Com os últimos movimentos no mercado de contêiner no Brasil após as aquisições pelos controles por parte da CMA CGM e da MSC respectivamente da Santos Brasil e da Wilson Sons, somados à ampliação de capacidades de terminais e novas posições como da APM Terminals em Suape, um novo mapa de forças de mercado se alinha reorganizando as capacidades ofertadas ao mercado e aos serviços de companhias de navegação e suas alianças comerciais.
Após estes movimentos a nova configuração do Capacity Share no Brasil se comporta a seguir:
Fonte: Dados de Movimentação: Anuário Estatístico Antaq – Dados de Capacidade: Declaração no site dos terminais - Incluída a APMt em Suape capacidade do novo TUP.
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A análise foi análoga para os ranges Norte + Nordeste (N/NE) e Sul + Sudeste (S/SE) e foram observados os seguintes achados:
• Os terminais que estão operando (2023) acima de 80% de capacidade são BTP (Santos - BRSSZ), Portonave (Navegantes - BRITJ) e Chibatão (Manaus BRMAO) este último estranhamente bateu acima dos 120%;
• A média de ocupação brasileira está acima de 53%, já desconsiderando APM Terminals em Suape (BRSUA) e JBS em Itajaí (BRITJ), pois não apresentaram movimentação; as médias do range Norte/Nordeste (N/NE) e Sul/Sudeste (S/SE) acompanham a média nacional;
• Os grupos armadores MSC/TIL, Maersk/APMt e CMA CGM somam juntos mais de 60% do capacity share do Brasil replicando o mesmo comportamento em ambos os ranges (N/NE e S/SE);
• No range N/NE, a APM Terminals lidera com quase 30% do capacity share, seguido pela CMA CGM e ICTSI com quase 20% cada um, e MSC/TIL com quase 15% após a aquisição do Tecon Salvador (BRSSA);
• No range S/SE, a MSC/TIL lidera com 30% seguido pela CMA CGM com 18% e na sequência APMt/Maersk e China Merchant Ports com 16% e 15% respectivamente.
Por trás deste movimento de aquisições existe o conceito de verticalização das cadeias logísticas, o que ocorre não apenas do mercado de container. No agronegócio brasileiro já é prática inteligível, e pode se exemplificar com as cadeias do suco de laranja e da celulose. O Brasil é líder de exportações em ambos os setores que estruturaram sua geração de valor e competitividade na integração vertical mirando a eliminação de custos de transação e controle de todos os processos e da própria logística. Da semente/muda até a navegação, com destaque para a laranja que até no destino apresenta terminal com contrato de arrendamento. Estas integrações se sustentam no controle da produção, logística até o porto, do terminal portuário em si, e no transporte marítimo seja pelo afretamento ou com frota própria.
Sob a ótica do container tais integrações começaram com posições na operação portuária visando a atracação em alguns países, e com o tempo se tornou um diferencial competitivo para a indústria do shipping. Não só a vertical, mas a integração horizontal se manifestou neste mercado com as alianças comerciais como a da Maerck e MSC que finda no início de 2025, mas outras duas se destacam como a 'The Ocean Alliance', composta pela CMA CGM, Cosco, Evergreen, e a 'The Alliace' liderada pela Hapag Lloyd com presenças importantes da HMM, PIL etc. Além do velho e clássico code share no transporte, as alianças promovem a capilaridade do serviço oferecendo mais destinos e regularidade para atendimento dos clientes. E quanto mais grupos oferecendo mais destinos, a concorrência agradece.
Porém, é necessário jogar luz a alguns fatos que determinam o nível concorrencial e, claro, de concentração deste setor. Por muito tempo, ocorreu uma competição por oferta de capacidade nas frotas, uma corrida dos armadores inflando os order books dos estaleiros. E, como toda indústria de capital intensivo (p.ex., no petróleo e na mineração), apenas os grupos resilientes financeiramente conseguem se preservar por longo tempo e em momentos de crise. Atualmente os mesmos grupos se mostram mais cautelosos na corrida pela primeira posição do mercado, mas com uma estratégia clara, olhar o mercado de ponta a ponta, door-to-door, end-to-end, termos não faltam para traduzir o nível maior de granularidade do atendimento. Porém, com estratégia de proteger o principal e mais importante negócio: o Shipping.
Após a Covid19 se inaugurou um novo conceito de ambiente de planejamento e atuação no mercado saindo do VUCA (volatile, uncertain, complex, and ambiguous. Em português volátil, incerto, complexo e ambíguo) passando a observação e planejamento para o BANI (bright, anormal, non-linear inpredictible, em português frágil, anormal, não linear, imprevisível). Num cenário de movimentos e conflitos geopolíticos de todas as naturezas, dos armados como Ucrania x Rússia e Palestina x Israel e tantos mais que não se destacam na mídia internacional, passando pelos econômicos como a disputa pela hegemonia entre USA (China Plus One ou Nearshoring) e China (One-Belt One-Road). Em adição, a nova corrida pelo controle de dados e da geoinformação com a aplicação da inteligência artificial, a realidade de qualquer mercado se fragiliza com a falta de previsibilidade e com planos de contingência muitas vezes falíveis.
