Uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontou pelo menos seis pontos frágeis do contrato firmado entre governo estadual e o consórcio que venceu a disputa para revitalizar o Cais Mauá, em Porto Alegre. Para prevenir passivos futuros associados a desequilíbrios econômico-financeiros do acordo que transfere a área por 25 anos à iniciativa privada, os auditores recomendam que o TCE adote acompanhamento semelhante ao dos projetos e obras da Copa de 2014 na Capital. O procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo Da Camino, acatou o parecer e já pediu ao órgão que adote imediatamente o procedimento.
Os alertas sobre o cais atingem principalmente imprecisões sobre o cumprimento do plano de negócios, a fiscalização da receita e a apuração do valor do arrendamento, a destinação dos recursos pagos e como será o processo de avaliação e qual será a lista dos bens a serem revertidos ao Estado. Os apontamentos da equipe do TCE foram enviados à Casa Civil do governo estadual, mas a pasta não chegou a comentar o teor até o fechamento desta edição.
A solicitação de Da Camino está na mesa do conselheiro Iradil Pietroski desde a metade de julho. “Espero que a medida seja acolhida, já que permitirá melhor monitoramento e durante a execução”, defende o procurador. O exame ocorreu entre o fim de 2010 e janeiro de 2012. Foi o procurador que deu origem à averiguação, após receber em 2010 denúncia do deputado estadual petista Raul Pont de supostas irregularidades na concorrência para atrair interessados no empreendimento. O parlamentar buscava a suspensão da disputa. Na época, o representante do MP disse que não viu indícios para a medida. Também tramitava na Justiça uma ação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) questionando o repasse do cais.
Segundo a assessoria de imprensa do tribunal, o conselheiro até ontem não havia se manifestado e não há prazo para fazê-lo. A decisão será submetida depois ao pleno do órgão. Apesar de ressaltar “o modo transparente” do processo, o relatório apontou que “foram evidenciadas fragilidades e omissões, que se não forem corrigidas poderão acarretar contenciosos administrativos e judiciais”. Hoje o calhamaço de documentos, com estudos, plantas, registros e as revisões, soma mais de 7 mil páginas. Da Camino acredita que as alterações efetuadas entre a Casa Civil e o consórcio até março deste ano não solucionaram todas as lacunas apontadas pela inspeção especial. “Um dos itens apontados que mais preocupa é a falta de clareza sobre a reversibilidade dos bens após o arrendamento”, exemplificou o procurador de Contas.
A decisão sobre o acompanhamento pode se impor daqui para frente. Em junho, a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), que estaria incumbida de monitorar o contrato, notificou o Cais Mauá do Brasil para se explicar sobre o andamento do empreendimento, cujo investimento total é estimado em cerca de R$ 500 milhões. Na semana passada, no último dia do prazo dado pela SPH, a direção do consórcio pediu mais 30 dias para apresentar documentos e para mostrar como está o cumprimento de suas obrigações, como contratação de seguro e pagamento de aluguel. A empresa quer que o prazo passe a contar em julho, quando foi extinta a ação da Antaq na Justiça. O governo considera que o tempo começou a contar em novembro de 2011, com a assinatura do primeiro aditivo do acordo. Enquanto isso, não há data para entrega de estudos e projetos à prefeitura da Capital.
De olho no contrato
Principais alertas da inspeção especial feita pelos auditores do TCE
1. Receita do arrendamento: contrato e aditivo (o primeiro dos dois firmados) não fazem referência sobre qual será a destinação do valor a ser pago pelo consórcio pelos 25 anos de exploração da área.
2. Situação financeira das empresas do consórcio: apesar de duas empresas espanholas integrantes do consórcio terem atendido às exigências do edital, os auditores do TCE apontam que a Gestio Servies Trade Center (com 40,3% do capital) e Solo Real State (com 13,7% das ações) registraram prejuízos em 2009 (que serviu de base para a habilitação econômico-financeira). Também ponderam que o valor líquido de negócios da Real State foi de “irrisórios” ¤640,00, o que poderia indicar atividades paralisadas.
3. Licenciamento ambiental: mesmo definidas as premissas básicas, levando em conta o tamanho do empreendimento e as intervenções no ambiente natural, social, econômico, sociocultural e na infraestrutura, as licenças ambientais só serão obtidas depois com a prefeitura de Porto Alegre.
4. Plano de Investimentos: é essencial que o Estado adote providências para uma fiscalização eficiente do contrato de arrendamento, acompanhando dia a dia as obras a serem executadas e preços praticados, para verificar se os valores estão compatíveis com os de mercado.
5. Reversibilidade dos bens no fim do contrato: não ocorreu indicação clara e precisa dos bens reversíveis, das características e condições com que serão devolvidos ao Estado.
6. Cumprimento do contrato: deverá ocorrer adequação das diretrizes e da forma de fiscalização das instalações e dos equipamentos, além de informar os órgãos e representantes do governo que monitorarão a receita do arrendamento para cálculo da remuneração do Estado. O contrato prevê que valerá a cifra maior: 1,7% da Receita Operacional Bruta (ROB) ou R$ 3 milhões anuais (a inspeção indicava ainda R$ 2,5 milhões, valor ajustado entre o Estado e o consórcio em março deste ano).
Fonte: Jornal do Commercio/RS / Patrícia Comunello
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