Palestra realizada no evento ECOBRASIL 2014 - 10º Seminário Nacional sobre Indústria Marítima e Meio Ambiente, em 08/05/2014
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Introito
A presente palestra foi divindade em três partes, a seguir expostas de breve forma:
1 - Identificação do Direto Marítimo, como disciplina autônoma, para posterior conceituação do Direito Ambiental Marítimo.
2 – Análise da poluição ambiental marinha decorrente de atividades marítimas.
3 – Responsabilidade pelo dano ambiental nos âmbitos civil, penal e administrativo, para análise da possibilidade de responsabilização no âmbito administrativo marítimo, através da atuação do Tribunal Marítimo.
Dessa forma, a seguir, passar-se-á a abordar esses tópicos.
I. O DIREITO AMBIENTAL MARÍTIMO
Preliminarmente, o Direito Marítimo se consubstancia como um ramo do direito autônomo, assentado na internacionalidade e especialidade de suas regras, que se consagrada em torno das relações provenientes da prática de comércio marítimo. Assim, suas normas regem as relações jurídicas relativas à navegação e ao comércio marítimo, em torno do tráfego e tráfico marítimo, ou seja, regulam o comércio e a navegação, em suma todas as relações nascidas da utilização e exploração do mar, tanto na superfície quanto na profundidade.
O Direito Marítimo, por ser de natureza jurídica mista, confronta-se com normas de natureza pública e privada, assim, sofre incidências dos preceitos públicos, e das características regentes do direito privado.
No Direito Marítimo, em decorrência de sua natureza jurídica mista, percebe-se nitidamente o viés público, com destaque a seara ambiental, através da identificação do Direito Ambiental Marítimo[1], que é constituído por normas nacionais e internacionais.
O Direito Ambiental Marítimo abrange as normas relacionadas ao meio ambiente marinho, que visam à prevenção, o controle e à fiscalização das atividades desempenhadas em águas jurisdicionais brasileiras, com vistas à consecução dessas atividades nos limites de capacidade do meio ambiente, prevenindo a ocorrência de danos ambientais decorrentes de poluição marinha.
Dessa forma, o Direito Ambiental Marítimo deve ser percebido como o conjunto de normas e princípios, nacionais e internacionais, inerentes ao transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável. Não se trata de uma disciplina autônoma, como o Direito Ambiental e o Direito Marítimo, mas sim da intersecção dessas disciplinas no que tange ao meio ambiente marinho.
II. POLUIÇÃO MARINHA
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, no art. 3º, incisos II e III, definiu degradação e poluição de forma abrangente, visando proteger não só o meio ambiente, mas também a sociedade, a saúde e a economia da seguinte forma.
Assim degradação da qualidade ambiental pode ser entendida como a alteração adversa das características do meio ambiente. Por sua vez, a poluição é a espécie da degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota ou as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
Merece nota o fato de que a poluição ambiental é uma espécie de degradação decorrente de atividade humana. Por outro lado, a degradação ambiental pode ocorrer por fatores da natureza ou ocasionados pelo homem.
Por sua vez, a poluição marinha foi conceituada pela Convenção Montego Bay, em seu art. 1º, Decreto n° 1.530, de 22 de junho de 1995, e deve ser entendida como: “A introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio ambiente marinho, incluindo estuários, sempre que a mesma provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos à saúde do homem, entraves às atividades marítimas, incluindo a pesca e outras utilizações legítimas do mar, alteração na qualidade da água do mar, no que se fere à sua utilização e deteriorização dos locais de recreio”.
De forma didática divide-se a poluição marinha, quanto às fontes geradoras, em dois grandes grupos: advindos de atividades de terra ou de mar. Por sua vez, a poluição marinha decorrentes de atividades marítimas, pode-se dividir em:
- Poluição por alijamento;
- Poluição decorrente de água de lastro; e
- Poluição por derramamento e/ou vazamento de óleo.
As mencionadas formas de poluição advindas de atividades marítimas são controladas por diversos órgãos, como a Autoridade Marítima, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Agência Nacional de Transportes Aquaviários, pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, com normas preventivas, demonstrando que a poluição pode e deve ser evitada, e que o meio ambiente marinho pode ser utilizado de forma sustentável.
