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Turismo subaquático, bioinvasão e o Ótimo de Pareto

O afundamento do ferry-boat "Agenor Gordilho" e o do rebocador "Vega" na Baía de Todos-os-Santos dividiu opiniões sobre o custo-benefício no afundamento de embarcações para fins de formação de recife artificial e o pretendido fomento ao turismo subaquático1.

Os Recifes artificiais são estruturas intencionalmente depositadas no leito marinho com o fito de reproduzir características do recife natural. Por sua vez, recifes naturais são ambientes marinhos formados por estruturas de constituição rochosa ou pela sobreposição de organismos, apresentando grande abundância e uma alta diversidade marinha (Padilha, Henkes, 2012).


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Com fins diversos, os recifes artificiais foram inicialmente introduzidos no mar como mecanismo impeditivo à pesca predatória de arrasto industrial e como facilitador da recuperação de áreas ecologicamente degradadas, uma vez que possibilitam às espécies marinhas refúgio e ambiente seguro para reprodução. Com a prática, as áreas “recuperadas” passaram a ser locais atrativos também para mergulho, pesquisas científicas e o turismo nesse nicho vem sendo cada vez maior, assim como o afundamento de embarcações com esta finalidade.

O afundamento de embarcações é comum, recomendado e regulamentado em casos onde as avarias inviabilizam a recuperação, os custos de reflutuação e remoção são superiores à indenização securitária (quando há) ou ainda quando não há condições seguras ou disponíveis para remoção. No Brasil, as principais legislações aplicáveis são a Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias (Convenção de Londres - 1972), a Lei Federal nº 9.537/97 (LESTA) e NORMAM 07-DPC.

A Convenção de Londres possui enfoque na prevenção da poluição marinha por resíduos industriais, químicos, bem como substâncias lesivas. A LESTA disciplina a segurança do tráfego aquaviário e prescreve a necessidade da inspeção naval pela autoridade marítima no procedimento de afundamento de embarcação, com o fito de fiscalizar o cumprimento desta Lei, das normas e regulamentos dela decorrentes, e dos atos e resoluções internacionais ratificados pelo Brasil, no que se refere exclusivamente à salvaguarda da vida humana, segurança da navegação, à prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas fixas ou suas instalações de apoio.

A NORMAM 07-DPC especifica em seu item 0203 o procedimento para o afundamento com assunção dos riscos e ocorrências fortuitas indesejáveis por parte do requerente e responsável pela embarcação. Devem ser observados, também, os procedimentos preconizados na Convenção de Londres, a retirada de bordo dos elementos poluentes e estruturais que possam se desprender do navio e ficar à deriva, o agendamento junto à CP/DL/AG da inspeção naval, o atendimento ao ponto de afundamento indicado e consulta às autoridades ambientais. Após a efetivação do afundamento assistido, a Diretoria de Portos e Costas faz comunicação formal à Organização Marítima Internacional (IMO).

Em que pese a existência de regulamentação do procedimento de afundamento e estudos não unânimes sobre os benefícios ao ecossistema marinho e à economia trazidos pelos recifes artificiais, as bioinvasões aos quais os naufrágios intencionais estão expostos podem tornar a prática desinteressante.

Bioinvasão é o processo de ocupação de ambiente natural por espécie exótica, provocando impactos ambientais negativos, como alteração no meio abiótico, competição ou deslocamento de espécies nativas. Um dos bioinvasores mais icônicos encontrados em recifes artificiais brasileiros é o Coral-Sol.

Nativo dos oceanos Pacífico e Índico, o Coral-Sol teve seu primeiro registro no Brasil na década de 1980 em plataformas de petróleo na Bacia de Campos, em 1998 em substrato natural no Arraial do Cabo/RJ e posteriormente em recifes artificiais da costa nordestina. Esse coral embora esteja comumente associado a plataformas de petróleo, encontra ambiente propício para disseminação em casco de navio ou na água de lastro. O bioinvasor interage negativamente com as espécies nativas, facilita a invasão de outras espécies exóticas e desequilibra o ecossistema marinho. Além da bioinvasão, o coral é um bioincrustante com alto poder de disseminação durante o deslocamento das embarcações ou, pior, quando são afundadas para fins de formação de recife artificial.

Acrescente-se que ao lado do impacto ambiental também há o impacto operacional e financeiro na Indústria de transporte marítimo, já que a prevenção, controle e remoção das bioincrustações além de caras, provocam perdas consideráveis da hidrodinâmica das embarcações, com redução da velocidade e aumento do consumo de combustíveis. Na construção naval a bioincrustação demanda investimentos altos em tintas anti-incrustantes.

No setor de petróleo e gás, a bioinvasão implica no aumento do custo com remoção de bioincrustação por Coral-Sol em instalações e  inspeções periódicas especiais de  unidades, mudança de rotas, dentre outras medidas excepcionais.

