O Dia Internacional da Mulher é uma data que, particularmente, merece mais reflexão do que comemoração. A data não foi criada para ampliar as vendas do comércio (que me perdoem as floriculturas), mas para diminuir lacunas históricas entre homens e mulheres na vida social, na política, no mercado de trabalho — e todas elas fundamentadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Ao longo de mais de uma década, o mundo evoluiu nesse aspecto. Políticas públicas voltadas à equidade de gênero vêm sendo discutidas e implementadas ao redor do mundo, mesmo porque as questões ambientais, sociais e de governança passaram a ser consideradas essenciais nas análises de riscos e nas decisões de investimentos, colocando forte pressão sobre o setor empresarial.
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A incorporação do conceito de sustentabilidade (os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da ONU) nas empresas tem impulsionado a promoção de práticas voltadas para a valorização da diversidade, cidadania e bem-estar das trabalhadoras e incentivado também práticas de equidade. Mas ainda há muito o que fazer e esse é o objetivo principal desta discussão.
Desde 2015, as consultorias Mc Kinsey & Company e LeanIn.Org apresentam anualmente o Women in the Workplace, um estudo para ajudar as empresas a promover a diversidade no ambiente de trabalho. De lá para cá, cerca de 600 empresas já participaram do estudo e mais de 250 mil pessoas foram entrevistadas sobre suas experiências de trabalho. No cômputo geral, o estudo afirma que a diferença entre homens e mulheres está no patamar de 53% versus 47% para os trabalhadores de primeiro nível, ou seja, os entrantes. Essa desigualdade cresce conforme eleva-se o nível do cargo, atingindo o percentual de 78% versus 22% para o nível liderança sênior.
O número de mulheres em cargo de liderança sênior vem crescendo desde 2015, passando de 17% em 2015 para 21% em 2019. O maior obstáculo que as mulheres enfrentam no caminho para a liderança sênior está no primeiro degrau de contratação até a chefia. Para cada 100 homens promovidos e admitidos a gerente, apenas 72 mulheres são promovidas ou contratadas para qualquer cargo. Segundo o estudo, as grandes corporações já perceberam resultados operacionais e financeiros bem-sucedidos ao avançarem na contratação de mulheres, embora elas continuem sub-representadas em todos os níveis. Ainda que os números sejam bons, o estudo da McKinsey pesquisou empresas situadas apenas nos Estados Unidos e Canadá.
Já a OIT (Organização Internacional do Trabalho) organizou uma pesquisa1 com cerca de 13 mil empresas em 70 países e constatou que cerca de seis em cada dez concordam que a equidade de gênero melhorou seus negócios, com ganhos em criatividade, inovação e reputação. Já em termos de rentabilidade, quase 3/4 delas relataram aumentos de 5 a 20%, enquanto a maioria teve um crescimento de 10 a 15%. Todavia, o relatório da OIT alerta que em menos de 1/3 dos Conselhos de Administração dessas empresas a participação de mulheres chega a pelo menos 30%.
A região da América Latina e Caribe alcançou patamar de 72% de sua lacuna de gênero, conforme os dados contidos no relatório Global Gender Gap Report apresentados no WEF – World Economic Forum 2020. Embora tenha avançando 1 ponto percentual desde o ano anterior, nesse ritmo o mundo levará 59 anos para fechar a lacuna de gênero.
O Brasil ocupa atualmente 92ª posição num total de 153 países, com uma pontuação geral de 69%, tendo uma das maiores lacunas de equidade gênero da América Latina, ocupando a 22ª posição entre 25 países da Região. O Brasil alcançou a equidade de gênero nos setores de educação e saúde. No setor de bens e serviços a lacuna permanece grande. A baixa taxa de participação feminina na força de trabalho, combinada com salários e renda menores, pesam sobre o desempenho do país neste subíndice.
