Por Marcos Pinto
• Através do Decreto 9.048/2017, o Governo Federal alterou o marco regulatório do setor portuário, com o objetivo de flexibilizar a gestão dos contratos e aumentar a eficiência das operações. As mudanças abrem diversas possibilidades de adequação para os inúmeros terminais arrendados e privados no Brasil, de acordo com suas especificidades, dentro do interesse público e das políticas traçadas para o setor.
A Lei 8.630 de 1993 (1ª Lei dos Portos) foi bem-sucedida em um primeiro momento, ao inserir a iniciativa privada na operação portuária e modificar o papel do Poder Público no setor, permitindo rápido aumento de eficiência e expansão da infraestrutura existente. No entanto, em um segundo momento (e até como consequência do primeiro momento), práticas regulatórias se tornaram cada vez mais rígidas, até o ponto de acarretar em ações contrárias aos princípios do interesse público no setor.
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Com a Lei 12.815 de 2013, houve uma centralização federal de atribuições da gestão portuária, e posteriores normas infralegais expedidas levaram a um recrudescimento da regulação. Muitas das práticas assumidas então se mostraram contrárias à dinâmica natural do setor, em que flexibilidade e velocidade de reação é fundamental, sobretudo em um contexto de constantes transformações(1).
Nos últimos anos, diversos casos de rigidez regulatória que resultaram em custos ao setor (e à sociedade) foram observados no Brasil, como por exemplo:
- Definição de cronograma de investimentos inconsistente: prorrogação antecipada exigindo investimentos imediatos, sem previsão de gatilhos, ainda que não justificados por demanda (ex.: prorrogações com muitos investimentos, em um momento de crise).
- Mal aproveitamento de ativos públicos: lentidão e judicialização de processos licitatórios inviabilizando transferência eficiente ao privado (ex.: Terminal em Barnabé-Santos: abandonado há seis anos, com ativos deteriorando).
- Pouca flexibilidade para prorrogar contratos: previsão de prorrogação de contrato apenas por uma vez forçando investimentos fora do razoável para justificá-la em alguns contratos, acarretando em planos de investimento incompatíveis com a necessidade da demanda e, muitas vezes, com a disponibilidade financeira das empresas.
- Pouca flexibilidade para expansão de área de terminais arrendados: expansões de áreas exigindo comprovação de inviabilidade da área a ser incorporada, e não a vantagem de expansão vis a vis nova licitação.
- Pouca flexibilidade para adaptações simples de contratos de arrendamento: dinâmica exige adaptações céleres, e processos se mostraram inadequados (ex.: ampliação de pequena área para instalar gerador passa por processo moroso e complexo).
- Modelo contratual vigente não permitindo reorganização eficiente da área: dificuldade em reorganizar espaço portuário de modo mais eficiente; falta de segurança jurídica e de flexibilidade, e descasamento de prazos de áreas, impedindo arranjos mais eficientes (ex.: clusters de terminais de líquidos em diversos portos).
- Falta de mecanismo para canalizar capital privado para infraestrutura comum: em meio a restrições orçamentárias e burocráticas do Poder Público, arrendatários e terminais privados não puderam investir em infraestrutura pública mediante descontos e/ou reequilíbrio (ex. Porto de Santos: Dificuldade em realizar dragagem vs. disposição privada em investir).
Nesse sentido, o recém-editado Decreto 9.048/2017 procurou mitigar muitos dos problemas supracitados, abrindo novas possibilidades de adequação dos contratos do setor portuário (apontadas na figura abaixo).
Tais ferramentas, se bem utilizadas, poderão resultar em inúmeros benefícios ao setor. Entende-se que o interesse público será mais bem atendido com uma maior flexibilização de investimentos e rearranjos contratuais, retirando barreiras à evolução natural do setor.
A criação das ferramentas é apenas uma primeira etapa. Caberá ao Poder Público, agora, discipliná-las e utilizá-las de forma coerente, respeitando o interesse público. À iniciativa privada, caberá compreender as possibilidades abertas pelo Decreto e buscar adequar seus contratos da forma mais eficiente possível, dentro do período estipulado no Decreto (180 dias a partir da publicação).
Notas:
(1) O setor portuário é um elo dentro da dinâmica internacional de transporte marítimo, uma indústria que se transforma de maneira incessante em busca de ganhos de escala e especialização, visando diminuir custos e aumentar a eficiência da operação. Isso exige, por exemplo, que os terminais portuários reorganizem suas instalações e as dinâmicas das operações e adequem as instalações de acostagem e equipamentos de cais ao maior porte das embarcações, muitas vezes em um curto período de tempo, sob pena de não conseguirem receber os maiores navios e ficarem excluídos de grande fatia do mercado.
Fontes:
Decreto 9.048/2017; Decreto 8.033/2013.
Marcos Pinto é diretor e presidente da Terrafirma. Bacharel e mestre em Engenharia Naval pela Escola Politécnica da USP. Desenvolveu dois programas de doutoramento, um pelo Massachusetts Institute of Technology, em 1998, e o segundo pela Escola Politécnica, em 2000.