A Nova Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (IN RFB) 2.161, publicada no Diário Oficial da União de 29 de setembro de 2023 disciplinou as tão aguardadas mudanças trazidas pela Lei 14.596/22, resultante da Medida Provisória 1.152/22, tratadas como o “Novo marco legal para a matéria de preços de transferência no Brasil”, e que introduziram as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, consubstanciadas no relatório intitulado "OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises And Tax Administration 2022" ao ordenamento jurídico brasileiro.
Além das consequências diretas na apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), estas novas disposições também trarão grandes impactos na forma como as empresas brasileiras se relacionam com suas coligadas no exterior, bem como sobre a forma como ocorre a precificação das mercadorias nas operações de importação (Valoração Aduaneira – VA) e, consequentemente, na sua tributação.
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Isso porque, apesar de se tratarem de legislações distintas, os conceitos de Preço de Transferência (TP) e de Valoração Aduaneira (VA) possuem uma característica comum: a busca pela equiparação das operações realizadas entre partes relacionadas com o as realizadas entre empresas independentes. Enquanto a legislação do TP estipula métodos de comparação entre o preço praticado intercompany com o preço de mercado para fins de limitação da dedutibilidade no país de destino e consequente aumento da base de cálculo para IRPJ e CSLL, a legislação de VA busca equiparar uma importação realizada intercompany a uma operação entre partes não relacionadas de forma a garantir que a importação, e a consequente tributação de Imposto de Importação, PIS, COFINS e IPI, seja compatível com o valor de mercado.
A legislação aduaneira já prevê que o “Valor da Transação” realizado entre partes relacionadas será desconsiderado se a vinculação existente entre as partes tiver influenciado no preço praticado, cabendo ao importador comprovar que a vinculação não afetou o preço. Dentre as formas que a autoridade aduaneira dispõe para verificar se a vinculação afetou o preço está a apuração de Preços de Transferência. Exemplo: se a informação prestada pelo contribuinte em sua apuração de TP acerca do custo de produção de uma determinada mercadoria indicar que seu valor foi superior ao Valor Aduaneiro indicado na Declaração de Importação da mesma mercadoria, a fiscalização poderá concluir que o preço praticado na importação foi inferior ao de mercado e, portanto, que houve influência da vinculação entre as empresas naquele preço, o que levará a um possível arbitramento do valor da importação pela fiscalização, bem como a cobrança da diferença dos tributos, acrescida de multa, juros, além da multa por “informação inexata”.
Considerando que a IN RFB 2.090/22 já previa expressamente a possibilidade de a autoridade aduaneira utilizar as informações de TP para concluir que a vinculação entre as partes afetou o valor aduaneiro, a nova IN reforça a necessidade de as empresas revisarem os contratos e negociações intercompany com um critério muito mais rigoroso para aferir se as aquisições de partes relacionadas são compatíveis com o valor de mercado. Caso não sejam, a RFB disporá de muito mais elementos para questionar e autuar as importações realizadas.
Importante mencionar que o Art. 51 da nova IN dispõe expressamente que a realização dos ajustes espontâneos ou compensatórios (no TP) não implicará automaticamente a realização de ajustes na base de cálculo de outros tributos, contudo, isso em nada altera a necessidade de revisão das políticas internas de aquisição junto às coligadas no exterior. A ausência de ajuste automático na base de cálculo dos demais tributos não impede que as informações utilizadas na apuração do TP (e não somente eventuais ajustes) sejam consideradas para fins de questionamento de outras operações. Sendo assim, recomenda-se cautela na interpretação do Art. 51, pois a sua redação pode dar a falsa impressão que as informações enviadas não serão utilizadas para outras finalidades além do IRPJ e da CSLL, o que não é o caso.
Em linhas gerais IN se aproxima muito do AVA nos seguintes sentidos:
Leva em consideração fatores como as características da negociação, estrutura das empresas, condições contratuais formais ou não, cooperações funcionais, estratégias de negócio dentre muitas outras, para concluir em que medida a vinculação entre as partes afeta a relação entre elas (“arm’slength”). Na prática, o conceito ficou muito mais amplo e demonstrável através de situações empíricas, legais ou documentais, o que torna muito mais evidente as afetações nas importações;
Prevê que os métodos de ajuste de TP buscam aproximar o valor da transação praticado e o valor de mercado da operação, tal como ocorre no VA. Anteriormente, os métodos estipulavam premissas e margens que não eram coerentes com as reais práticas de mercado;
Atribui-se ao contribuinte a responsabilidade pela demonstração do grau de influência da vinculação nos preços praticados, sendo necessário a manutenção e revisão dos contratos, condições de negociação e de preços;
O método de cálculo utilizado pelo contribuinte deve ser o mais adequado para comparação das condições com partes não relacionadas, e não o que lhe gere menor necessidade de ajuste.
Sendo assim, denota-se que a nova IN trouxe maior convergência entre os conceitos e parâmetros de TP com a legislação que rege a Valoração Aduaneira, o que possibilitará à fiscalização aduaneira constatar mais facilmente os desvios nos preços praticados na importação, reforçando a necessidade das empresas revisarem suas políticas de aquisição junto às coligadas no exterior de forma a demonstrar que o preço praticado se aproxima do valor de mercado ou, caso constatadas divergências, que sejam justificáveis por outras situações que não a vinculação entre as partes.
João Paulo Toledo de Rezende é coordenador da área aduaneira contenciosa do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados