Este artigo tem como objetivo jogar luz sobre o problema cíclico da falta de oficiais da Marinha Mercante - OMM diante das expectativas de crescimento da frota de cabotagem e de apoio marítimo e de outras atividades que certamente irão se desenvolver ao longo dos próximos anos, como a eólica offshore e, mesmo, a retomada da navegação de longo curso que, certamente, irão exigir mais OMM disponíveis.
Tradicionalmente a formação de OMM no Brasil, e em vários outros países, sempre foi baseada no modelo que denominamos de militar naval, ou seja, uma formação que tem seus méritos pautados nos valores militares como a disciplina, hierarquia e dedicação a pátria, com o objetivo de formar uma reserva, para a Marinha do Brasil, consistente e bem treinada e possível de ser facilmente mobilizada em situações de beligerância. Entretanto, esse modelo, em que o aluno é militar, exige um tempo maior de formação, três anos acadêmicos e um ano de estágio embarcado, e com um custo bastante elevado, considerando
que o aluno é interno na Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante – EFOMM, que além dos custos acadêmicos tem os custos inerentes a hospedagem, alimentação, assistência médica e odontológica, uniformes, soldo, dentre outros.
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O fato é que, apesar de todo o esforço do Sistema de Ensino Profissional Marítimo – SEPM, responsável pela formação do OMM, em ajustar as turmas em relação as demandas futuras, esse modelo de formação, devido as suas próprias características acima citadas, tem muita dificuldade de responder às flutuações do mercado marítimo, especialmente quando este exige mais OMM do que os disponíveis. Pois, além de necessitar de quatro anos para a formação requer infraestrutura física para aumentar as turmas e, principalmente, recursos financeiros para fazer frente a esse aumento.
No decorrer da década de 90, a Organização Marítima Internacional – IMO desenvolveu e ofereceu à comunidade marítima os chamados Model Courses, que são modelos de diversos cursos da área marítima com o objetivo não só de ajudar no desenvolvimento integral dos países membros, mas, principalmente, de padronizar conteúdo e carga horária mínima desses cursos. Dentre eles destacamos o Model Course 7.03 Officer in Charge of a Navigational Watch e o Model Course 7.04 Officer in Charge of a Engineering Watch, que são cursos reduzidos para a formação de OMM, de náutica e de máquinas, sendo um
ano acadêmico e um ano de estágio embarcado, tendo como candidatos os egressos de cursos superiores com aderência à matrizes curriculares desses cursos. Esse tipo de formação é bem mais flexível à adequação dos ciclos do mercado marítimo, inclusive quando o mercado em baixa não gera um passivo de desempregados, já que o profissional pode recorrer a sua atividade primária.
No Brasil esses cursos de formação reduzida foram denominados de Adaptação para 2º Oficial de Náutica – ASON e Adaptação para 2º Oficial de Máquinas – ASOM, com o objetivo de serem aplicados de forma pontual para suprir as demandas não estimadas. Entretanto, em um passado recente, nos anos de 2012/2013/2014, também de forma pontual e emergencial, foram aplicados vários cursos do modelo reduzido em um curto espaço de tempo, para fazer frente ao desenvolvimento exponencial da frota de cabotagem e apoio marítimo decorrente do avanço da exploração de hidrocarbonetos no mar e do fomento dos planos de construção naval. O que se verificou, no entanto, após a conclusão das primeiras turmas de ASON e ASOM, somadas aos formandos regulares das turmas EFOMMs do CIAGA e do CIABA, foi a ocorrência de um problema ainda maior, visto que a frota de embarcações brasileiras em operação à época não dispunha de tantas vagas para o atendimento de todos os formandos para o estágio obrigatório (um ano de estágio embarcado), e no
decorrer da conclusão das turmas seguintes de formação reduzida e EFOMM, o problema se agravou, tendo os alunos que aguardar, muitas vezes, mais de um ano para embarcar para o estágio o que foi um fator desmotivador e gerador
de algumas desistências.
Conclui-se, portanto, que a formação reduzida aplicada pontualmente para atender os ditames do mercado não é a solução adequada. Entretanto, se aplicado de forma contínua e aberta poderá ser a solução desejada, principalmente se não depender dos recursos do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo, que sofre frequentes restrições orçamentárias,
neste caso, seriam cursos EXTRA – FDEPM.
A formação reduzida aplicada de forma contínua, já adotada em vários países desenvolvidos, pode ser aplicado aqui no Brasil com algumas adequações: o Órgão Central do Sistema EPM credenciaria o programa ou núcleo de ensino marítimo de instituições de ensino superior credenciadas pelo MEC, portanto com estrutura física e pedagógica avalizadas e, que
atendam às exigências previstas pela Convenção STCW e pela autoridade marítima. Desta forma, instituições de ensino superior públicas e privadas, que se interessem em ter um programa de ensino marítimo e atendam às exigências, poderão oferecer o ASON e o ASOM, sem custo para o Estado e de forma continuada aos egressos de cursos superiores com currículos aderentes ao respectivo curso e que apresentem Carta Compromisso de empresa de navegação brasileira ou estrangeira que se comprometa a oferecer o estágio obrigatório ao final do curso.
Concluindo, entendemos que uma solução capaz de atender a disponibilidade de OMM, em qualidade e quantidade, frente ao ciclos de alta da economia marítima, sem que haja faltas e nem excedentes, é mesclando a formação tipo militar naval que atende as premissas e estratégias da Marinha do Brasil, juntamente com a formação reduzida aplicada de forma contínua por
instituições de ensino superior pública e privada, com programa de ensino marítimo credenciados pelo sistema EPM, que atendem aos ciclos do mercado marítimo. Esses modelos mesclados poderão, além de suprir as necessidades do mercado marítimo nacional gerar uma massa crítica de OMM brasileiros para disputarem o mercado internacional, que além de promissor e rendável é também carente de OMM.
André Guaycuru é capitão de Longo Curso da MM, mestre em Engenharia Oceânica pela UFRJ e diretor do Instituto de Ciências Náuticas - ICN