No fim de 2019 o assunto em pauta era a entrada em vigor do IMO 2020, que consistia basicamente na obrigatoriedade de os navios abandonarem a queima direta do combustível IFO 380 (Intermediate Fuel Oil), com emissão de 3,5% de enxofre, por um óleo mais leve chamado VLSFO (Very Low Sulphur Fuel Oil) que deveria emitir até 0,5% de enxofre a partir de 1º de janeiro de 2020. Alternativamente poder-se-ia instalar equipamentos para “limpar” as emissões — os chamados “scrubbers”.
À época temia-se um brutal aumento de custos, já que o novo óleo tinha então um valor de até 80% superior ao antigo, porém, logo em seguida, entrou em cena a pandemia — e todos os seus desdobramentos, tirando o tema combustível da pauta. A retração do comércio mundial no 2º bimestre de 2020 foi tão grande que, além da brutal desvalorização do barril de petróleo, a diferença de preço entre o IFO 380 e o VSFO chegou a apenas 20% no segundo semestre de 2020.
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Com o mundo (exceto a China) aparentemente tendo aprendido a conviver com a Covid-19, as questões ambientais voltam à pauta mais fortes do que nunca e a pressão para que os armadores tomem medidas concretas para reduzir a pegada de carbono no transporte marítimo é cada vez mais forte, tendo em vista que os navios são responsáveis por aproximadamente 3% das emissões globais de CO2 e GEE (Gases de Efeito Estufa), o que representa 1 bilhão de toneladas anuais lançadas na atmosfera (Smith et al., 2015).
De acordo com a IMO, se nada for feito, até 2050 as emissões poderão aumentar entre 90% e 130% dependendo de diferentes cenários econômicos e energéticos de longo prazo. É nesse contexto que a própria IMO colocará em prática uma nova iniciativa, chamada de IMO 2023 e que, em poucas palavras, é um programa que visa encorajar a melhoria da eficiência dos navios e a adoção de combustíveis com baixa emissão de carbono para, consequentemente, reduzir a pegada de carbono no transporte marítimo mundial. A diferença fundamental entre IMO2020 e IMO2023 é que o primeiro tinha foco nas emissões de enxofre e o segundo tem foco nas emissões de carbono e gases de efeito estufa.
À semelhança daqueles selos de eficiência energética que nos acostumamos a ver nas geladeiras, com o IMO 2023 os navios passarão a ser classificados conforme seu nível de eficiência energética, por meio de três indicadores:
1) Energy Efficiency Existing Ship Index – EEXI:
Aplicável a todos os navios com mais de 400 toneladas, porém de maneira proporcional a um “patamar mínimo” que vai variar de acordo com os diferentes tipos, tamanhos e categorias de navios (o cálculo do EEXI tende a impactar mais os navios mais antigos);
2) Carbon Intensity Indicator – CII
Os navios serão classificados em: A, B, C, D ou E (sendo “A” o melhor) de acordo com a emissão de GEE proporcional à quantidade de carga e a distância percorrida. Esse índice determinará o fator de redução anual necessário para assegurar a contínua melhoria da intensidade de emissão de carbono dos navios (navios menores e/ou mais antigos tenderão a se focar em rotas curtas/regionais).
Segundo a nova norma da IMO, o navio que por três anos consecutivos for classificado como “D” e “E” deverá tomar medidas corretivas (mudar o combustível, trocar de rota, diminuir a velocidade entre outros) para reclassificar-se no nível “C” ou acima;
3) Ship Energy Efficiency Management Plan – SEEMP
Passará a ser um documento obrigatório do navio, estabelecendo o plano para melhorar sua eficiência energética de maneira economicamente viável.
Essas medidas devem entrar em vigor em novembro desse ano e, caso isso de fato ocorra, as exigências para as certificações EEXI e CII passarão a valer já a partir de janeiro de 2023, muito embora a IMO ainda não tenha delineado como serão as penalidades para embarcações não conformes. Está planejada para o próximo mês de junho uma reunião na sede da organização em Londres para tratar dessas medidas.
No link a seguir há um vídeo contendo algumas explicações e implicações do programa muito bem colocadas por especialistas: https://vimeo.com/682986062
Ainda há muitas dúvidas quanto ao real impacto que essa medida poderá ter sobre os embarcadores: navios que não atingem um nível de eficiência minimamente aceitável serão retirados do mercado, reduzindo a oferta? Haverá mais pressão sobre fretes?
Estima-se que hoje apenas 1/3 da frota mundial não atingiria esse “patamar mínimo”, concentrado principalmente na frota de navios feeder. Por outro lado, a partir de 2023 muitos novos navios entrarão no mercado (28% da capacidade encomendada é de navios com até 8.000 TEU), em boa parte para substituir os navios mais antigos que tiveram sua expectativa de vida alongada por conta da explosão da demanda e dos congestionamentos provocados pela pandemia.
Portanto, se/quando a logística mundial “voltar aos eixos”, o IMO 2023 não deve impactar muito os fretes, com base numa análise fria das perspectivas para a oferta e demanda nos próximos anos.
Por outro lado, o crescimento da demanda dos embarcadores engajados em cumprir seus compromissos ESG (Environment, Social and Governance), seja porque buscam saber se o navio em que suas cargas estão sendo embarcadas cumprem com os compromissos ambientais ou porque seus clientes internacionais vêm demandando “transporte verde”, poderá pressionar os fretes em rotas pontuais em que operem navios mais antigos e/ou menores.
Muitos combustíveis alternativos aos de origem fóssil estão sendo pesquisados para essas metas de eficiência sejam atingidas. A maioria das novas encomendas de navios já está sendo feita com vistas a essas alternativas, sendo que o mais popular no momento é o LNG (liquid natural gas), que embora de origem fóssil, é cerca de 30% menos poluente que o IFO 380 e está sendo visto como um combustível de transição, já que outras alternativas ainda estão em fase de estudos. Há ainda experimentos com metanol, amônia e outros produtos (a Maersk já tem encomendas tanto de navios feeder quanto de navios de longo curso movidos a metanol). A maioria das encomendas são navios “dual fuel” capazes de utilizar VLSFO ou um combustível alternativo, seja LNG, metanol ou amônia, pelo fato de não haver ainda uma garantia plena de abastecimento.
Embora persista essa dificuldade em assegurar o suprimento desses combustíveis alternativos, há algumas sugestões, no dizer do renomado analista Lars Jensen, que isso possa fazer todo o sentido econômico no longo prazo, pois se deixará de contar com um só combustível, o petróleo, cujas cotações do barril impactam diretamente a formação dos fretes. Dessa forma, na opinião dele, sustentabilidade e lucratividade realmente podem andar juntas e essa percepção aparentemente tem estimulado os maiores armadores a acelerarem a transição energética, até mesmo se antecipando às metas da IMO, já que isso poderá conferir-lhes uma vantagem competitiva frente a alguns concorrentes menores ou mais céticos. Relevante registrar-se que 63% das novas encomendas feitas esse ano são de navios capazes de usar combustíveis alternativos. O caminho da descarbonização está aberto com o transporte marítimo assumindo sua parte na salvação do planeta.
Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence