Unificação do ICMS e consequente fim da Guerra dos Portos ainda produz divergências entre estados — Em 4 de janeiro do ano passado, passou a vigorar o Projeto de Resolução do Senado (PRS) 72/2010, que se transformou na Resolução nº 13/2012 e unificou a alíquota de ICMS interestadual para produtos importados, dando fim à chamada Guerra dos Portos. Pouco mais de um ano depois, alguns estados como Espírito Santo e Goiás sentiram um forte efeito na arrecadação de 2013. Santa Catarina, ao contrário do que se esperava, praticamente não sentiu mudança nos portos e, inclusive, aumentou a movimentação de produtos importados. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4858 ajuizada pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo no Superior Tribunal Federal (STF) quer reverter o cenário para como era antes.
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A Guerra dos Portos funcionava com incentivos fiscais dados pelos estados para aumentar a movimentação de mercadorias importadas nos próprios portos em detrimento dos terminais portuários de outros entes da federação. Assim, mesmo com os incentivos fiscais, era possível conseguir aumentar a arrecadação de ICMS por conta do crescimento no volume de produtos movimentados nos portos locais.
A alíquota do ICMS interestadual para produtos importados foi unificada em 4%. Com a aprovação da PRS 72/2010, os incentivos fiscais ainda podem ser concedidos, mas de uma maneira mais tímida. Esse cenário de Guerra dos Portos foi avaliado por José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), como único no mundo. “Era como se existissem 27 brasis em um só Brasil”, diz Castro sobre a situação que ocorria em torno do ICMS. Muitas vezes, um produto importado acabava custando para o consumidor final menos que um produzido em território nacional por conta disso. Segundo Castro, para um administrador portuário conseguir aumentar a própria movimentação de cargas em um país como os EUA, a única maneira é reduzindo os próprios custos operacionais.
Em seminário promovido em dezembro de 2012, José Ricardo Roriz Coelho, diretor titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) disse que os benefícios fiscais concedidos pelos estados podem ter estimulado a importação de US$ 22,2 bilhões, cerca de 11,5% do total importado naquele ano. A Fiesp era considerada uma das entidades mais ferrenhas contra a Guerra dos Portos.
Segundo estudo elaborado por José Patrocínio da Silveira, consultor Legislativo do Senado, os governadores e senadores de Santa Catarina, Espírito Santo e Goiás (que conta com o Porto Seco Centro Oeste) alegavam que registrariam perdas anuais de arrecadação de R$ 950 milhões, R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão, respectivamente com o fim dos incentivos fiscais. Os representantes desses estados alegavam que a lei era inconstitucional, por se tratar de um assunto que deveria ser tratado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e não pelo Senado.
Levantamento realizado por Lenai Michels, auditora fiscal da Receita Estadual de Santa Catarina e coordenadora do Grupo Especialista Setorial Comércio Exterior (Gescomex), para a Portos e Navios revela que as importações do Rio de Janeiro e São Paulo, um dos dois maiores mercados consumidores do Brasil, cresceram 5,4% e 15,3% para US$ 21,5 bilhões e US$ 89,7 bilhões, respectivamente, na comparação de 2013 e o ano anterior. “Os estados que mais se beneficiaram (da PRS 72/10) são os destinatários de mercadorias importadas, como São Paulo”, disse Michels.
As importações de Santa Catarina cresceram 1,5% no ano passado ante 2012, para R$ 14,7 bilhões. É o quinto estado que mais importa no país. Já Goiás e Espírito Santo registraram queda de 5,5% (para US$ 4,8 bilhões) e 14,5% (para US$ 74, bilhões), respectivamente, nas aquisições de mercadorias de outros países na comparação do mesmo período. De acordo com Michels, a estimativa de perda de arrecadação de Santa Catarina durante o primeiro ano após o fim da Guerra dos Portos foi confirmada: cerca de R$ 1 bilhão, mesmo com o aumento na importação de produtos. No ranking dos estados que mais importaram em 2013, Goiás e Espírito Santo estão em 9º e 13º.