No setor marítimo mundial as mulheres representam apenas 2% dos 1,2 milhão de marítimos do mundo e 94% das mulheres marítimas trabalham na indústria de cruzeiros. Esses são os dados da IMO (International Maritime Organization), que tem feito um esforço concentrado para ajudar a indústria marítima por meio de seu programa Mulheres no Mar, sob o lema: Training-Visibility-Recognition. A IMO está empenhada em ajudar seus Estados Membros a cumprir a Agenda 2030 da ONU para alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável, particularmente o Objetivo 5 que é alcançar a igualdade de gênero e capacitar todas as mulheres e meninas. No último dia 12 de fevereiro de 2021, O Comitê de Cooperação Técnica da IMO, na sua 69ª sessão, divulgou a Resolução A.1147(31), um estudo em conjunto com a Women's International Shipping & Trading Association (WISTA International), para coletar e analisar dados sobre o número de mulheres empregadas no setor marítimo, um resultado prático fundamental resultante do tema marítimo mundial de 2019 "Empoderando as mulheres na comunidade marítima".
Segundo a Unctad2, a América Latina e Caribe possui a menor participação percentual de mulheres nas operações marítimas e portuárias se comparada ao mundo. O número de mulheres não chega a 14% do total de trabalhadores. A comunidade marítima é diversa e isto inclui militares, civis, indústria de construção, academia, governo, empresas de offshore (óleo e gás), além da indústria ligada a portos, a logística, as trading companies e agências marítimas, entre outras.
As estatísticas, quando existem, são alarmantes (ou são alarmantes porque não existem). Dados extraídos do Mapping Women’s Presence and Importance in the Brazilian Maritime Community escrito por FEODRIPE, et all; 2019 mostram que dos 613 práticos habilitados apenas 13 são mulheres; no Tribunal Marítimo, dos sete juízes uma é mulher. Em 17 anos (2001-18), a Escola de Formação de Oficiais de Marinha Mercante, a EFOMM, formou 880 mulheres do total de 3.062 oficiais. Na Marinha do Brasil, as mulheres representam 11% do total do corpo militar. E de um total de 125 almirantes, apenas duas são mulheres.
No setor portuário os números são desconhecidos, ou na melhor das hipóteses fragmentados em vários bancos de dados que se alimentam de informações dúbias. Estima-se que as mulheres nas operações portuárias representam 1% do total. Oxalá esse número esteja errado!
Exemplos significativos devem servir de benchmarking. O porto de Auckland (Nova Zelândia) passou a ser o mais produtivo entre o período de 2011 para 2015, fornecendo um retorno líquido de 12% aos acionistas. Isso foi resultado de forte política de inclusão e processos de tecnologia na qual as mulheres lideram com o aumento da produtividade em 14% (mas, é Auckland, né!).
No Brasil a Emap (Empresa Maranhense de Administração Portuária) possui a 36% de cargos do total de trabalhadores ocupados por mulheres. Nos cargos de gestão, 48%. A área campeã em ocupação feminina é a Diretoria de Planejamento Desenvolvimento, com 65% dos cargos. Na Engenharia, 24% e pasmem, na espinha dorsal da empresa, a Diretoria de Administração e Finanças, elas são 50%. Parabéns Emap, lesson learned!
Medidas devem ser tomadas para a criação de um diagnóstico correto, pois a comunidade marítima e portuária tem no cerne a masculinidade, o que requer da mulher estratégias para manter-se neste ambiente, razão pela qual a válvula de escape são as elevadas qualificações profissionais. Para um setor (portuário/marítimo) que tem por essência a participação internacional, nós ainda estamos muito aquém da equidade de gênero. É comum ainda nos dias de hoje identificar símbolos de mercado e executivos que reforçam a submissão do poder, limitando muito mais do que ajudando a dirimir as diferenças. Quando se pensa nas relações de poder, logo nos deparamos com os aspectos hierárquicos. As empresas não podem adotar apenas o discurso da equidade, devem engajar-se corretamente para tratar da segregação existente entre homens e mulheres, basta verificar a quantidade de eventos técnicos/políticos onde a menor parcela de representantes são mulheres. A bem da verdade, o que se percebe é que, tanto os homens como mulheres ainda não sabem lidar com o assunto. É preciso senso crítico!
Atualmente, podemos encontrar diversos grupos formados por mulheres que apoiam as causas da equidade e da diversidade de gênero por toda comunidade marítima/portuária no mundo e no Brasil. Dentre elas, a Wista Brazil, capitulo brasileiro da Wista International, que por sua vez tem status consultivo da IMO, que tomou a iniciativa de enviar em 1º de março de 2021 um ofício para a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) solicitando, com base na Resolução IMO A.1147(31), dados sobre gênero, idade, cargo, qualificação profissional dos setores marítimo e portuário. Esses dados serão o pontapé inicial para dar início às políticas públicas de equidade e diversidade de gênero no setor.
Além do ofício, outras ações já estão em curso há algum tempo na Wista, como o trabalho de mentoria, formação de grupos de pesquisa, eventos on-line, networking profissional e, em breve, o lançamento do comitê de diversidade.
Segundo a OCDE3 (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o investimento nas mulheres impulsiona o desenvolvimento econômico, a competitividade, a criação de empregos e o PIB. A organização estima que, em média, uma redução de 50% na diferença de gênero levaria a um ganho adicional no PIB de cerca de 6% até 2030. Ainda que isso seja uma constatação, é uma pena que esta realidade esteja sendo vista pela ótica do “proftability” e não pela ótica da equidade especificamente.
Para ajudar as empresas, a consultoria Mc Kinsey sugere cinco passos para dirimir o gap da equidade de gênero, sendo eles: (a) criação de metas para obter mais mulheres na gestão de primeiro nível e consequente ascensão na carreira; (b) exigir uma lista ampla com participação de mulheres para cargos de liderança sênior; (c) treinar os avaliadores (RH) para entender e diminuir preconceitos inconscientes; (d) estabelecer salvaguardas adicionais para encorajar avaliações justas e imparciais; (e) estabelecer treinamentos de liderança e suporte para atribuições de alto nível gerencial.
Sugestões são como atracações de navio, cada porto uma maré diferente. Mas atracar é fato e, portanto, precisamos agir! Por fim, (já relembrando o início do texto), o dia da mulher não deve ser uma data certa, em espaços reservados e temas definidos. O Dia Interacional da Mulher, claro que é maravilhoso, mas no restante dos 11 meses e 29 dias as mulheres estão evolvidas em: políticas públicas, navegação, meio ambiente, água de lastro, manobrabilidade, concessões públicas, extração de óleo e gás, regulação, gestão de operação, qualificação do trabalho marítimo /portuário, relação porto-cidade, cabotagem, obras de infraestrutura, planejamento, etc. Esses assuntos não têm data, só precisam de “pessoas” qualificadas e, neste quesito, sobram mulheres.
O maior empreendimento do setor para alcançar a equidade, particularmente, ainda é a mudança cultural. Tenho fé, chegaremos lá.
1. (ver: https://news.un.org/en/story/2019/05/103895)
2. Todo ano a UNCTAD publica a REVIEW OF MARITIME TRANSPORT. A edição de 2020 pag. 91, encontram-se os números sobre gênero.
3. (http://www.oecd.org/gender/push-gender-equality-economic-sense.htm)
Luciana Cardoso Guerise é diretora executiva da ATP – Associação de Terminais Portuários Privados, vice-presidente da Wista Brasil, professora. mestre em Gestão de Negócios Portuários (Unisantos) e pós-graduada lato-sensu em Relações Institucionais (IBMEC-DF), entre outras. Autora do livro infanto-juvenil Porto que te quero perto: Uma história para contar!