Percebe-se a existência de uma série de regras e obrigações que visam evitar a poluição ou risco e ameaça de poluição por navios e embarcações em geral. Depreende-se que o transporte aquaviário é uma atividade amplamente regulada e fiscalizada, possuindo todos os requisitos para ser considerada uma atividade sustentável sob o aspecto ambiental.
Dessa forma, mesmo com todas as normas de prevenção, caso haja qualquer dano ambiental ao meio ambiente haverá a responsabilização do poluidor, pelo que se ingressa na terceira parte da palestra.
III. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi a primeira a tratar expressamente sobre o meio ambiente, dedicando o Capítulo VI, do Título da Ordem Social, exclusivamente a essa matéria, além de abordar dessa temática em outros artigos do texto constitucional.
Em conformidade com o preceito constitucional retro, o meio ambiente não poluído, ou seja, ecologicamente equilibrado, passou a ser considerado um direito fundamental, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana estabelecida no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal estabelece a responsabilidade solidária entre o Poder Público e a coletividade na defesa e preservação do meio ambiente, além de estabelecer a responsabilidade tripa do poluidor em face dos danos ambientais.
Assim, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano (responsabilidade civil).
ENTRETANTO, INDAGA-SE:
E A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA MARÍTIMA?
Primeiramente, esclarece-se que avaria pode poder ser entendida como todo dano ou despesa que acomete o navio ou a carga.
É sabido que a doutrina aponta diversas formas de classificação das avarias, por exemplo: dano ou despesa, simples ou grossa, entre outras.
Dessa forma, não restam dúvidas que um ato de poluição ambiental decorrente de uma atividade afeta a uma embarcação pode se configurar como uma avaria.
No que tange a atuação da Capitania dos Portos e Costas em atos afetos ao meio ambiente, a doutrina e a jurisprudência se posicionam de forma pacifica, isso em decorrência de existir previsão legal nesse sentido.
E A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL MARÍTIMO PARA O DESLINDE DE ACIDENTES MARÍTIMOS ENVOLVENDO A POLUIÇÃO?
Independente da previsão legal que estabelece a competência para prevenção e repressão de atos de poluição ambiental marinha, defende-se a inversão da ordem da pergunta, ou seja:
UM DANO AMBIENTAL PODE SER CLASSIFICADO COMO ACIDENTE OU FATO DA NAVEGAÇÃO?
Nesse sentido, independente da responsabilidade por atos de poluição ambiental na esfera administrativa, civil e penal, caso esse ato seja configurado como acidente ou fato da navegação poderá haver um processo administrativo marítimo em sede de Tribunal Marítimo, sem qualquer óbice legal.
Nota-se que de acordo com a Lei no 2.180/1954, art. 14, consideram-se acidentes da navegação: naufrágio, encalhe, colisão, abalroação, água aberta, explosão, incêndio, varação, arribada e alijamento; avaria ou defeito no navio nas suas instalações, que ponha em risco a embarcação, as vidas e fazendas de bordo.
Ora, indaga-se: um alijamento de carga, explosão ou incêndio com derramamento de óleo, naufrágio com vazamento de óleo, entre outros, não podem ser considerados como poluição ambiental e acidente da navegação? Sem dúvida que a resposta é positiva.
O mesmo raciocínio deve prevalecer com um defeito ou avaria no navio que coloque em risco a embarcação, as vidas e fazendas de bordo que venha a causar poluição marinha.
Ratifica-se que um dano ambiental é, sem qualquer dúvida, uma avaria marítima, que enseja a responsabilidade em sede de Tribunal Marítimo.
Por sua vez, a supra citada Lei, em seu art. 15, determina que se consideram fatos da navegação:
a) o mau aparelhamento ou a impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada, e a deficiência da equipagem;
b) a alteração da rota;
c) a má estimação da carga, que sujeite a risco a segurança da expedição;
d) a recusa injustificada de socorrro a embarcação em perigo;
e) todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e segurança da embarcação, as vidas e fazendas de bordo.
f) o emprego da embarcação, no todo ou em parte, na prática de atos ilícitos, previstos em lei como crime ou contravenção penal, ou lesivos à Fazenda Nacional. (G.N)
Questiona-se:
1. Caso uma embarcação impropria venha a transportar óleo, e venha a derramar óleo em aguas jurisdicionais brasileiras, tal fato não poderia ser tipificado na alínea “a” do art. 15, supra citado?
2. Ou seja, caso uma embarcação (incluindo as plataformas, uma vez em que a Lei 2.180/1954, assim prevê) esteja mal aparelhada e venha ocasionar um acidente com carga perigosa, não haveria então um fato da navegação?
A resposta aos questionamentos supra é positiva.
Vale ressaltar que poluição ambiental é crime, conforme determina a Lei no 9.605/1998, assim caso uma embarcação ocasione poluição marinha, estaria plenamente configurado o fato da navegação, previsto na aliena “f”, art. 15, da Lei no 2.180/1954.
São inúmeras as situações hipotéticas que podem relacionar a poluição marítima com acidentes e fatos da navegação.
Essa questão foi abordada recentemente pelo Tribunal Marítimo no Processo nº 27.050/12, que trata do caso do vazamento de óleo durante operação de perfuração de poço, no Campo de Frade, pela plataforma “SEDCO 706”. Inclusive, nosso posicionamento foi reconhecido pelo Tribunal Marítimo, tendo, inclusive, sido citado na decisão emanada em 15/10/13 pelo juiz Marcelo David, no Processo nº 27.050/12[2].
Portanto, resta entendido que a competência do Tribunal Marítimo é julgar os acidentes e os fatos, não apenas os descritos na Lei no 2.180/1954.
CONCLUSÃO
O legislador opinou pela utilização de utilização de expressões genéricas ratificando que o rol dos acidentes e fatos da navegação não deve ser percebido como um rol taxativo.
Portanto, o entendimento que o rol dos acidentes e fatos da navegação é exemplificativo é, ainda, uma interpretação conforme a Constituição Federal, por possibilitar que o Tribunal Marítimo atue de forma incisiva em questões ambientais marítimas.
Inclusive já foi analisado e constatado que o Tribunal Marítimo, como órgão auxiliar do Poder Judiciário, é uma corte competente e capaz de proferir decisões (acórdãos) com alto teor de conhecimento técnico, e que este órgão atua em consonância com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, respeitando e consagrando os princípios constitucionais do processo e sendo meio efetivo de acesso à justiça (vide Campos, Ingrid Zanella Andrade. Direito Constitucional Marítimo. O Acesso à Justiça no Tribunal Marítimo e seus Princípios Constitucionais Processuais. Editora Juruá, 2011).
Assim, o rol dos acidentes e fatos da navegação deve ser considerado como exemplificativo, através de uma interpretação conforme a Constituição Federal, por possibilitar que o Tribunal Marítimo atue de forma incisiva em questões ambientais marítimas.
Deste modo, a lei deve ser interpretada com vistas a uma maior proteção ambiental marítima, que demanda de uma atuação do Tribunal Marítimo em atos de poluição ambiental que se caracterizem como acidente e fatos da navegação, uma vez em que a Lei no 2.180/1954 utilizou um rol exemplificativo e tipificações genéricas.
[1] Não se pretende neste artigo ingressar na discussão a respeito da correta terminologia acerca da expressão: Direito Ambiental Marítimo ou Direito Marítimo Ambiental. A escolha da palestrante pela primeira expressão se dá em decorrência de que o geral deve preceder o particular.
[2] “Como cabe ao Tribunal Marítimo julgar o acidente da navegação, determinando sua natureza, extensão, causas e responsáveis, configurada a competência do Tribunal para o julgamento da poluição, mais uma vez. Inclusive esse foi o posicionamento doutrinário defendido com brilhantismo pela Dra. Ingrid Zanella, especialista na matéria, no III Workshop do Tribunal Marítimo, recentemente realizado.”. (G.N.)
Ingrid Zanella Andrade Campos é Doutora e mestre em Direito pela UFPE. Professora Adjunta da UFRN. Professora da Pós-Graduação em Direito Marítimo e Portuário nos estados de Espírito Santo, São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Auditora Ambiental Líder. Perita Ambiental Judicial. Presidente da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e do Petróleo da OAB.PE. Consultora Marítima, Portuária e Ambiental, no escritório Zanella Advogados & Consultores.