Concorrente a tudo isto ainda por influência do homem, eventos de extremos climáticos estão mais frequentes e em maior intensidade, interferindo na rotina na navegação e das operações portuárias. Atualmente, o ciclo de viagem entre costa leste americana ou mediterrâneo e oriente se dilataram em mais de 25 dias pressionando os fretes e desregulando mais uma vez a única cadeia logística que tinha orgulho de ser sincrônica e operar sob regime de janela com margens mínimas de mudança de escala.
E, em meio a este “Novo Normal”, os números de atrasos e omissões subiram para patamares expressivos. No Brasil, tais atrasos, além de serem frutos dos eventos já mencionados, soma-se também a falta de capacidade portuária. O desequilíbrio entre disponibilidade de cais (na administração do tempo entre atrasos e omissões), armazenagem e acessos terrestres, pressiona a necessidade de investimentos no setor portuário. Das ampliações e adensamentos, aos novos arrendamentos, o fato é, o Brasil precisa destravar uma agenda sustentada de aumento de capacidade portuária. E isto demanda planejamento estratégico para evitar, ou ao menos ter medicinas para o desequilíbrio danoso entre oferta e demanda, seja no setor portuário, seja nos serviços de navegação na costa Brasileira.
Na observação das recentes aquisições e se utilizando do índice de Herfindahl–Hirschman (HHI), cálculo normalmente se aplica ao percentual de participação da demanda, no caso movimentação, mas para esta análise calculou-se dados em 3 grupos: recorte geográfico para o Brasil, e para os ranges Norte Nordeste (N/NE) e Sul Sudeste (S/SE), recorte do capacity share e para demanda com a média de movimentação de 2021 a 2023, e sob o terceiro ângulo de cada terminal e do conjuntos de terminais sob a mesma participação acionária. Ponto importante é que não se tem o dado de movimentação por armador, p.ex. navios da CMA CGM operados em Navegantes (TIL/MSC) estão computados no terminal, ou seja, nesta análise o olhar está para o terminal, e não para a navegação. Mesmo entendendo que o objetivo é olhar o efeito da verticalização no mercado de container. Os resultados são:
Lembrando que a escala do índice de Herfindahl–Hirschman varia de 0 a 1, sendo até 0.15 para mercado altamente concorrenciais, de 0.15 a 0.25 moderadamente concorrencial e acima de 0.25 mercados concentrados chegando a 1 que traduz o monopólio daquele segmento.
Da tabela pode-se concluir algumas assertivas, a classificação de moderadamente concentrado na maior parte dos recortes se alinha com o perfil do setor. Os grupos controladores estão presentes nacionalmente o que converge para o nível de regionalismo da demanda. O mercado só se apresenta altamente concorrencial na dimensão do terminal, sendo que no N/NE volta para a escala moderada o que converge com o menor número de terminais. O único indicado que rompe a barreira de 0.2 mesmo se mantendo como moderado é o recorte de movimentação por grupo acionário o que pode ser explicado pela combinação de terminais gateway e concentração da demanda brasileira nestes portos.
E, em meio a estes achados e às críticas quanto à concentração, muitas vezes, partindo dos terminais chamados “bandeira branca”, expressão brasileira para os não verticalizados, o que de fato é importante se restringe aos preços praticados no setor portuário e ao respectivo nível de serviço (SLA – Service Level Agreement). A relação preço – nível de serviço precisa estar coerente. No mercado perfeito, ambos andam juntos se diferenciando com oferta e demanda. Num mercado de moderada concentração e verticalizado, qual a correlação lógica para preço e SLA serem critérios de decisão e de ter opção para se escolher uma solução logística como second best e poder negociar (preço e SLA).
O desafio para os órgãos reguladores (Antaq e Cade) reside em encontrar a fórmula de monitorar o nível de serviço (real e não declarado) e preços (não é uma tarifa pública e sim um serviço privado) de forma comparativa. P.ex. qual a distribuição das motivações das omissões e dos atrasos? É fato que uma empresa em qualquer atividade vai otimizar o ciclo do serviço a fim de maximizar receita e reduzir custos, mas se não deve deteriorar o nível de serviço da sua carteira de clientes. Dos conceitos mais básicos de economia o mercado sempre se regula, mas num mercado global, verticalizado e de capital intensivo como fica servido o pequeno cliente?
O desafio de quem estuda o setor é propor autópsias dos dados do mercado, portuário e navegação, propondo métricas para analisar e interpretar os movimentos do mercado. E não, de forma prematura, antecipar pesadelos do mercado perfeito. Indicadores de demurrage, detention e prestack, índices de geoconcentração de mercado, pesquisas independentes junto aos freight fowarders e clientes finais, são bons instrumentos para esta interpretação.
Que venham mais aquisições, leilões, adensamentos e ampliações de capacidade de forma sustentada, quem venham investimentos, pois navigare necesse est, mas com portos seguros e com capacidade.
Casemiro Tércio Carvalho é engenheiro naval pela Poli-USP, professor e sócio da 4 Infra. Foi CEO dos Portos de Santos e São Sebastião, Diretor Geral da Hidrovia Tietê Paraná. Atua também como conselheiro de administração em portos.