No setor portuário, a depender do tempo de atracação há risco de incrustação e posterior transferência de organismos bioinvasores da embarcação para meio ambiente. Saliente-se que nem todos os portos fazem controle periódico de espécies exóticas como recomenda a Antaq.

Face a complexidade do assunto, foi formado Grupo de Trabalho para pesquisar e fornecer subsídios para implementação de plano de enfrentamento ao coral, sob coordenação do Ministério da Comunicação, Inovação, Tecnologia e Comunicações em parceria com outros órgãos, cujo relatório final analisou experiências internacionais que vão desde o envelopamento/encapsulamento até a remoção manual por mergulhadores e concluiu que a vastidão e especificidades da costa demandavam pesquisa e tecnologias adaptadas à realidade brasileira, ainda em estágios iniciais e pontuais.

Embora o Brasil adote as diretrizes para o controle e a gestão da bioincrustação dos navios da IMO, há incertezas técnicas, regulatórias, metodológicas e as ações que atualmente existem com esse propósito não são capazes de atender a um grande volume de operações de combate ao Coral-Sol que se assenta no substrato em até três dias.

O Relatório Final do GT Coral-Sol deu suporte ao Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Coral-Sol no Brasil, objeto da Portaria nº 3.642/2018-Ibama, com horizonte temporal de 25 anos, com conteúdo apenas programático e em dissonância com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas que prevê na meta 15.8 o controle até 2020 de espécies invasoras.

E o Ótimo de Pareto? é um conceito oriundo da Ciência Econômica desenvolvido pelo italiano Vilfredo Pareto, segundo o qual uma situação econômica será ótima quando não puder mais ser melhorada sem o prejuízo de outra. Segundo Derani, a economia de mercado atinge seu grau ótimo quando realiza uma satisfatória relação entre o uso de um recurso natural e sua conservação, encontrando um preço que permite a utilização do bem ao mesmo tempo que conserva2.

Aplicada a temática sob foco conclui-se que para atingir o ótimo de Pareto não se exige a ausência de risco de bioinvasão/poluição advindas de afundamentos de navios para formação de recifes artificiais, mas recomenda a busca da melhor relação custo-benefício, entre o fomento ao turismo subaquático e o impacto ambiental.

1 YOUTUBE. Portal Ibahia. Afundamento do ferry-boat Agenor Gordilho – vista aérea. Disponível em: https://cutt.ly/lhQ46CR.
2 Apud. Dani, Felipe & Oliveira, Álvaro & Barros, Débora. (2010). O desenvolvimento sustentável como ótimo de Pareto na relação entre os princípios constitucionais ambientais e os princípios constitucionais econômicos1. Revista de Direito Econômico e Socioambiental. Disponível em: https://cutt.ly/dhQ2Mph.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS. Índices de desempenho ambiental. Disponível em: https://cutt.ly/ihQ8HRN.
BRASIL. Decreto no 87.566, de 16 de setembro de 1982. Promulga o texto da convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias, concluída em Londres, a 29 de dezembro de 1972. Disponível em: https://cutt.ly/mhQ4hLK.
BRASIL. Lei Federal nº 9.537 de 11 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Disponível em: https://cutt.ly/shQ4fx1.
BRASIL. MARINHA. Norman 07-Dpc. Disponível em: https://cutt.ly/MhQ4osl.
BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Portaria 3.642, de dezembro de 2018. Aprova o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Coral-sol (Tubastraea coccínea eTubastraea tagusensis) no Brasil - Plano Coral-sol, estabelecendo seu objetivo geral, objetivos específicos, ações, prazo de execução, coordenação e monitoria. Disponível em: https://cutt.ly/ahQ8Dkc.
BRASIL. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÕES E COMUNICAÇÕES. Relatório Final do Grupo de Trabalho do Coral-Sol. Brasília: 2017. Disponível em: https://cutt.ly/WhQ8PeX.
DANI, Felipe. OLIVEIRA, Álvaro. BARROS, Débora. O desenvolvimento sustentável como ótimo de Pareto na relação entre os princípios constitucionais ambientais e os princípios constitucionais econômicos1. 2010. Revista de Direito Econômico e Socioambiental. Disponível em: https://cutt.ly/dhQ2Mph.

PADILHA, Renato de Almeida. HENKES, Jairo Afonso. A utilização de recifes artificiais marinhos como ferramenta de recuperação da fauna marinha. Revista de Gestão e Sustentabilidade Ambiental, Florianópolis, v. 1, n.1, p. 41-73, abr./set. 2012. Disponível em: https://cutt.ly/ghQ89lN.
YOUTUBE. Portal Ibahia. Afundamento do ferry-boat Agenor Gordilho – vista aérea. Disponível em: https://cutt.ly/lhQ46CR.

Giovanna WanderleyGiovanna Martins Wanderley é advogada, especialista em Processo Civil, graduanda em Ciências Sociais pela UERN e pós-graduanda em Direito Marítimo Portuário pela Maritime Law Academy.






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