Os debates sobre aquecimento global e as legislações cada vez mais rigorosas contra danos ambientais são prova de que há algum tempo a preocupação com a preservação do meio ambiente deixou a esfera do discurso para ganhar resoluções práticas, que pregam mudanças de hábitos e, em casos mais severos, sanções pesadas contra governos, empresas e cidadãos. As companhias que atuam em atividades mais sujeitas a gerar riscos, sobretudo, vivenciam a experiência do alerta ininterrupto: precisam estar preparadas tanto para agir preventivamente quanto para mitigar possíveis efeitos de forma célere.
As transportadoras de cargas estão entre as empresas mais condicionadas a essa realidade. Segundo levantamento mais recente da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), vinculada à Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, 52% dos acidentes ambientais estão relacionados ao transporte rodoviário. No Rio Grande do Sul, a situação não é diferente. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Estado (Fepam) contabilizou 250 acidentes ambientais envolvendo transporte de produtos perigosos entre 2006 e 2013. Esse total é o mais significativo entre todas as modalidades de emergências apuradas pela Fepam e representa 39% de todas as ocorrências.
O preparo das transportadoras requer uma gestão sistemática das operações, investimento em profissionais qualificados, treinamento periódico e alinhamento com empresas que prestam trabalho de reparação em caso de danos. Essa é a prática adotada pela multinacional Kuehne + Nagel Serviços Logísticos, que há dois anos aderiu a uma nova modalidade de seguro que garante não só a cobertura pelo dano, mas também todo o serviço de remoção, análise e acompanhamento das consequências do acidente ambiental.
A filial brasileira da Kuehne + Nagel opera no Mercosul e, apenas no território nacional, realiza 900 viagens diárias, em média. Entre os clientes da operadora, empresas do ramo químico, como Bayer, Dupont, Basf e Braskem, exigem que as transportadoras certificadas adotem programas de segurança nos mesmos moldes das indústrias. “Imagina uma carreta, carregada com 25 toneladas de produto químico, tombar em um manancial. Não tem como a gente não estar segurado ou ter um plano de contingência efetivo para solucionar essa situação imediatamente”, destaca o gerente de transporte rodoviário da regional Sul da Kuehne + Nagel, Leandro Eckhardt.
O diferencial do seguro ambiental de transporte, ressalta Eckhardt, está justamente na ação de reparo. “Uma contingência bem feita elimina uma série de riscos posteriores. Quanto antes a empresa agir para conter um vazamento, eliminar a possibilidade de uma explosão ou a contaminação de um manancial de água, menor é a multa, se ocorrer”, explica.
Em dezembro do ano passado, Eckhardt pôde comprovar, na prática, que o preparo da equipe interna, alinhado aos processos da seguradora, ambos treinados conjuntamente em simulações realizadas periodicamente, foi efetivo para reparar os danos de um acidente rodoviário, ocorrido em Rio Grande.
Na ocasião, o derramamento de um líquido inflamável atingiu o solo, mas a ação ágil evitou a contaminação do local. “As ações foram muito rápidas, tanto por parte da empresa, porque a gente tem um plano de ação interno, quanto por parte da nossa seguradora em termos de efetivo para limpeza, remoção, acionamento da Fepam e de todos os organismos para fazer o trabalho de limpeza”, conta o gerente.
O acompanhamento do dano desse acidente continua até hoje, tanto pela Kuehne + Nagel quanto pela seguradora. Na avaliação mais recente, os técnicos constataram que não houve contaminação do solo, e a empresa não foi multada pela ocorrência. “Todos os relatórios, para efeito de análise do Ministério Público, estão sendo elaborados pelo nosso engenheiro químico e pelos engenheiros especializados da seguradora, que nos reportou todos os dados técnicos usados para elaborar uma resposta. Então é bem importante ter essa cobertura, não só pela questão financeira, mas também pelo serviço adicional”.
Modalidade registra aumento de 43% no período de um ano
Embora seja um produto recente, o seguro ambiental para transportes já registra uma adesão significativa, provando que a cobertura surgiu não só de uma necessidade do setor, como também tem serviços mais completos a oferecer. O executivo comercial da Corretora de Seguros Willis Brasil, Rafael Rosa, destaca que a procura pelo seguro ambiental específico para transporte de cargas cresceu 43% em 2013 em comparação com o ano passado.
“O produto de riscos ambientais está no mercado há 10 anos, mas nunca foi muito divulgado e não tinha uma proposta significativa em comparação com as possibilidades de coberturas adicionais de outros produtos”, revela Rosa. Diante dos riscos vinculados ao transporte de cargas e à baixa expressividade da cobertura simplesmente ambiental, o seguro específico para transporte ganha relevância, especialmente por oferecer serviços que garantem o rápido cumprimento das exigências legais.
