Os extremos climáticos na Amazônia se intensificaram nas últimas décadas com cheias mais frequentes e volumosas, além de secas mais severas e prolongadas. O que antes parecia apenas uma particularidade local, restrito à região Norte, despertou o interesse do mundo todo, ao passo que atingiu níveis sem precedentes, com a bacia amazônica ocupando uma posição central nas discussões referentes ao aquecimento do planeta. O impacto desses eventos já afetam o país a nível econômico, ambiental e social.
Na década de 1950, o escritor nortista Leandro Tocantins cunhou uma frase que segue atual: “O rio comanda a vida”. Hoje, é exatamente isso que vemos na Amazônia, ao passo que o ciclo natural de cheias e vazantes molda a rotina das comunidades ribeirinhas. Quando o rio sobe, fertiliza a terra com húmus, favorece a agricultura, multiplica os peixes e garante a navegação. Já a seca, embora limite deslocamentos, abre espaço para a agricultura de várzea (versus vazante) e concentra cardumes, aumentando a oferta de pescado, por exemplo.
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Em condições normais de “temperatura e pressão”, essa dinâmica chamada de “pulso de inundação” segue, historicamente, um ritmo quase matemático: seis meses de subida e seis de descida, tomando como referência as cotas do rio Negro em Manaus. Isto fez com que a população se adaptasse ao movimento, aproveitando suas oportunidades e enfrentando suas limitações.
No entanto, esse equilíbrio foi abalado nos últimos anos, impondo um novo normal. Fenômenos como El Niño e o aquecimento global, alteraram essa dinâmica natural, tornando as secas tão severas, que levaram os serviços básicos ao colapso em 2023. O que vimos foram municípios em calamidade, comunidades isoladas, falta de água potável, queimadas, mortalidade de peixes e até inviabilidade de navegação em trechos importantes.
Em 2024, mesmo com níveis de rio ainda mais baixos, a logística conseguiu minimizar tais perdas, principalmente por meio da instalação de um píer flutuante em Itacoatiara, a 270 km de Manaus. Este possibilitou o transbordo de contêineres para balsas, garantindo assim o abastecimento da capital e o escoamento dos produtos do pólo industrial de Manaus.
Há dados do Serviço Geológico do Brasil (SGB), que comprovam este cenário de maior incidência de eventos extremos no Rio Negro, visto que mais de 50% das grandes cheias e 40% das secas severas ocorreram ao longo dos últimos 20 anos, fazendo com que pensar em soluções logísticas resilientes e adaptáveis não seja apenas uma escolha, mas uma necessidade estratégica.
Neste cenário, a cabotagem se torna protagonista, buscando soluções viáveis para conectar os principais portos do país ao Norte do Brasil, assegurando o fluxo de cargas de forma contínua e mitigando os impactos da seca.
Vai ter seca este ano?
Vale lembrar que a seca sempre existiu. Desde a formação da bacia, há milhões de anos, o ciclo de cheia e vazante se repete ano após ano. A questão atual não é se haverá seca, mas sim o quanto ela irá impactar.
Na navegação, os navios de contêineres podem enfrentar restrições a partir de 20 metros de cota no rio Negro em Manaus. Trechos críticos, como a foz do Madeira e a passagem do Tabocal, por exemplo, tornam-se gargalos naturais, elevando custos de praticagem e forçando a adoção da chamada taxa da seca, que considera a perda de capacidade de carga e funciona como uma espécie de compensação financeira.
Hoje, as condições climáticas atuais no Pacífico e no Atlântico são consideradas favoráveis, apontando para uma estiagem dentro da normalidade. Isso significa que pode haver restrições de carga, mas sem a gravidade dos últimos dois anos. Porém, previsões são apenas probabilidades. Devemos acompanhar o dia a dia para avaliação, sem considerar nenhuma afirmação. Afinal, a Amazônia exige monitoramento constante e o rio continua comandando a vida, refletindo diariamente as escolhas que fazemos para o futuro do planeta.
Portanto, investir em multimodalidade - união de vários modais de transporte - é uma opção viável para a logística nacional, sobretudo, em um cenário futuro de extremos climáticos. Ao permitir que cada modal atue de forma complementar, explorando seus pontos fortes e compensando fragilidades operacionais, o setor terá mais margem de manobra estratégica para garantir resiliência, continuidade e eficiência diante do imprevisível.
Otavio Cabral é gerente geral para as regiões Norte & Nordeste da Norcoast