate a esses vazamentos, tanto para dispersar o óleo vazado como para estancá-lo”, explica  o diretor.

Atualmente, os laboratórios são utilizados esporadicamente por empresas do setor para a realização de estudos relativos à perfuração e produção de petróleo. No que diz respeito a projetos de prevenção de acidentes no mar, diz Stefen, o governo poderia ser o grande beneficiado. “O órgão regulador é que deve liderar ou induzir trabalhos que vão facilitar a elaboração de procedimentos de segurança. Faz parte do dever de casa dos órgãos reguladores introduzir essa agenda no país”, comenta.

Com as perspectivas de aumento de produção de petróleo nos próximos anos, a probabilidade de acidentes também aumenta. Por isso, a entrada em vigor do PNC, determinado pela Lei 9.966, de 2000, torna-se ainda mais urgente. n

 



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