“É um produto que tem uma série de coberturas, mas o grande diferencial dele é a limpeza, que cobre todo processo de remoção do contaminante, remediação e descarte. Além disso, tem cobertura de danos materiais, danos corporais e tem também o atendimento 24h”, diz Rosa.
Pelo menos quatro seguradoras oferecem esse produto, que, apesar de ser atrativo para empresas de logística, precisa ser avaliado criteriosamente. Rosa sugere que a empresa consulte um corretor especializado em seguro ambiental para transporte. “Ele vai entender o risco do cliente e compreender as exclusões”, destaca, mencionando que há produtos, que não são químicos, mas que também podem causar dano ambiental.
O dano à carga é outro aspecto que merece atenção, já que o seguro comum não cobre esse tipo de perda. “A gente recomenda contratar o seguro ambiental na mesma seguradora que se contrata seguro de carga ou fazer um seguro combinado”, orienta o executivo comercial da Willis Brasil. Rosa sugere também que os clientes observem as limitações da apólice que pretendem contratar. “Existem produtos mais limitados, que dão cobertura apenas para poluição súbita e tem produto que só cobre limpeza na pista”.
Sobre o custo-benefício, o gerente da Kuehne + Nagel, Leandro Eckhardt, assegura que vale a pena investir em virtude dos serviços oferecidos. Os valores variam de acordo com as coberturas contratadas e a avaliação de riscos de cada empresa.
Projetos de infraestrutura e de obras da Copa ampliaram o interesse pelo produto
O superintendente de Riscos Especiais da Liberty Seguros, Luiz Antonio Oliveira, projeta que a tendência é de que os seguros ambientais para empresas tornem-se obrigatórios. Na Liberty, a cobertura é caracterizada como Seguro de Responsabilidade Civil Ambiental, que começou a ter maior visibilidade no Brasil a partir de 2008, com a abertura do mercado de resseguros, explica Oliveira. “Em 2012, a modalidade movimentou cerca de R$ 33 milhões. O segmento de transportadoras representa pelo menos a metade das apólices de RC Ambiental do País, devido ao grande movimento de produtos químicos”, comenta.
Para Oliveira, a mitigação de riscos tende a ser uma exigência cada vez mais rigorosa, conforme avançam os debates em torno da preservação do meio ambiente. “Os grandes projetos de obras de infraestrutura, transporte público, construção de aeroportos e estádios para Copa 2014 e Olimpíadas também despertaram maior interesse pelo produto. O mercado segurador tem know-how internacional, dispõe de produtos e profissionais especializados e está preparado para atender essa demanda”, atesta.
A American International Group (AIG) é outra seguradora que vê enorme potencial no segmento de transportes. Desde 2004, a empresa investe em seguros ambientais e há seis meses lançou a cobertura específica para transportes. O filão de mercado é promissor: mais de 3,5 mil substâncias são transportadas para diversos destinos em diferentes setores da indústria, no Brasil.
A engenheira ambiental Nathalia Gallinari, responsável pela subscrição de riscos ambientais na AIG, explica que o produto, embora esteja há pouco tempo no mercado, tem tido uma aceitação muito boa. Como diferenciais, ela cita que a apólice cobre os custos relacionados à investigação e ao monitoramento da contaminação do solo, das águas de superfície e lençóis freáticos, e não se limita a situações súbitas e acidentais, amparando também situações de contaminação gradual.
Nathalia ressalta que o mito de que coberturas tão abrangentes têm custo elevado está sendo derrubado e é importante atentar para o fato de que a contaminação nem sempre resulta de acidente envolvendo a carga. O Seguro Ambiental de Transporte da AIG cobre, por exemplo, vazamento de combustível, mesmo que não seja decorrente de acidente. Inclusive, essa já foi uma situação atendida pela empresa, em que não houve nada com o tanque de combustível do caminhão, mas foi constatado o vazamento de diesel.
“A apólice cobre todos os custos relacionados à limpeza, remediação e danos a terceiros. A limpeza é a parte mais cara, geralmente, e varia bastante de cenário a cenário. O dano a terceiro tem um grande potencial também, podendo chegar a milhões dependendo do evento”, ressalta. Embora seja sempre melhor prevenir do que remediar, é cada vez menor o número dos que aceitam correr o risco.
Fonte:Jornal do Commercio (POA)/Marina Schmidt
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