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Investimentos navais modificam São José do Norte

O município de São José do Norte pretende viver nos próximos anos um fenômeno semelhante ao que se verifica atualmente em Rio Grande. Como o tradicional porto gaúcho encontra-se com poucos locais para sediar novos empreendimentos, a cidade vizinha, localizada do outro lado da Lagoa dos Patos, torna-se o alvo de investimentos portuários e da construção naval. As instalações de dois projetos na região já estão encaminhadas: a construção do terminal da CMPC Celulose Riograndense e o da Estaleiros do Brasil (EBR) - companhia que tem o controle acionário da Setal Óleo e Gás (SOG).

O professor de pós-graduação em Geografia e Gerenciamento Costeiro da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e doutor em Planejamento Territorial, Marcelo Domingues, afirma que pode ser desenhado um complexo portuário-industrial em São José do Norte. Além da implementação de plataformas de petróleo e navios, existe potencial para as movimentações de celulose, de contêineres, operações de estaleiros, de terminal florestal, entre outras atividades.

Domingues salienta que parte do município é considerada uma área de expansão portuária oficial. “O que falta agora, com o apoio da União e do Estado, é deslanchar o processo de desapropriações para seguir um plano de ordenamento do uso desse espaço”, diz o professor. Ele acredita que essas ações não seriam uma tarefa das mais complicadas, devido ao fato de existir a prerrogativa de o poder público decretar o terreno como de interesse estratégico. Domingues relata que, da localidade conhecida como Cocuruto até o Centro de São José do Norte, uma faixa que abrange de três a quatro quilômetros, há um calado natural que passa próximo à terra firme, enquanto do Cocuruto até a comunidade dos pescadores, em direção ao mar, verifica-se uma plataforma rasa. Então, a concretização do porto de São José do Norte demandará dragagens específicas para permitir o ingresso dos navios, de acordo com cada projeto de terminal e suas localizações.

Outros desafios serão enfrentados para possibilitar esse desenvolvimento. Domingues calcula que as iniciativas que estão mais claramente definidas no momento para São José do Norte, como o terminal de celulose da CMPC e o estaleiro da EBR, implicam a necessidade de construir uma nova cidade para, pelo menos, mais 25 mil pessoas. O último censo, de 2010, aponta o município com uma população de 25,5 mil.

O professor enfatiza que é impossível toda uma mão de obra residir em Rio Grande e realizar diariamente a travessia da Lagoa dos Patos até São José do Norte. Soma-se a isso a pressão do mercado imobiliário no município de Rio Grande, que pode gerar problemas quanto ao custo de moradia. Domingues salienta que o desenvolvimento industrial começa a gerar estímulos na cadeia de fornecedores, que potencializam uma série de projetos. “O governo deve definir o quanto antes um planejamento estratégico, inclusive abrangendo o porto de Pelotas, para não praticar ações improvisadas”, argumenta. Ele acrescenta que há grandes empresas chegando e é preciso traçar um cenário de tendência de ocupação dos espaços.

Entre os possíveis novos empreendimentos, Domingues lembra do projeto de um terminal de carvão, do empresário Eike Batista, que ainda não tem uma definição de quando será encaminhado. O mineral sairia da região do Baixo Jacuí até esse complexo em São José do Norte, onde seria estocado, e depois rumaria em navios maiores para o centro do País. Outra perspectiva que deve contribuir para o crescimento da região é o interesse da presidente Dilma Rousseff em incorporar Argentina e Uruguai ao polo naval de Rio Grande. “A ideia é fazer com que os parques industriais desses países colaborem com o fornecimento de insumos e peças para o polo gaúcho”, detalha o professor.

EBR aguarda licenciamento para iniciar obras de estaleiro

O começo da construção das instalações da Estaleiros do Brasil (EBR) depende apenas da obtenção da licença ambiental. Conforme o presidente do grupo, Alberto Padilla, o processo deve tomar os próximos seis meses. “Logo após a licença de instalação emitida, as obras de implantação serão iniciadas”, revela o dirigente. Padilla explica que a escolha por São José do Norte para receber o complexo naval deve-se à área, que tem características ideais para este tipo de indústria (plana), com canal de navegação de boa profundidade e abrigada (pela Lagoa dos Patos). O estaleiro será destinado à construção de plataformas de petróleo e navios de apoio nas operações offshore (em mar).

O empreendimento ocupará aproximadamente 1,5 milhão de m2 e terá capacidade para produzir até 110 mil toneladas de aço ao ano. Se tudo transcorrer satisfatoriamente, a estrutura poderá entrar em operação até o final de 2012. O valor total orçado para concretizar a iniciativa é de cerca de US$ 420 milhões, e o grupo tem aprovado no Fundo da Marinha Mercante a prioridade de financiamento. Para Padilla, o complexo será um incentivo para a cadeia de fornecedores do estaleiro se instalar próximo da unidade industrial, para diminuir o custo do frete dos insumos.

Na fase de construção do estaleiro serão gerados em torno de 1 mil postos de trabalho, e na operação, em plena carga, deverão ser criados 5 mil empregos. O presidente da EBR concorda que é preciso se adequar para o impacto que essa mão de obra irá causar na região. “Sem dúvida, Rio Grande e São José do Norte, hoje, não têm condições de acomodar todo este contingente de trabalhadores e familiares”, expõe Padilla. O dirigente defende que as prefeituras, com as empresas que atuarão na localidade, devem fazer um plano diretor para preparar as construções necessárias para abrigar esse pessoal. Ele acrescenta que a ação pode contar com a ajuda dos governos estadual e federal através de mecanismos como, por exemplo, o programa Minha Casa, Minha Vida.

O vice-prefeito de São José do Norte, Zeny Oliveira, confirma que há uma grande expectativa quanto à geração de empregos e ao desenvolvimento da economia. Entretanto, ele admite que o município precisará organizar-se para receber as pessoas de outras localidades atraídas pelas oportunidades que serão criadas. Ele adianta que será necessário investir em pontos como saneamento básico e pavimentação.

Oliveira sustenta que, com a expansão econômica, deve haver uma atenção especial com a rodovia que vai até São José do Norte, a RST-101. Ele cita como um dos principais problemas vividos pela estrada a circulação de caminhões com excesso de peso. “Discute-se a instalação de balanças para evitar essa situação”, adianta Oliveira.

A tendência é de que os novos empreendimentos portuários e navais mudem o perfil econômico do município, muito vinculado ao cultivo de cebola e à pesca. O dirigente espera também que possa ser intensificado o turismo que conta, entre outros atrativos, com a Lagoa dos Patos e a praia do Mar Grosso. Oliveira crê que o desenvolvimento pode facilitar, mais adiante, a realização de uma ligação “a seco” com Rio Grande, através de um túnel ou de uma ponte. Atualmente, o deslocamento entre as cidades é feito através de lanchas e barcas.
Manteli diz que hidrovias serão favorecidas com o novo porto

A materialização de um porto e de um polo naval em São José do Norte contribuirá para um melhor aproveitamento das hidrovias gaúchas, prevê o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli. Essa perspectiva se fortalece pela ligação que a Lagoa dos Patos possibilita com a Região Metropolitana do Estado e demais rios interiores. “São José do Norte encontra-se em uma posição estratégica para operações de transbordo de cargas”, menciona o presidente da ABTP.

Ou seja, as cargas poderão chegar do Interior por chatas e ser armazenadas em terminais no município, para depois serem embarcadas em navios de maior porte e seguirem para o oceano. A operação no sentido inverso também é viável. Conforme Manteli, a movimentação de grandes volumes pelas hidrovias apresenta um custo competitivo. Outro ponto positivo é o menor impacto ambiental, porque acarreta retirada de caminhões das estradas. O dirigente informa que são aproximadamente 50 municípios gaúchos que têm acesso a hidrovias e que poderão ser beneficiados com uma atividade portuária em São José do Norte. “Seria um efeito em cascata”, comemora o presidente da ABTP.

Manteli argumenta que, atualmente, o diferencial na competição por mercados é a logística a ser adotada por uma empresa. “Por isso, é fundamental que o governo estadual faça o ‘marketing’ das condições do Rio Grande do Sul”, propõe o dirigente. Ele afirma que a ligação das hidrovias gaúchas com o porto do Rio Grande e com São José do Norte é um atrativo que deve ser promovido.

O presidente da ABTP sugere que se aproveite o novo porto gaúcho para criar outra espécie de administração portuária. Ele defende que sejam contratados agentes do mercado, com metas de resultado estipuladas, para gerir as operações e para que não haja descontinuidade a cada vez que ocorre a troca de governos.
Terminal da CMPC vai solucionar o escoamento da produção após a expansão

O projeto de expansão que era conduzido pela Aracruz está sendo retomado pela CMPC Celulose Riograndense (que adquiriu a unidade de celulose em Guaíba e os planos futuros daquela companhia). Entre os empreendimentos que estavam traçados encontra-se a instalação de um terminal portuário em São José do Norte, que servirá para escoar o incremento da produção de celulose da empresa, com a ampliação da planta da Região Metropolitana.

“Em relação ao terminal, estamos conduzindo o processo de licenciamento e buscando regularizar toda a burocracia legal que, por sua vez, envolve uma série de diferentes entidades públicas, e também revendo a solução técnica como um todo”, explica o presidente da CMPC Celulose Riograndense, Walter Lídio Nunes.

Nos estudos anteriores previa-se que o terminal, de 28 mil m2, teria que, em médio prazo, ter a possibilidade de movimentar em torno de 2 milhões de toneladas de celulose. Estes dados estão sendo reconfirmados, dentro da revisão do projeto de expansão. A definição final do cronograma dependerá do andamento da engenharia conceitual e básica, além das atividades de licenciamento e burocráticas. Em principio, o terminal precisaria estar operacional no final de 2014. “Com o projeto de expansão haverá um aumento expressivo dos nossos volumes e a solução para a logística exportadora é um ponto relevante”, diz Nunes.

A opção por instalar o terminal em São José do Norte deve-se às condições apresentadas. A celulose sairá de Guaíba por barcaças, chegando por água ao município da Metade Sul, onde, após descarregada no armazém local, aguardará o navio transoceânico. Posteriormente, será carregada e distribuída em várias partes do mundo. O presidente da CMPC Celulose Riograndense acrescenta ainda que a vantagem da disponibilidade de área para o terminal e a existência de um bom calado natural foi determinante para a escolha.

O projeto antigo da Aracruz, formulado antes da crise econômica de 2008, previa na ocasião um investimento de R$ 120 milhões para São José do Norte. Os novos níveis de investimento para a solução que for definida após a revisão do empreendimento ainda precisam ser confirmados, pois, além de possíveis mudanças no conceito, os preços de construção devem ser alterados para a realidade dos dias atuais. As estimativas anteriores apontavam a necessidade de 850 empregos diretos e 4,25 mil indiretos durante a construção do terminal e 780 postos de trabalho, entre diretos e indiretos, na fase operacional. Para Nunes, o uso da margem do canal do lado de São José do Norte é a tendência natural de desenvolvimento do complexo do porto do Rio Grande.
Ilha do Terrapleno é uma outra opção de expansão

Além de São José do Norte, o maior espaço para ampliação das atividades portuárias na região encontra-se na Ilha do Terrapleno, que fica próxima ao Porto Novo rio-grandino. A ilha, constituída a partir de sedimentos oriundos de dragagens, é atualmente utilizada como uma base da Marinha.

O superintendente do Porto do Rio Grande (Suprg), Dirceu Lopes, revela que já existe uma carta de intenções firmada entre governo do Estado e a Marinha para realizar uma permuta de áreas. A ilha poderia render mais cerca de oito mil metros de cais para o porto do Rio Grande. De acordo com Lopes, o local é propício para a movimentação de cargas em geral, contêineres e até mesmo receber um cais para embarcações de turismo.

O dirigente sustenta que as possibilidades de expansões portuárias na Ilha do Terrapleno e em São José do Norte devem ser condicionadas a um planejamento estratégico. A meta é que as informações para realizar esse plano sejam reunidas ainda este ano. Esse zoneamento será discutido com os governos estadual e federal. “Precisamos pensar nas necessidades do porto em um horizonte de 20 a 30 anos”, defende o superintendente. Segundo ele, devem ser levantadas questões sobre mercado, viabilidade técnico-econômica de novos projetos, concorrência com Santa Catarina, Uruguai e Argentina, entre outros pontos.

Lopes ressalta que é necessária uma atenção quanto ao impacto do desenvolvimento portuário e da construção naval na comunidade de pescadores e no meio ambiente. O dirigente projeta que investimentos portuários na região servirão para uma maior integração com o Interior do Estado e até mesmo com o Uruguai, pela hidrovia do Mercosul. Essa iniciativa consiste na ligação das lagoas Mirim e dos Patos, através de obras de dragagem, que permitirá uma maior aproximação com o país vizinho. O empreendimento integra a segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), que ainda prevê a modernização do cais do Porto Novo e a dragagem de aprofundamento do acesso do canal norte do porto do Rio Grande.

O superintendente acredita que São José do Norte poderia resolver a falta de espaço para a construção de um segundo terminal de contêineres na Metade Sul. O antigo zoneamento portuário do porto do Rio Grande previa que a área destinada ao complexo seria localizada ao lado do atual terminal de contêineres (Tecon). Porém, o plano foi alterado para o local receber um estaleiro do grupo Wilson, Sons. Lopes também não descarta a hipótese de discutir com o Conselho de Autoridade Portuária (CAP) uma readequação do zoneamento do próprio porto do Rio Grande. Ele comenta que é preciso criar alternativas para novos projetos como, por exemplo, a instalação de um terminal de Gás Natural Liquefeito (GNL).


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Fonte: Jornal do COmmercio (RS)/Jefferson Klein






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