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O mito do porto público

Wilen Manteli - O Estado de S.Paulo
A tendência do governo Lula de reforçar a presença do Estado nos setores de infraestrutura fez recrudescer o debate sobre a privatização versus estatização no sistema portuário. Os que defendem a revalorização do conceito de porto público lançam mão do argumento da "democratização do acesso", expresso na ideia de que o pequeno exportador tem dificuldade para utilizar o terminal privado e que só o porto público pode garantir tarifas módicas e igualdade de tratamento entre grandes e pequenos clientes.
Essa ideia não tem fundamento. Vale lembrar que, quando o governo operava com exclusividade os portos, não praticava tarifas módicas. Desde o início do programa de privatização de serviços portuários, o custo da movimentação de um contêiner nos portos brasileiros caiu cerca de 50%. E o contêiner é emblemático nessa discussão, pois a maior parte da carga marítima proveniente de pequenos exportadores é hoje conteinerizada.
Terminal privado quer clientes, independentemente do porte. Toda empresa de prestação de serviços sabe que não é bom negócio ficar refém de poucos clientes, ainda que grandes. Para os terminais de contêineres é sempre rentável ampliar a base de usuários, porque, em se tratando de um sistema padronizado de acondicionamento de cargas, o pequeno volume não afeta a economia de escala no nível operacional. O que compromete o acesso do pequeno exportador ao mercado externo são a carga tributária, o câmbio e os juros, além do chamado custo Brasil. No sistema portuário, o que mais onera as operações são o tempo improdutivo, decorrente, em quase 100% dos casos, de problemas de acesso ao porto, a lentidão burocrática e as greves de servidores públicos.
Em nenhum momento o Estado deixou de ter forte presença nos portos brasileiros, sujeitos à fiscalização de dez diferentes ministérios. O programa de privatização de serviços portuários levou à criação da agência reguladora do setor, a Antaq. A Lei dos Portos (nº 8.630), que estabeleceu um moderno marco regulatório para a participação da iniciativa privada, instituiu também o Conselho de Autoridade Portuária (CAP), órgão colegiado presidido pelo governo ao qual se subordinam todos os terminais instalados na área pública. Só ficam de fora os terminais de uso privativo vinculados a unidades produtivas, a exemplo dos terminais da Petrobrás e da Vale.
É inegável que o Estado brasileiro tem controle sobre o sistema portuário, e controle é algo bem diferente de gestão. Quando se trata de gerir um setor produtivo inserido no ambiente de negócios, a iniciativa privada é mais eficaz, por ter características básicas compatíveis: autonomia, flexibilidade, agilidade e efetividade na mobilização dos recursos humanos. Não há como esperar igual desempenho da gestão pública. O próprio presidente Lula expôs, em diversas ocasiões, sua dificuldade de mobilizar a máquina estatal para fazer avançar programas de governo.
Interesse particular é algo que existe em todo indivíduo e o poder público é exercido por indivíduos, razão pela qual não está imune à manipulação por grupos privados. Por outro lado, o governo tem meios legais, contratuais e regulatórios para coibir práticas anticompetitivas e qualquer outro tipo de abuso cometido contra o interesse público. O verdadeiro interesse público só pode ser preservado quando há equilíbrio e transparência no jogo de forças entre Estado e setor privado, e quando cada um realiza a sua vocação. O papel do governo não deve ser o de gestor, mas sim o de indutor do desenvolvimento, servindo-se para isso dos poderes de regular e fiscalizar, além de atuar como agente financiador em empreendimentos de interesse estratégico.
Aqueles que pretendem ressuscitar o mito do porto público alegam que a crise econômica desmoralizou o modelo do mercado autorregulador. Justamente, uma das lições aprendidas é a de que não se pode prescindir da regulação estatal, desde que exercida de forma equânime e motivadora do desenvolvimento. Talvez por isso mesmo, para o Estado passar a exercer com maior eficácia o seu poder regulador - que consiste, por assim dizer, no seu core business - é desejável que o governo abra mão das funções de operador e gestor e construa um novo modelo de administração portuária, autônoma, descentralizada, integrada ao CAP e aberta à participação do setor privado.
Wilen Manteli é presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) (fonte: Estadão)

 


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