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Artigo - Portos brasileiros e o desafio de equilibrar turismo e logística de cargas

Caso do Porto de Santos exemplifica como a coexistência entre turismo e transporte de cargas exige planejamento integrado e governança descentralizada

 


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Um dos setores mais afetados pela pandemia, tanto no Brasil quanto globalmente, o turismo de cruzeiro tem apresentado uma recuperação notável. No ano passado, 31,7 milhões de pessoas cruzaram os litorais de todo o mundo a bordo de navios, o que representou um aumento de 7% em relação a 2019. As costas brasileiras receberam quase 800 mil cruzeiristas no período, o que se refletiu num incremento de 30% e mais de R$ 5 bilhões injetados na economia, superando o volume pré-pandêmico.

Esse resultado coloca o Brasil entre os dez principais mercados internacionais, à frente de Espanha e Itália. A rápida recuperação tem sido interpretada por lideranças do segmento como um indicativo para uma franca expansão, uma vez que o país não conta com cruzeiros durante todo o ano. Mas é nesse ponto que a logística de transportes acende um alerta.

Para a ponderação acerca das inter-relações entre as movimentações de cargas e o turismo, o Porto de Santos, em São Paulo, pode ser o melhor exemplo para uma reflexão sobre alguns dos riscos iminentes nesse segmento. Para deixar ainda mais clara a escolha de recorte, o cenário é o seguinte: o cais santista é o maior da América Latina, sendo responsável por quase 60% dos embarques de turismo no país. O porto também é líder em relação às cargas. Em 2023, movimentou 173 milhões de toneladas, incluindo 5 milhões de TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés), ou seja, quase 30% da corrente de comércio do país.

Em relação ao planejamento urbano e à separação de fluxos, a Autoridade Portuária de Santos (APS) tem investido na implantação do chamado Parque Valongo, em uma área revitalizada do Centro Histórico do município, distinto das operações principais de movimentação de cargas. Nesse planejamento está prevista a transferência do atual terminal de passageiros Concais para a nova área, a fim de concentrar a movimentação de turistas sem afetar diretamente os terminais de cargas.

Uma recente decisão do Ministério de Portos e Aeroportos de dar prosseguimento ao leilão do terminal para contêineres no Porto de Santos (chamado STS 10), previsto para 2025, reforça, justamente, a necessidade de integrar as soluções entre as operações de carga e de passageiros. O projeto pretende aumentar em 50% a capacidade de movimentação de contêineres e inclui a construção de um novo terminal de passageiros na margem direita do porto – no Saboó, para quem conhece a cidade.

Mas será que tais soluções serão suficientes para as intercorrências entre os segmentos, especialmente em períodos de alta demanda?

O fato é que, mesmo sendo ambos os setores cruciais para a economia e tendo apetite para a expansão, há desafios potenciais a serem encarados, a começar pela disputa de espaço e infraestrutura. Embora cargas e turismo operem em terminais distintos, o compartilhamento de vias de acesso, berços de atracação e serviços auxiliares pode gerar sobrecarga, especialmente em períodos de alta demanda.

Para além da área portuária, o tráfego viário também pode ser uma questão problemática. O aumento de veículos de transporte turístico (ônibus, vans e táxis) pode gerar congestionamentos, afetando a circulação de caminhões de carga e prejudicando a eficiência logística. Atualmente, as vias de acesso ao porto, como o Sistema Anchieta-Imigrantes e a Rodovia Cônego Domênico Rangoni, frequentemente enfrentam intensos congestionamentos, impactando a eficiência logística e a experiência dos turistas.

Outro aspecto a ser considerado, observando os compromissos do país com o meio ambiente, diz respeito às emissões de gases poluentes. O aumento do tráfego marítimo e terrestre contribui para a propagação de gases de efeito estufa, exigindo medidas mitigatórias. Navios de cruzeiro também geram grandes volumes de resíduos sólidos e líquidos que precisam ser tratados adequadamente para evitar danos ambientais.

Há ainda a competição por recursos internos, porque durante a temporada de cruzeiros pode haver maior pressão para se alocarem recursos portuários para navios de passageiros, o que pode, eventualmente, comprometer a eficiência no manejo de cargas.

Em Santos, as perdas financeiras atribuídas a gargalos logísticos no porto alcançam cifras alarmantes. Estimativas apontam que esses entraves provocam prejuízos anuais superiores a US$ 21 bilhões no comércio exterior, sobretudo devido a exportações que não são efetivadas. Paralelamente, o projeto para a construção de um novo terminal no Valongo envolve um investimento estimado em R$ 1,4 bilhão, dos quais R$ 662 milhões seriam de responsabilidade do Concais e R$ 748 milhões da Autoridade Portuária. Contudo, permanecem as preocupações sobre a viabilidade econômica do projeto e o potencial de retorno financeiro, considerando-se as demandas e os desafios operacionais do porto.

Essa apreensão do setor também avança sobre a proposta de construção de um novo terminal de granéis sólidos minerais (chamado STS53) na área atualmente ocupada pelo terminal de turismo. Especialistas têm alertado que as obras do STS53 não devem ocorrer até que o novo terminal de passageiros no Valongo esteja concluído, para que não haja conflitos operacionais.

As inquietações são muitas e cabíveis, principalmente da perspectiva da necessidade de um planejamento integrado e da regulação do setor. Sem falar na demanda de altos investimentos para garantir infraestrutura moderna e eficiente, tanto para cargas quanto para turismo. Isso significa que a coexistência natural dos setores exige uma coordenação rigorosa entre terminais, APS e órgãos reguladores, mas sem abrir mão das questões municipais, como ordenamento e diretrizes socioeconômicas regionais.

Em última análise, o caso do Porto de Santos não é um exemplo isolado no país. Outros portos brasileiros estão diante de desafios semelhantes, ainda que em escalas e contextos diferentes. O Porto do Rio de Janeiro, por exemplo, que busca equilibrar o turismo e as operações de carga em uma cidade cuja vocação turística é mundialmente reconhecida, tem uma infraestrutura muito aquém de uma modernização integrada. Já o Porto de Itajaí, em Santa Catarina, tem conseguido explorar o potencial de turismo de cruzeiros de forma crescente, embora com limitações operacionais devido às condições climáticas e ao assoreamento do canal. São alguns exemplos.

Apesar das oportunidades e do potencial dos portos brasileiros, as críticas sobre a centralização das decisões que moldam o setor portuário continuam pertinentes. Grande parte dessas deliberações ocorre em Brasília, local afastado das realidades e demandas dos municípios portuários. Essa desconexão compromete o planejamento integrado, essencial para alinhar o desenvolvimento econômico às necessidades urbanas e regionais.

No caso do Porto de Santos, principal porta de entrada e saída do país, as decisões distantes ignoram muitas vezes as especificidades locais, como os conflitos entre turismo e logística de cargas, a necessidade de infraestrutura viária adequada e a integração socioeconômica. Um modelo de governança que valorize a autonomia regional e o diálogo com lideranças da região pode ser o caminho para transformar os portos brasileiros em motores de desenvolvimento sustentável, competitivos no cenário global e benéficos para as comunidades que os cercam.

 

250124-murillo-de-aragao-divulgacao.jpgMurillo de Aragão é fundador da Arko Advice Pesquisas e da MDA - Murillo de Aragão Advogados e Consultores 






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