Para ampliar investimentos em infraestrutura e aquecer a economia em seu terceiro mandato, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende lançar um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Criado em 2007, o PAC funcionou como uma vitrine das obras públicas e concessões dos governos petistas.
Mas desta vez a iniciativa não deve ter a grandiloquência do passado — nem em valores nem em tamanho dos projetos —, ao menos em um primeiro momento, segundo técnicos da equipe de transição dedicados ao tema ouvidos pelo GLOBO.
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A iniciativa deve começar com R$ 40 bilhões em recursos públicos, além de aportes privados em projetos e concessões. A versão 2023 do programa, portanto, tende a nascer bem mais modesta do que a primeira edição do PAC, há 15 anos, que previa R$ 67 bilhões em investimento públicos: em valores corrigidos, isso equivale a R$ 165 bilhões.
O novo PAC com um quarto do montante do original ilustra os desafios orçamentários que o PT sabe que vai enfrentar.
Nos planos da equipe do presidente eleito, parte dos recursos virá da chamada “proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição”, que visa abrir espaço no Orçamento de 2023 para cumprir promessas de campanha. Além de tirar o Bolsa Família do teto de gastos, a proposta, que ainda precisa passar pelo Congresso, abre espaçode até R$ 22,9 bilhões em excesso de arrecadação para serem investidos.
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Caso a medida passe, Lula dobrará o valor previsto no Orçamento de Jair Bolsonaro para investimentos públicos em 2023, de apenas R$ 22 bilhões. Mas a equipe do petista espera, no total, conseguir um pacote de R$ 100 bilhões de investimentos públicos no próximo ano, com remanejamentos orçamentários e cortes de gastos, acima dos R$ 42 bilhões previstos para investimentos em 2022.
Além da verba mais magra, o novo PAC tende a priorizar outro tipo de obras. Se na primeira edição havia grandes hidrelétricas e até o trem-bala Rio-São Paulo — que nunca saiu do papel —, agora há uma tendência de buscar projetos mais fáceis de serem viabilizados.
A estratégia é focar primeiro em obras em andamento ou atrasadas por conta da complexidade e da demora de tocar vários empreendimentos, que requerem licitação, projeto e licenciamento. O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou mais de 14 mil contratos parados, que já receberam um total de R$ 10 bilhões.
Ao longo do ano, a intenção é fazer uma ampla carteira de projetos considerados estratégicos, públicos ou privados, mesmo que algumas dessas obras não sejam executadas. O importante será dar um norte aos investidores. A ideia é que o novo programa tenha acompanhamento direto do presidente.
Uma corrente defende que ele fique subordinado à Presidência em vez de a um ministério, mas ainda não há definição sobre isso, segundo técnicos da transição. O martelo também não foi batido em relação ao slogan do programa, mas é tendência na equipe que a marca PAC, que vigorou por 13 anos, deve ser mantida.
No próximo ano, o futuro governo pretende trabalhar para reunir os recursos suficientes para retomar obras paradas, incluindo as do programa Minha Casa Minha Vida, manter obras em estradas, além de ações de enfrentamento ao período chuvoso, logo no início do ano. Hoje, o Ministério da Infraestrutura tem orçamento de R$ 6 bilhões.
Revisão de leilões
O modelo que está sendo desenhado pelo PT prevê o estímulo a investimentos privados por meio de um programa de concessões. Contratos firmados pelo atual governo, como a concessão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, serão mantidos.
Contudo, parte dos leilões já engatilhados será revista e terá o cronograma alterado. É o caso da privatização do Porto de Santos, no litoral paulista, cujo edital está em análise no TCU, e lotes de rodovias do Paraná e do Rio Grande do Sul.
O plano de relicitar o aeroporto do Galeão com o Santos Dumont, ambos no Rio, no fim de 2023, também será reavaliado, bem como a extinção da Infraero. O Galeão está em processo de devolução pela atual concessionária, o que levou ao adiamento da concessão do terminal do Centro.
O novo governo também quer mudar regras e critérios atuais das concessões. Para rodovias, o fator que deve predominar nos leilões é o de menor tarifa, modelo usado nos governos do PT que é criticado por especialistas por atrair empresas sem capacidade de investimento. Hoje, os leilões combinam tarifa e outorga, o que reduz a concorrência.
Para o Porto de Santos, a ideia é recuar no modelo previsto de transferir toda a área portuária para o setor privado. A estratégia é manter nas mãos do Estado o planejamento e a distribuição de terminais — a operação dos terminais já é privada.
A modelagem atual do Porto de Santos prevê repassar para o setor privado toda a área, como foi feito com a Companhia Docas do Espírito Santo recentemente.
As concessões de rodovias e aeroportos realizados no governo Dilma Rousseff e que enfrentam problemas agora deverão constar do novo PAC. O plano é acelerar análises de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos para evitar novas devoluções.
Com obras incompletas ou que não saíram do papel, o PAC também foi criticado na gestão do PT por falhas de governança, pela má alocação de recursos e pelas repercussões fiscais — os gastos do programa contribuíram para a desorganização orçamentária e o aumento do endividamento público, particularmente no governo Dilma.
O economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, avalia que recriar o PAC nos mesmos moldes do passado não seria uma boa política de infraestrutura. Para ele, despejar dinheiro público sem critérios pode, inclusive, pressionar a inflação no setor de construção, que já enfrenta custos elevados:
— O PAC não foi um programa bem-sucedido, teve muito desperdício, não foi bem acompanhado. É um volume muito grande de recursos e parte deles não têm racionalidade, há muita fragmentação, falta planejamento.
O economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados, diz que investir em infraestrutura é fundamental, mas retomar o PAC seria um equívoco:
— O Estado é muito lento para fazer os investimentos necessários. Há uma escassez de recursos orçamentários e já há uma estrutura montada de concessões e privatizações que deve ser aproveitada.
As discussões sobre a volta do PAC na transição estão sob coordenação da ex-ministra Miriam Belchior, que foi secretária executiva do PAC, e por Maurício Muniz, que foi seu braço direito. Os dois são cotados para assumir o Ministério de Infraestrutura ou área correlata a partir de janeiro.
A equipe é orientada por um estudo da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, que aponta elevação de 16,6% do PIB para 19,9% do PIB da taxa de investimento entre 2003 e 2014. Para o PT, ajudou a criar empregos, sobretudo na construção civil, onde as contratações subiram 44% na época, segundo o levantamento.
O PAC inaugurou a “sopa de letrinhas”da infraestrutura. Dilma lançou depois o Programa de Investimento em Logística (PIL), com foco em concessões, e Michel Temer substituiu ambos pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para acelerar investimentos privados e privatizações. Mantido por Bolsonaro, agora tem destino incerto.
Fonte: O Globo