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Artigo - Quando o rio baixa, o custo (para todos) sobe!

Desde o início da minha carreira no transporte marítimo de contêineres, no começo dos anos 2000, percebo que a seca no rio Amazonas sempre foi tema central entre os profissionais do setor nesta época do ano. Nos últimos anos, porém, essa preocupação ganhou ainda mais força, acompanhando a intensificação tanto das grandes secas quanto das grandes cheias na região – ainda que as cheias não afetem tão duramente a operação dos navios quanto as secas.

Especialistas e autoridades vêm demostrando de maneira bastante embasada que esses fenômenos estão diretamente ligados ao regime de chuvas, fortemente influenciado por fatores climáticos globais. Nos anos de La Niña (resfriamento do Pacífico), as chuvas na Amazônia se intensificam e podem provocar cheias recordes, enquanto em anos sob a influência do El Niño (aquecimento anormal das águas do Pacífico), há redução da umidade e atraso no início das chuvas na bacia amazônica, favorecendo longos períodos de estiagem. Soma-se a isso o alerta de cientistas para o impacto do desmatamento e das mudanças no uso do solo, que reduzem a evapotranspiração da floresta, diminuindo a umidade na atmosfera e agravando os períodos de seca.


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Os últimos quatro anos ilustram bem esse cenário de extremos. Em 2021, o Rio Negro atingiu em Manaus sua maior cota histórica (30,02 metros). Já em 2023 e 2024 ocorreram as duas piores secas desde 1902, com níveis de apenas 12,70 e 12,13 metros no mesmo local. Em outras palavras, em três dos últimos quatro anos vivemos os maiores extremos hídricos registrados em 122 anos na bacia do Amazonas — o que ajuda a explicar por que esse tema tem ganhado cada vez mais destaque.

Impacto na movimentação de contêineres

O Rio Amazonas é, de longe, a principal via de acesso à Manaus, essencial tanto para escoar a produção e receber insumos da Zona Franca de Manaus quanto para abastecer a população local, atualmente em torno de 2,3 milhões de pessoas. Por essa rota saem produtos como motocicletas, aparelhos de ar-condicionado e televisores, enquanto chegam itens de higiene, limpeza e alimentos que não são produzidos na região Norte, como o arroz proveniente do Rio Grande do Sul. Hoje, Manaus recebe semanalmente seis navios porta-contêineres (quatro de cabotagem e dois feeders conectados ao Panamá), com uma frota total de 24 embarcações com capacidade entre 2.800teu e 3.800teu.

Esses navios precisam de um calado entre 12 e 12,5 metros para operar com plena capacidade, o que já não é possível na barra norte da foz do Rio Amazonas, limitada a 11,5 metros. Contudo, as restrições mais severas ocorrem no trecho de 270 km entre Manaus e Itacoatiara (Foz do Rio Madeira, Fazendinha e Tabocal). Em períodos de seca extrema, como em 2023 e 2024, a profundidade nesse segmento do rio chega a menos de 8 metros, impedindo que a hélice das embarcações fique submersa, o que inviabiliza a navegação.

Para entender melhor o impacto das restrições de calado, imagine um navio com capacidade nominal de 3.400 TEUs. Na prática, esse navio pode transportar até 34 mil toneladas de carga, o que equivale a cerca de 2.125 TEUs, considerando o peso médio de 16 toneladas por contêiner destinado a Manaus.

Em condições normais, ou seja, fora do período de seca, essa embarcação só conseguiria atravessar a barra norte com até 32 mil toneladas (cerca de 2.000 TEUs), devido à mencionada limitação de calado de 11,5 metros na foz do Rio Amazonas. Agora, se considerarmos um cenário mais crítico, como quando o calado máximo entre Manaus e Itacoatiara fica limitado a 8,5 metros, a capacidade de transporte desse mesmo navio despenca para 18 mil toneladas (aproximadamente 1.125 TEUs). Em outras palavras, quase a metade da capacidade real do navio fica inutilizada.

 01-variacao-capacidade-navio-fonte-solve-shipping.pngPortanto, para as companhias de navegação, a seca representa um enorme desafio:

  • Redução na Capacidade: Quanto menor o aproveitamento da capacidade, menor a receita por viagem;
  • Risco operacional: A navegação em trechos mais rasos demanda manobras por vezes arriscadas, velocidades reduzidas e maior dependência de práticos e rebocadores para minimizar as chances de um encalhe, aumentando os custos da viagem;
  • Falta de previsibilidade: A incerteza sobre a velocidade da queda e da retomada dos níveis do rio dificulta o planejamento da capacidade efetiva dos navios, o que por vezes afeta as relações comerciais e sacrifica a rentabilidade da operação.

