A boa resposta da economia brasileira à crise internacional pesou decididamente na opção do eleitor brasileiro pela continuação do atual projeto de governo. Todavia, há um firme consenso entre analistas econômicos acerca da urgência de se eliminarem os gargalos logísticos e burocráticos que sufocam o comércio exterior, sob pena de o País perder fôlego na retomada do desenvolvimento. Se no tocante a obras e investimentos o governo vem avançando, nos aspectos relativos à gestão pública e à regulação os obstáculos se acumulam perigosamente. O sistema portuário é um dos setores mais afetados por esse problema.
A julgar pelo tamanho da nova bancada do PT no Congresso, não faltará à presidente eleita, Dilma Rousseff, apoio legislativo para promover mudanças na administração pública, entre elas o "choque de gestão" prometido no início do segundo governo do PT. Isso será fundamental para que o sistema portuário, ponto de convergência de três modalidades de transporte e de 90% das cargas do comércio exterior, possa reverter suas desvantagens comparativas diante do mercado internacional. Com sete ministérios interferindo em suas atividades e um marco regulatório instável, gerador de insegurança jurídica em virtude da precariedade das condições de outorga e da fragilização de direitos adquiridos, os portos têm hoje sua produtividade comprometida pela burocracia e pela superposição de instâncias decisórias e regulatórias.
O presidente Lula mostrou estar ciente da importância estratégica dos portos para o bom funcionamento da cadeia de transporte, ao criar, em 2007, a Secretaria Especial de Portos (SEP), responsável pela instauração de um novo modelo para os serviços de dragagem, que neste fim de governo foi um dos poucos programas do PAC a apresentar resultados consistentes. No âmbito desse programa, que afastou a ameaça de colapso dos principais portos, 4 obras já foram concluídas, 10 estão em andamento e 4 devem ser iniciadas ainda este ano, somando R$ 1,6 bilhão em investimentos públicos na melhoria dos canais de acesso.
Além de cuidar da infraestrutura aquaviária, a SEP formulou para as Companhias Docas diretrizes compatíveis com as exigências do comércio internacional, amenizando até certo ponto as distorções decorrentes de um modelo de gestão anacrônico. Mas essas medidas são paliativas e têm eficácia limitada. O que se espera do novo governo é uma atitude mais ousada, orientada para a mobilização produtiva das regiões portuárias, que atualmente constituem pontos nodais da economia e são as principais interfaces físicas entre o global e o local.
Entre os exemplos de articulação bem-sucedida das atividades produtivas com foco no porto destaca-se a Bélgica, que, graças à atividade portuária, é hoje o maior produtor mundial de carros per capita, embora não tenha nenhuma marca nacional de automóveis. Do lado oposto temos a França, onde uma mentalidade estatizante sufocou os portos e corroeu sua competitividade na Europa. Obviamente, qualquer país pode buscar seu próprio modelo de desenvolvimento interno, mas quando se trata de portos, que são espaços de interconexão com a economia global, é inútil tentar inventar.
Em quatro anos os portos brasileiros devem estar movimentando cerca de 1 bilhão de toneladas por ano. A persistirem os atuais gargalos, teremos problemas para atender a essa demanda. Será fundamental "seguir mudando", como prometeu a campanha da presidente eleita, e, além disso, evitar que a mudança degenere em mera reedição do modelo do Estado-empresário, pois a eficiência logística depende de flexibilidade e agilidade incompatíveis com o ritmo da administração pública. A Parceria Público-Privada deve se converter de exceção em regra no setor de infraestrutura, e especialmente nos portos. Se tivermos uma agenda progressista para o setor, voltada para a agregação de valor às exportações e a integração com a economia mundial, o País agradecerá.
Fonte: O Estado de S.Paulo/WILEN MANTELI /Pres. da Assoc.Bras.dos Terminais Portuários (ABTP)
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