Por Alberto Machado
Estamos acompanhando pela imprensa e por declarações de diversas entidades manifestações contra o Projeto de Lei que estabelece regras de exigência de conteúdo local nos empreendimentos de petróleo e gás (Projeto de Lei 9.302/2017), pois consideram que o PL contraria a chamada “flexibilização” recente, que tem sido alardeada como decisiva para relançar “exitosos” leilões de petróleo.
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Por esse motivo, caracterizam o citado PL como uma ameaça aos futuros leilões e como um retrocesso, o que, absolutamente, não é verdade.
Infelizmente, toda a análise que tem sido propalada por alguns segmentos do setor de óleo e gás é parcial e não representa a realidade se considerada a economia do país como um todo.
Produtividade, competitividade, benefício dos investimentos, geração de empregos, fatos que causaram sucessos ou fracassos no passado e ideologia, entre outros aspectos citados com frequência, estão sendo usados com visões unilaterais que podem levar a conclusões equivocadas e que poderão acarretar graves e irreparáveis consequências para o país.
Das medidas alardeadas como “salvadoras da indústria do petróleo e gás no Brasil” e implantadas com a justificativa de destravar os investimentos, cabe destacar: a Resolução CNPE Nº 7, que reduziu praticamente a zero as exigências de conteúdo local, sem separar bens de serviços e em percentuais muito inferiores à verdadeira capacitação nacional em atendê-los; a Lei do Repetro (Lei 13.586 de 2017) que isenta totalmente de impostos os produtos importados para as atividades de exploração e concede outras importantes benesses fiscais às companhias de petróleo, inexistentes para outros setores da economia, como exaustão acelerada dos investimentos para redução do IRPJ e da CSLL; a revisão de contratos de concessão e de partilha da produção assinados entre 2005 e 2013, com significativa redução dos índices anteriormente contratados, entre outras.
No entanto, ninguém explicita que, muito mais do que pelas exigências de conteúdo local, os investimentos só agora estão sendo destravados por outros fatores mais representativos que as exigências de conteúdo local, como exigências ambientais, a queda da cotação do petróleo, a crise política do país, a crise financeira e de gestão da Petrobras, a paralisação dos leilões por longo tempo, a baixa qualidade das áreas ofertadas nos poucos leilões realizados antes de 2013 e a exigência de operador único com participação compulsória da Petrobras nos consórcios da Partilha, só para citar alguns exemplos.
Por outro lado, todas as medidas acima elencadas podem ser caracterizadas como uma política industrial às avessas, pois privilegiam as importações em detrimento da indústria nacional, unicamente para otimizar o negócio produção e exportação de petróleo, negócio esse em que os maiores interessados são as empresas de petróleo, o Tesouro Nacional e e alguns estados da União que buscam retorno imediato proveniente unicamente dos bônus de assinatura e posteriormente dos royalties.
Não basta o Brasil produzir petróleo para se tornar um importante exportador. O petróleo tem que gerar empregos aqui e, mesmo que o recurso dos royalties gerados vá para educação, nada se resolve se não houver emprego para os formados. Veja, por exemplo, o que aconteceu com o FIES: "Mais de 500 mil alunos estão com os contratos de financiamento na fase de amortização e com atraso no pagamento das prestações. Somado, o saldo devedor total alcança cerca de R$ 11,2 bilhões." Como vão pagar sem trabalhar? Já começam a vida profissional inadimplentes e sem perspectivas de receber o necessário para quitar a dívida, por mais que sejam oferecidas propostas de refinanciamento.
A partir do surgimento da Petrobras em 1953, o Brasil conseguiu implantar em seu território um competente parque industrial e tecnológico, equiparado aos dos principais países desenvolvidos. Cabe lembrar que a maioria das empresas hoje instaladas é constituída por filiais das principais empresas transnacionais, porém com CNPJ (portanto empresas nacionais) e gerando aqui emprego e renda. Logo, declarações de autoridades e algumas entidades sobre baixa produtividade ou carência de tecnologia local para uso imediato não correspondem à realidade.
