Parte 1
• O Review on Maritime Transport 2026 da United Nations Conference on Trade and Development - Unctad, após a intervenção da OMC na regulação econômica (na defesa da concorrência), por meio de aplicação do GATS (Acordo Geral sobre Comércio de Serviços) no transporte marítimo internacional desde 2017, em decorrência de reclamação feita pelo Brasil, relata algumas informações que constatam o progresso no setor. Além disso, verifica-se o acerto das políticas públicas do Brasil para o mencionado setor, especialmente aquelas do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transportes - Conit - e da Antaq.
PUBLICIDADE
O Relatório Doing Business de 2016, do Banco Mundial, colocava o Brasil em 151ª posição no que se refere ao comércio internacional e em 181ª posição no que tange à carga tributária, em pesquisa realizada em 191 países. Eram posições vergonhosas para um país com o potencial da economia brasileira.
A OMC e as bandeiras de conveniência
A decisão do órgão de solução de controvérsias (OSC) da OMC contra os seus países membros que adotavam as bandeiras de conveniência, prática que cresceu sob a égide da IMO, sempre tratava este problema com a expressão open registry, obrigou tais países (dentre os quais Libéria e Panamá) a extinguir a prática desleal de registro sem vínculo genuíno com o país de registro.
Trata-se de decisão alinhada com o que determina a Convenção de Montego Bay de Direito do Mar. Afinal nem tudo que é lícito é honesto (Non omne quod licet honestum est). Já tive oportunidade de discorrer sobre esse problema no meu livro Marinha Mercante Brasileira, 286 p., publicado em 2014, pela Aduaneiras, com prefácio do Comte. Álvaro José Almeida Junior, Presidente do Centro dos Capitães da Marinha Mercante.
Esta relevante decisão da OMC está alinhada com um dos seus objetivos, qual seja reduzir os custos do comércio internacional – transporte, tendo em vista que em 2016, cerca da 70% da tpb de navios estava registrada em flags of convenience. Com o ingresso da Libéria na OMC, em 16 de julho de 2016, que detinha cerca de 10% da tpb mundial, ampliou-se a importância de tal política.
Chama, ainda, a atenção para a redução da concentração de carga em navios de grande porte e nos três maiores armadores de contêineres (MSC-Maersk-CMA/CGM) que, juntamente, operam cerca de 17,89% do mercado mundial de transporte de contêineres, mesmo com a aquisição da Hamburg Süd (3,3% do mercado) pela Maersk (2016-2017).
Em 2013, o joint das 3 empresas acima (um eufemismo para não citar que se tratava de um cartel) transportava cerca de 43% do transporte mundial, segundo a própria Unctad, o que chamou a atenção dos órgãos reguladores, pressionados por empresas de navegação com frotas menores e usuários de vários países, especialmente EUA, União Europeia e China que, inclusive, não autorizou o joint das três empresas, então chamado de P3.
Impacto no Brasil
Além disso, o relatório da Unctad demonstra o aumento da concorrência no transporte marítimo e a redução de custos para os usuários em torno de 4% em relação ao ano anterior, bem como a entrada de empresas de navegação (novos entrantes), inclusive no Brasil, com a Posidonia, dentre outras.
Esta empresa, que emprega 290 funcionários, sofria barreiras de entrada no mercado, com a edição de Resolução Normativa n. 1/2015 pela Antaq, que, sem estudos técnicos, exigia um limite de tpb para afretamento de navios. Como não havia política de Estado de Marinha Mercante naquele período, a Antaq resolveu criar uma “política de afretamento” que só beneficiava aquelas empresas do “clube”, especialmente as que faziam parte de grupos transnacionais.
O documento ainda mostra o aumento da posição da bandeira brasileira no transporte marítimo em tpb registrada, o que tem aumentado sobremaneira a competitividade dos produtos brasileiros no comércio exterior.
Esse cenário contribuiu para que a fatia do Brasil no comércio exterior aumentasse para 4,3%, enquanto em 2025 era 4,1% e em 2016 era somente 1,0% e estava reduzindo. O nosso país, por exemplo, era a 6ª economia do mundo em 2014 (antes dos escândalos de corrupção) e na década de 1970 tinha uma frota mercante atuante no comércio exterior, com empresas como Lloyd Brasileiro, Netumar, Frota Oceânica e Docenave, nas quais tive oportunidade de tripular navios, dentre outras. Estas empresas foram dizimadas, no caso o Lloyd, pela corrupção e incompetência do governo militar ou pela concorrência desleal de algumas empresas estrangeiras.
Ironicamente, com o avanço da bandeira de (in)conveniência, o Brasil não tinha um navio porta-contêiner no longo curso há doze anos. (Lembre-se que estamos no final de 2026).
A Política de Estado
Atualmente, através de uma política de Estado envolvendo Antaq, Conit, Cade e Ministérios dos Transportes e das Relações Exteriores, o Brasil transporta, em navios de bandeira brasileira, pelo menos de 30% de total de carga nos seus principais fluxos de comércio internacional. É uma grande redução do grau de dependência da nossa economia, que transporte 95% do seu comércio exterior pelo mar, pois uma Marinha Mercante pujante é expressão da soberania do país no âmbito internacional.
A falta de tal política implicava na total dependência dos nossos produtos a alguns armadores transnacionais, que atuavam com práticas abusivas, típicas da indústria de rede, onde a conduta oportunista é a regra em ambiente sem regulação eficaz.
Havia uma verdadeira farra no shipping, onde o frete era irrisório, se comparado ao que se cobrava de preços extra-frete. Inexistia previsibilidade e modicidade, requisitos essenciais para que as 250 mil empresas brasileiras usuárias do transporte marítimo deixassem de ser reféns de práticas e preços abusivos.
A reforma portuária de 2012, com a edição da Lei dos Portos (Lei n. 12.815/2013), seguida da estabilidade e exigência de critérios técnicos para diretores da Antaq e ministros que fazem parte do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transportes – Conit – presidido pelo Ministro dos Transportes, começou a dar consistência de política de Estado ao setor.
O Conit, criado em 2001, só começou a funcionar efetivamente, com reuniões trimestrais, a partir de fevereiro de 2017. As comissões de infraestrutura e de transportes do Congresso Nacional começaram a fiscalizar a atuação de todas as instituições que atuam no setor, especialmente Ministério dos Transportes, Conit e Antaq.
Esta política de Estado aliada a uma política de governo deu resultado. Atualmente, as empresas brasileiras possuem 290 navios porta-contêineres, com 210 navios no longo curso, com média de 12.000 TEUS cada e receita para o país de U$ 60 bilhões em serviços em 2025.
Há doze anos, cabe ressaltar, a Marinha Mercante brasileira era uma espécie em extinção e a economia brasileira era totalmente dependente dos armadores estrangeiros transnacionais, inclusive a sua cabotagem, onde duas empresas que atuavam em sintonia com os navios da matriz no exterior que faziam o tráfego internacional e não permitiam que novos entrantes participassem do mercado. A construção naval havia demitido mais de 35 mil trabalhadores, e não produzia navios com preços competitivos.
Não havia regulação econômica, especialmente defesa da concorrência, e uma empresa brasileira de navegação que tentou entrar no mercado - Maestra - encerrou suas atividades com enorme prejuízo em menos de três anos.
A Diretoria da Antaq criou um grupo de trabalho interdisciplinar para identificar os problemas que causaram tal encerramento e descobriu que os principais problemas foram a concorrência desleal, a carga tributária, especialmente do combustível, e a enorme burocracia na cabotagem.
Além disso, todos os portos brasileiros podem receber cargas de longo curso através do acesso via transbordo, e foi extinta a indústria da demurrage de contêineres. (final da Parte 1)