A Trafigura, uma das maiores empresas do mundo no comercio de matérias-primas e logística, tem interesse em adquirir ativos na cadeia de suprimento do minério de ferro no Brasil, mas agora sem pressa, conforme o Valor apurou. A "trading" é o segundo maior negociante global de metais e o terceiro de petróleo. Sua receita foi de US$ 127,6 bilhões em 2014 e só fica atrás de Glencore e Vitol entre as maiores independentes da área.
No segmento de minério de ferro, o grupo tem como parceiros os maiores produtores de países exportadores estratégicos como Brasil e Austrália. Em 2014, comercializou 4,8 milhões de toneladas da commodity, 500 mil a mais do que em 2013.
A empresa, que tem linhas de financiamento disponíveis de US$ 46,2 bilhões, quer ter presença mais importante no Brasil em minério de ferro. Isso pode ir desde a mina a armazéns, transporte e comércio. Mas o ritmo que adota agora é mais gradual do que o previsto há seis meses, por pelo menos duas razões.
Primeiro, o porto Sudeste, investimento de US$ 2 bilhões que fez em joint venture com o fundo Mubadala, de Abu Dhabi, ainda precisa da última licença para operar. O porto fica próximo a uma base da Marinha, na Baia de Sepetiba (RJ) e a autorização das autoridades navais está demorando mais do que previsto. [O terminal, que ia operar com pequenas cargas em 2012 ou 2013, com os novos donos previa fim de 2014, depois início deste ano]
A gigante das matérias-primas mantém o plano de começar a operar o terminal neste ano, mas sem fixar data. O projeto prevê capacidade inicial de 50 milhões de toneladas anuais de minério de ferro, podendo expandir para 100 milhões de toneladas.
Na prática, porém, quando o porto Sudeste começar a ser operacional, a rapidez do crescimentos dos volume tratados dependerá do mercado, que continua "desafiador" no curto prazo. De um lado, o preço da commodity permanece baixo, por causa de excesso de produção particularmente na Austrália, e menor demanda da China. De outro lado, a empresa vê também diminuição da oferta de produtores de Minas Gerais, que tomam mais tempo para fazer novos investimentos.
A Trafigura nesse cenário tampouco pretende se apressar sobre acordo envolvendo ativos, apesar de frequentes rumores no mercado sobre negociações com MMX e Minerinvest Mineração, por exemplo. Fontes próximas da empresa apontam uma clara diferenciação na estratégia em comparação com outras "tradings" gigantes. A Glencore tem sido um comprador agressivo, tendo adquirido a gigante Xstrata por US$ 29,5 bilhões em 2013.
Já a Trafigura tem feito investimentos em mineradoras e procura expandir investimentos em mineração e metais fisicamente, para assegurar o fornecimento de longo prazo de minério de ferro, cobre, zinco, chumbo e carvão - mas sem dimensão extraordinária.
Portanto, o foco é principalmente nos ativos de infraestrutura e logística, como terminais e dutos, mais do que em grandes campos de petróleo, refinarias ou minas. Seus ativos totais alcançam US$ 39,6 bilhões.
Com relação ao Brasil, o interesse maior é ilustrado inclusive pela publicação em português de brochura sobre seus negócios. Um brasileiro, Mariano Marcondes Ferraz, é um dos sete membros do conselho de administração.
Para eventuais aquisições no pais, o foco limita-se à cadeia de minério de ferro. Em outros metais e minerais, a ideia é continuar na comercialização. O grupo possui também negócio pequeno na exportação e importação de petróleo com a Petrobras.
Como a Glencore, a Trafigura é cria de quem trabalhou com o americano Marc Rich, uma das figuras emblemáticas do negócio de matérias-primas, considerado o rei do petróleo quando operava em Zug, paraíso fiscal suíço.
A empresa foi fundada em 1993 por seis "traders", dentre os quais o francês Claude Dauphin, único deles ainda no comando, hoje do conselho administrativo, e detentor de cerca de 20% do grupo.
Recentemente, o presidente-executivo da Trafigura, o holandês Jeremy Weir, "fez história", na expressão da Bloomberg, ao fazer o que nenhum presidente anterior da companhia tinha feito: falar em público. Isso ocorreu no "Swiss Commodities Summit", no mês passado, em Lausanne.
A companhia, controlada por 600 empregados, resolveu ser mais transparente e melhorar sua imagem pública. Desde 2013 passou a publicar um detalhado balanço financeiro anual, o que se explica também pela transparência exigida de quem capta recursos na Europa e em Cingapura.
Em 2014, o negócio com petróleo representou 74% de sua receita. Como o preço do barril caiu quase 50% desde julho de 2014, o lucro das "tradings" em geral tem sido afetado. A Trafigura fez também comércio de 49,1 milhões de toneladas de metais e minerais, representando 26% de sua receita em 2014. A margem bruta de lucro foi de 1,6%, comparado a 1,4% em 2013. O lucro líquido ficou em US$ 1,1 bilhão, metade dos US$ 2,2 bilhões de 2013.
No fim do ano passado, a companhia interrompeu um lucrativo contrato de petróleo na Nigéria para evitar acusações de opacidade e favoritismo. Mas superar controvérsias do passado toma tempo. Este ano, mais de 100 mil vítimas do lançamento de detritos tóxicos em 2006 pelo cargueiro Probo Koala em Abdijan, capital da Costa do Marfin, atacou a Trafigura na justiça da Holanda, exigindo indenizações e limpeza dos detritos.
A companhia se diz confiante nas perspectivas de longo prazo da demanda global por matérias-primas em geral.
Fonte: Valor Econômico/Assis Moreira | De Genebra
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