Já para os embarcadores as preocupações são outras, mas não menos relevantes:

  • Atrasos e incerteza: O aumento no tempo de trânsito das cargas afeta compromissos comerciais, os custos de inventário, o capital de giro e, consequentemente a rentabilidade das empresas;
  • Frete mais caro: Quando o navio transporta menos contêineres, o frete tende a subir, tornando a logística uma rubrica mais onerosa na composição do custo final dos produtos;
  • Previsibilidade comprometida: O dono da carga depende de previsibilidade para programar a produção, as estratégias de venda e, claro, planejar das entregas.

O gráfico a seguir, que apresenta a evolução da movimentação de contêineres em Manaus desde 2020, além de um crescimento expressivo do mercado no último ano também revela um dado curioso: em 2024, mesmo com a seca mais severa da história, os volumes não despencaram tanto no auge do período crítico quanto em 2023, quando houve uma paralisação quase que total das operações de contêiner em Manaus durante nos meses de outubro e novembro.

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Isso se explica por duas estratégias importantes. A primeira foi a decisão dos embarcadores (Indústrias e comércio) de antecipar a formação de estoques de matérias-primas e avançar seus estoques de produtos acabados entre junho e agosto de 2024. A segunda foi a iniciativa dos terminais portuários de Manaus – em parceria com os armadores e contando com um apoio crucial das autoridades (Marinha, Antaq, RFB e SEFAZ) – de avançar seus píers até Itacoatiara, permitindo que os contêineres fossem transbordados entre navios e barcaças capazes de atravessar os trechos mais rasos do rio. Graças a essas medidas, a movimentação de contêineres em Manaus registrou um crescimento expressivo de 21,3% exatamente no ano da pior seca do rio: 2024.

Essa performance de 2024 deixa claro que a melhor – senão a única – solução para enfrentar esses momentos de seca prolongada no Rio Amazonas é uma ação coordenada entre os entes públicos e privados, visando entender o problema, construir soluções, ratear os custos e proporcionar previsibilidade.

Perspectivas para 2025

O Governo Federal já investiu cerca de R$ 100 milhões em dragagens emergenciais na bacia do Rio Amazonas e firmou um contrato de cinco anos, no valor de R$ 400 milhões, para a dragagem de manutenção. A intervenção nos pontos mais críticos — entre a foz do rio Madeira e o Tabocal — estava prevista para ser retomada em setembro de 2025, mas aparentemente ainda não foi iniciada. De qualquer maneira, especialistas apontam que os contratos atuais têm como foco principal a segurança da navegação, com a remoção de trechos considerados perigosos, e não um aprofundamento estrutural do canal visando assegurar o tráfego pleno durante as secas. Entre as soluções mencionadas por esses especialistas está a construção de uma barragem móvel.

Em 2025, a região felizmente está sob influência do fenômeno La Niña, o que tem favorecido o regime de chuvas. Em Manaus, o nível do rio Negro está cerca de nove metros acima do registrado no mesmo período do ano passado, portanto dentro da média histórica. O período da cheia, ocorrido entre junho e julho, foi considerado dentro dos padrões e a expectativa é de que a próxima vazante, prevista para outubro e novembro, também não seja de secas extremas, conforme demonstrado no gráfico abaixo que faz parte do boletim hidrológico do Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM).

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Com esse cenário, os terminais já anunciaram que não pretendem estender novamente seus píeres até Itacoatiara (a menos que o cenário mude totalmente) e os números confirmam que a indústria e o comércio repetiram a estratégia do ano passado: anteciparam o recebimento de insumos e já deslocaram boa parte dos estoques de produtos acabados para outras regiões (resultando em um incremento de volume de 23% em Manaus no segundo trimestre de 2025).

Ainda assim, os armadores já começaram a anunciar as conhecidas “taxas da seca”, uma vez que o calado a partir de Itacoatiara já começa a impor restrições à capacidade dos navios.

Em outras palavras, as secas na bacia amazônica são recorrentes e continuarão a acontecer, em maior ou menor intensidade. O que se percebe é que, com o crescimento da produção e do consumo em Manaus, o transporte marítimo de contêineres na região está cada vez mais exposto a eventos climáticos extremos — assunto que, inclusive, estará em pauta na próxima COP30, em Belém.

Estamos lidando com um fenômeno da natureza, imprevisível e fora do controle humano, que gera impactos relevantes e só pode ser enfrentado com muito diálogo, maturidade e cooperação entre todos os envolvidos. Até que o rio Amazonas passe a ser de fato uma hidrovia, e não apenas um lindo e imponente rio navegável, o armador continuará enfrentando custos maiores e mais riscos operacionais, enquanto o dono da carga verá sua previsibilidade e competitividade ameaçadas.



Leandro Carelli Barreto é sócio-diretor da Solve Shipping Inteligence241003-leandro-barreto-solve-shipping.jpg






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