Companhias de navegação especializadas no transporte de automóveis têm encontrado dificuldades para operar no porto de Santos, o maior do país e principal porta de saída das montadoras para o mercado externo. Nos últimos dez anos a fabricação e exportação brasileira de veículos mais que dobraram, mas os investimentos na ampliação da oferta para embarcar as unidades não acompanharam o ritmo do crescimento do mercado. Se até aqui foi possível atender a demanda mesmo com alguns atrasos nas escalas dos navios e pátios para armazenagem por vezes lotados, o gargalo tende a se acentuar com a perspectiva de retomada dos mercados europeu e norte-americano neste ano, afirmam os armadores.
"Já ouvi estimativas das montadoras que variam entre 10% a 100% de aumento para 2011", diz o diretor da Grimaldi no Brasil, Helder Malaguerra. A empresa italiana é uma das maiores do setor e realiza sete escalas mensais regulares em Santos. Aumentará para oito atracações neste exercício mesmo lidando com falta de berços dedicados às embarcações e terminais lotados. Em 2010, enfrentou problemas que resultaram na espera e cancelamentos de pelo menos 12 operações. O prejuízo foi de aproximadamente US$ 500 mil, sem contar as consequências na rotação subsequente do navio e os danos aos clientes. Cada embarcação da Grimaldi leva em média o equivalente a US$ 51 milhões de cargas valor FOB (preço de venda da mercadoria mais despesas do embarcador até colocá-la a bordo).
"É um efeito dominó porque aumenta o tempo da viagem e temos de compensar acelerando o navio, o que consome mais combustível", explica o gerente da divisão automotiva da japonesa NYK, Denis Jorge.
Mas para Malaguerra, o maior agravante está no que considera pouca atenção dispensada ao setor. "Se um observador chegasse hoje ao porto pensaria que Santos só movimenta contêiner. Existem planos para vários novos terminais, mas não se fala sobre o nosso setor".
Italiana Grimaldi teve pelo menos 12 operações canceladas. O prejuízo foi estimado em cerca de US$ 500 mil
De acordo com estudo da consultoria PricewaterhouseCoopers publicado em dezembro de 2010, a partir deste ano os mercados emergentes dominarão a produção global de automóveis e comerciais leves. Em 2009 os países dos Bric (Brasil, Índia, Rússia e China) responderam por 29% da fabricação mundial, e em 2016 devem contribuir com 37%, ou 52,4 milhões de unidades. Desse universo, sairão das fábricas brasileiras 11%.
A questão é que Santos é estratégico por servir ao maior mercado consumidor e produtor de veículos, São Paulo. Apostar em outros portos seria uma alternativa complicada porque imporia um custo logístico adicional para redistribuição da carga. Em tese. Diante do aumento da produção, incentivos fiscais de outros estados e ascensão de novos mercados domésticos, ao longo dos anos as montadoras acharam alternativas.
"Há mais de dez anos, a maioria usava exclusivamente Santos para exportar. Agora, todas utilizam Santos mais outro porto", diz Malaguerra, da Grimaldi. Em qualquer programa de desenvolvimento do estado do Paraná e do Rio de Janeiro, diz, se considera o negócio de automóveis. O surgimento de Suape (PE) como centro de distribuição de ro-ro (como as cargas rolantes são internacionalmente conhecidas) é por causa das previsões de crescimento do mercado brasileiro, segundo o executivo.
O porto de Santos conta com duas instalações exclusivas para esse nicho. São elas o terminal da Deicmar, cujo contrato de arrendamento vence em maio deste ano, e o TEV - a última grande investida da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), obra finalizada em 2005.
Com o câmbio favorável às compras brasileiras no exterior, a operação ficou mais lenta. "Hoje estamos bem ajustados, não podemos aumentar a participação de mercado porque existe uma parcela muito grande de importações sem data para sair. Os desembarques permanecem mais tempo no pátio porque dependem da vinda do importador para retirá-los. Se essa retirada fosse mais ágil, teríamos condições de aumentar o recebimento", diz Caio Morel, diretor de Operações da Santos Brasil, empresa que opera o TEV. Em 2010 o terminal movimentou 151.154 veículos, aumento de 82% sobre o ano anterior e de 31,5% em relação a 2008.
O diretor da Deicmar, Gerson Foratto, admite que o terminal tem perdido negócios. "Estamos no limite, o que tem nos levado a recusar cargas de projeto. No caso de algumas montadoras não temos conseguido atender os volumes na totalidade". Em 2010 a Deicmar operou 203 mil unidades e prevê fazer 220 mil até dezembro. Nem de longe perto do recorde de 2004, quando o TEV não existia e foram escoados só pela Deicmar 300 mil veículos. "Não gosto nem de lembrar, foi um ano caótico no qual ficamos a desejar aos nossos clientes", diz Foratto.
A empresa entrou com pedido na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para prorrogar o contrato de arrendamento e expandir o terminal em 50 mil metros quadros. O projeto, orçado em R$ 170 milhões, prevê um cais de 550 metros de extensão. A Agência remeteu à Codesp o projeto em novembro para avaliação da conveniência e oportunidade da ampliação.
"Se não for possível, que se abra uma licitação. Não é a Deicmar, é o terminal que opera ro-ro. Não podemos ficar na inércia. Hoje vivemos um gargalo logístico. Imagina se o governo resolve colocar um incentivo à cabotagem, não tem como fazer", diz o executivo da Deicmar.
O diretor de Planejamento da Codesp, Renato Barco, disse que a companhia está finalizando o novo plano diretor do porto de Santos e que "há previsão de novas instalações para o setor ro-ro".
Fonte: Valor Econômico/Fernanda Pires | Para o Valor, de Santos
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