As fábricas são as mesmas e, na maioria dos casos, até mais modernas, a tecnologia é a mesma e a gestão é a mesma. Lembro que a esmagadora maioria dos fornecedores do terceiro elo da cadeia de fornecimento para a indústria de petróleo não esteve envolvida nas investigações da Operação Lava Jato.
Esquecem também que essa indústria atua no mesmo país em que as companhias de petróleo, para “viabilizar” a atuação, pleitearam e conseguiram inúmeros benefícios, sem os quais, segundo as próprias companhias de petróleo, o Brasil não seria atrativo se comparado com outros países com oferta de blocos.
O que é lamentável é que tais benefícios, ou incentivos, não permearam toda a cadeia de valor e ainda mudaram radicalmente condições já estabelecidas e firmadas em contratos, modificando premissas que levaram a elevados investimentos em instalações aqui.
Por que beneficiar só uma parte do setor e justamente a que menos contribui para a geração de emprego e renda?
Na atividade de exploração, sem um mínimo de exigência de conteúdo local, o Petróleo será retirado do solo nacional e será exportado sem agregação de valor no Brasil, representando exportações de um bem mineral, com retorno à atividade primária, atividade que além de não agregar valor e gerar poucos empregos, deixa para o país pouca renda e ameaça a indústria nacional com os efeitos da “doença holandesa”.
O mau uso em passado recente do conteúdo local para fins eleitoreiros, ideológicos ou por interesses escusos não pode ser usado como argumento para contradizer os benefícios que uma política industrial séria, baseada em parâmetros reais e que estabeleça índices mínimos de contratações locais que podem representar o desenvolvimento nacional em áreas da indústria que geram empregos de qualidade e renda para o país.
Os valores estabelecidos no PL em questão são perfeitamente exequíveis, cabendo observar, apenas como exemplo, que na plataforma P-76 recém-concluída foram alcançados índices bem superiores àqueles constantes no projeto de lei. Igualmente são compatíveis com um mínimo que as empresas que exploram uma riqueza, que é da sociedade brasileira, devem ter como obrigação de retornar para essa mesma sociedade. Uma contrapartida para o privilégio de explorar um bem da União. Lembro ainda que a União pertence aos brasileiros, incluindo aqueles que estão desempregados e aqueles que têm subempregos.
É fácil de entender que, para as empresas de petróleo, é muito mais lucrativo importar equipamentos e serviços a juros subsidiados por governos de outros países e com menores riscos, praticar contratações centralizadas em grande escala em suas matrizes, utilizar tecnologias proprietárias às vezes do próprio grupo empresarial, fugir da burocracia local, entre outros. Tudo isso, quando praticado, irá “apenas” aumentar a lucratividade, pois está longe de haver prejuízo se não aplicado.
Vale lembrar o exemplo dos países do Atlântico Norte, como Noruega e Reino Unido, que transformaram um bem mineral finito em riquezas para seus países. Esses países, por meio de uma política acertada de conteúdo local, estão deixando de ser exportadores de petróleo e passando a ser exportadores de máquinas e equipamentos, inclusive para o Brasil. A própria Arábia Saudita reconheceu o modelo exitoso do Mar do Norte e passou a exigir conteúdo local nos seus investimentos a partir do final de 2016.
Logo, é necessário que o Congresso tenha uma visão estratégica, que considere uma envoltória Brasil e que busque uma solução de meio termo que atraia investimentos, mas que esses investimentos sejam efetivamente aplicados aqui e não apenas ricocheteiem, trazendo tudo de fora e exportando o petróleo, tal como ocorre na maioria dos países da Opep.
Terminando, vale lembrar o velho ditado: “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. Nesse caso o remédio para alguns segmentos está se tornando um veneno para todo o restante da sociedade brasileira. Logo, ao invés de retrocesso no conteúdo local, o PL trará progresso para o desenvolvimento nacional. Aliás, retrocesso é voltar aos anos setenta, quando o Brasil importava todos os equipamentos e depois tinha que, a duras penas, buscar a substituição de importações de partes e peças para conseguir manter a continuidade operacional.
Alberto Machado Neto, M.Sc., é professor e coordenador acadêmico da FGV e diretor executivo de Petróleo, Gás Natural, Bioenergia e Petroquímica da Abimaq.