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O Frete, cai, sobe ou fica parado? - por Larry Carvalho

Sem dúvidas essa é a pergunta de um milhão de dólares que recebo diariamente. Pergunta capciosa e que possui inúmeras variáveis.

A grande verdade é que qualquer previsão nesse sentido é imprecisa. Afinal, estamos em um momento nunca antes vivido na história da humanidade. Portanto, qualquer previsão será sem qualquer método empírico de dados ou experiência prévia.


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Para se ter noção, desde o início da utilização de contêineres no shipping, o mercado nunca havia chegado ao patamar que chegou. Hoje no rate spot já é possível identificar frete de 20.000 USD por FEU (Ásia/Europa), enquanto que em 2015/2016 o frete spot girava em 200/300 USD per teu na mesma rota.

Por mais de uma década, os ursos dominavam o mercado de contêineres e o cenário foi de fretes baixos. E, assim, para reduzir os custos unitários por box, os grandes armadores passaram a apostar e investir em navios cada vez maiores e mais novos, permitindo um ganho de economia em escala em um mercado extremamente competitivo.

O problema é que os navios antigos não foram para corte, causando um descompasso na oferta de navios, permanecendo um excesso de capacidade, consequentemente, reduzindo os fretes.

Enquanto, hoje, temos um problema distinto, concentrado no excesso de demanda por transporte, descompassado com a oferta de frota. E agora, o "touro" domina o mercado de frete.

Quando se pensa em Shipping, pouco se pensa em Economia. Entretanto, a indústria do shipping é o sangue vital da economia global e continua a ser um grande termômetro do crescimento econômico global, em virtude do seu papel importante no comércio internacional. Estando sempre correlacionado com a função de oferta e demanda cíclicas do comércio internacional.

A menos que em circunstâncias extraordinárias, a demanda por transporte marítimo é impulsionada pelo crescimento econômico global. Vale destacar que, sem a indústria marítima - dita responsável por cerca de 80% do comércio mundial, o comércio internacional simplesmente não seria possível

Assim, o problema de alta do frete marítimo efetivamente pode ser considerado uma "tempestade perfeita", pois é resultado de um efeito dominó, ou seja, uma sequência de problemas, causas e efeitos que resultaram nesse grande problema no setor.

As altas taxas de frete de contêineres são impulsionadas pela falta de boxes e espaço, que por sua vez são impulsionadas por uma confluência sem precedentes da demanda dos EUA por frete (devido a nova realidade do Supply Chain). De outro lado, temos a interrupções no lado da oferta: congestionamento dos principais portos, trabalhadores portuários e marítimos infectados por COVID, resultando em quarentena em navios e em portos/terminais (Yantian). Além disso, a bruxa parece que está solta no Shipping, portanto, temos embarcações encalhadas, embarcações retidas devido a quarentenas. Além de todo o recente desafio de embarcações ficando presas em canais, derrubando contêineres no mar ou pegando fogo.

O descompasso está atrelado à Covid e aos diversos planos de alívio econômico e de fomento ao crédito, inundando os mercados internacionais com liquidez como forma de alavancar a economia. E isso, funcionou. As grandes nações têm demonstrado enorme crescimento no PIB. Exemplo é a China que noticiou um aumento de 18% do seu PIB no Q1, resultando na necessidade cada vez maior de commodities. E a economica Americana, que demonstra um claro aumento do consumo e, com isso, o aumento da demanda de produtos importados da China.

Entretanto, enquanto a demanda cresce meteoricamente (conforme noticiado pelos índices internacionais) a oferta de navios se mantém. E a oferta de navios não é algo que consiga ser suprida em curto prazo, visto que demanda a construção de frota em estaleiro, levando alguns anos a serem entregues. E assim, novamente, regulando a oferta-demanda no shipping.

A pandemia de Covid-19 causou imensas restrições ao comércio ao longo da cadeia de abastecimento global, como sentido em Yantian, Los Angeles e muitos outros portos. A lentidão dos terminais está causando ineficiências ao longo das conexões intermodais, fazendo com que viagens fiquem até 20% mais longas, e assim, demorando o reposicionamento de contêineres vazios.

Terminais de contêineres no mercado americano que demonstram menor produtividade e maior tempo para devolução de contêineres vazios, em virtude da menor mão de obra portuária. Recentemente foi noticiado que navios estão aguardando uma a duas semanas para atracar em terminais em Los Angeles e Long Beach, alguns chegando há três semanas. O que antes eram janelas de horas, hoje ocupam semanas. Armadores liners vem reportando uma redução de sua capacidade em até 20% em virtude da baixa operacionalidade e blank sailings.

E como dito anteriormente, tudo isso acontece como num efeito dominó. Exatamente pelo congestionamento e quebra de Supply Chain, simplesmente acabou-se o sonho do estoque "Just in Time". Empresas cada vez mais estão tendo que contar com grandes estoques para que não ocorram faltas, em virtude de possíveis atrasos na logística. Principalmente, em virtude da nova mentalidade do e-commerce de entrega da mercadoria no mesmo dia ou no dia seguinte ao consumidor.

E, assim, o problema se agrava, pois as grandes varejistas antecipam e avolumam suas compras, aumentando cada vez mais o estoque, resultando em um congestionamento ainda maior. Causando uma eterna ciranda.

Para se ter noção, em período pré-Covid de janeiro a maio de 2019, Los Angeles / Long Beach movimentou em média 14,9 porta-contêineres por dia, incluindo aqueles atracados e fundeados. Enquanto que do dia 1º de janeiro a 25 de maio de 2021, a média é de 53,9 navios por dia. Ou seja, 3,6 vezes os níveis pré-COVID.

Na Europa os terminais permanecem congestionados, em virtude do represamento e consequências do Ever Given. Enquanto que na China temos terminais sendo fechados em virtude da Covid. Na última semana foram reportados mais de 330 navios de container fundeados, coisa nunca antes vista.

Isso tudo, atrapalha o reposicionamento de contêineres vazios, além de tornar viagens mais lentas, muitas vezes tendo que ser necessário desviar toda a rota de contêineres e navios que ordinariamente utilizariam importantes polos portuários.

A situação do Porto de Yantian já representa quase o dobro do represamento de contêineres ocasionado pelo encalhe do Ever Given. Especialistas afirmam, a possibiliadde de 600.000 teus terem sido impactados pela situação de Yantin. Além de existir aproximadamente 300.000 teu de no pátio do terminal aguardando carregamento para exportação. Em junho desse ano já foi reportado uma demora 42% maior que do ano passado para o transporte de cargas entre Ásia e EUA.

O Porto de Yantian anunciou que retornará a operar de forma integral a partir da madrugada do dia de hoje (24 junho). Os mais otimistas já anunciam uma possível redução no patamar do frete. Porém, será que isso vai realmente acontecer ?

Infelizmente, especialistas reportam que os números otimistas serão de 80 dias para zerarem o "backlog" de contêineres gerado pela redução na operação no Porto de Yantian. Portanto, o problema de falta de boxes ainda deve continuar pelos próximos meses. Consequentemente, é impossível prever como isso deve impactar os valores de frete.

Do outro lado do globo, a Federação Nacional dos Varejistas Americanas mandou uma carta ao Presidente Joe Biden, solicitando uma audiência para tratar de problemas no Supply Chain Global e os impactos para a recuperação da economia americana, visto que o aumento dos fretes vem causando a inviabilidade de economia de muitas atividades, além da falta de produtos nas prateleiras americanas. O Congresso também vem debatendo sobre a possibilidade de ceder maiores poderes aos órgãos reguladores para que possam intervir na situação atual, tendo sido criado um comitê pela Casa Branca para acompanhar a situação atual.

A verdade é que o supply chain continua a viver um período de guerra. E os motivos são diversos. Miopia é achar que o problema é apenas em virtude do Terminal de Yantian.

O "buraco" é mais embaixo e os problemas são diversos. O shipping é considerado como uma das atividades mais globalizadas no mundo. E, assim, o simples bater de asas de um morcego na China pode resultar na falta de contêineres no resto do mundo.

Por isso, quando me perguntam, eu digo, o Frete pode subir, pode baixar ou pode andar de lado! Tudo depende, e nada melhor que um dia após o outro.

Larry CarvalhoLarry Carvalho é advogado e árbitro com vasta experiência em litígios e ênfase em transporte marítimo.






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