A Portonave - Terminais Portuários de Navegantes não foi afetada pela chamada Guerra dos Portos. De acordo com a assessoria de imprensa da empresa, apesar do fim do benefício fiscal de Santa Catarina, o terminal registrou aumento de 18,5% nas importações em 2013. Segundo a empresa, a tendência para 2014 é que os números positivos se mantenham. A Portonave movimentou 52.550 TEUs em janeiro. As importações se destacaram com alta de 37% se comparado com o mesmo mês do ano passado. Em relação a igual período de 2013, Santa Catarina registrou um aumento de 23% nas importações – segundo dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
O secretário da Fazenda de Goiás, José Taveira, diz que a redução da alíquota dos importados e da tarifa de energia elétrica retiraram dos cofres do estado R$ 1 bilhão em 2013. “A quantia é significativa para o nosso fluxo de caixa. O governo deveria ter sensibilidade e repor as nossas perdas”, disse o secretário, em nota.
O secretário afirma, no entanto, que o estado não vai recorrer à Justiça contra as medidas. A meta, em 2014, é trabalhar para garantir o crescimento da receita com a adoção de dois novos programas, ainda em fase de estudo. “Por não ser um estado portuário como o Espírito Santo e Santa Catarina, acredito que Goiás tenha menos argumentos diante do STF”, pondera José Augusto de Castro, da AEB.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, afirma que o fim da Guerra dos Portos afetou a atividade econômica do estado, principalmente a receita dos municípios capixabas. “Somos bons para cargas especializadas, como minério de ferro (porto de Tubarão) e carvão (porto de Praia Mole), mas o porto de Vitória é precário para carga geral. Algumas empresas que operavam aqui não operam mais. Elas atuavam conosco por conta dos incentivos fiscais. Como não existe mais aquele incentivo que existia antes, algumas companhias saíram do Espírito Santo”, relata.
Casagrande diz que tentou negociar um período de transição com o governo federal e com o Senado, para que a aprovação da medida não afetasse tanto a economia do estado e a movimentação dos portos capixabas. Mas não obteve sucesso.
Nery Vicente Milani de Rossi, secretário de Estado de Desenvolvimento, tem uma visão um pouco diferente. Ele diz que apesar de a arrecadação do Espírito Santo ter caído na mesma proporção que a redução da alíquota, “de forma geral, a atividade econômica do estado ficou no mesmo patamar”. “O Espírito Santo perdeu dinheiro pela redução do ICMS, não por queda na atividade econômica”, avalia.
Segundo o secretário, isso ocorreu por conta do posicionamento geográfico estratégico do Espírito Santo na costa brasileira. “Serve para escoar produtos tanto para o Sudeste, Nordeste e para o Centro-Oeste. Algumas empresas pararam de movimentar cargas conosco, mas outras chegaram. As companhias que continuaram conosco perceberam que é o melhor lugar para transportar cargas. Somos ágeis em movimentar veículos, por exemplo”, destaca.
Theodorico Ferraço, presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, diz que a PRS nº 72/2010 é inconstitucional. Por esse motivo, a entidade entrou com a ADIN 4858 no STF, cujo relator é o ministro Ricardo Lewandowski. “Só estamos esperando a ação entrar na pauta de votações”, afirma o deputado. A Assembleia Legislativa de Santa Catarina não ajuizou ação semelhante. Segundo José Patrocínio da Silveira, consultor Legislativo do Senado, em 12 de abril de 2013 o Ministério Público Federal apresentou ao STF parecer pela improcedência da ADIN.
Para José Augusto de Castro, da AEB, a Guerra dos Portos pode voltar. “Se a PRS 72/10 for declarada inconstitucional, tudo que foi feito é anulado e voltamos ao passado. Tudo depende da análise jurídica do STF”, diz.