A exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil tem pouco mais de 50 anos e o mercado não se planejou para as atividades do fim do ciclo de vida das unidades de produção dos campos de petróleo, em praticamente toda a costa brasileira. O descomissionamento, o desmantelamento e a reciclagem estão vinculados ao fim da vida útil do campo explorado, ou mesmo da plataforma aplicada na produção de Óleo & Gás.
Definição da ANP sobre descomissionamento:
Trata-se de um conjunto de atividades associadas à interrupção definitiva da operação das instalações, ao abandono permanente e arrasamento de poços, à remoção de instalações, à destinação adequada de materiais, resíduos e rejeitos e à recuperação ambiental da área;
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É um processo multidisciplinar que sugere o melhor método de desativação das operações de produção, quando não há mais interesse, uma vez que se atinge 25 anos, em média, de produção, os ativos em função do estado em que se encontram, podem ser reciclados, descartados, revitalizados ou terem sua vida útil estendida.
São três as atividades fundamentais do descomissionamento: abandono do poço, a atividade submarina e a retirada da Unidade Produtora, com o cessar de sua produção.
Com o aumento no número de unidades e campos que chegam ao fim da sua vida útil nos próximos anos, o mercado brasileiro já começa a lidar com os desafios para o desenvolvimento do descomissionamento e desmantelamento sustentável nacional.
Em uma tentativa de regulamentar o processo de descomissionamento em todo mundo, a Organização Marítima Internacional (International Maritime Organisation - IMO) promulgou a Convenção de Hong Kong sobre a Reciclagem Segura e Ecologicamente Correta de Navios, em maio de 2009. Esta Convenção como já obteve o número mínimo de signatários, e entrará em vigor em julho de 2025.
A União Europeia, emitiu o seu regramento sobre o assunto, através do Regulamento 1257/2013 sobre Reciclagem de Navios, onde os Navios com bandeira da UE deverão ser reciclados somente em uma das instalações aprovadas por este Regulamento. Consequentemente, os Estaleiros aprovados pela UE devem cumprir padrões de proteção ambiental e de segurança aos trabalhadores para a obtenção de um 'selo verde'.
Brasil – Desafios e Oportunidades
Atualmente, quase 76 Unidades de Produção já estão com mais de 25 anos, indicando o fim de seus respectivos ciclos de vida útil. E, de acordo com a ANP, cerca de 35 destas unidades serão desativadas entre 2025 e 2030, e mais 12 até 2035, com a estimativa de dispêndios, em média, US$ 1 bilhão por ano — fato importante, pois confere perenidade ao mercado e ao investidor.
As atividades de descomissionamento, desmantelamento e reciclagem são multidisciplinares, envolvendo além da gestão e a remoção dos resíduos de bordo, o gerenciamento de rejeitos material radioativo (NORM), serviços de corte, movimentação de carga, limpeza e inertização das estruturas, entre inúmeros serviços especializados, que impactarão a indústria naval nacional.
Entretanto, o mercado brasileiro apresenta alguns desafios que devem ser considerados:
1) A maior parte dos campos brasileiros estão em águas mais profundas, entre 400 e 3.000 metros;
2) A infraestrutura brasileira é voltada para instalações flutuantes, em vez das instalações fixas de aço. E há poucas instalações que atendem os requisitos internacionais. Esperamos que não se possa mais ver casos similares ao Navio São Luiz, que saiu do Rio de Janeiro para ser desmantelado na Turquia;
3) A capacitação e a recapacitação da mão de obra se fazem urgentes. Sinaval e Senai já estão adotando medidas neste sentido;
4) O Brasil não possui ainda uma legislação em vigor, com seus próprios regramentos, fato que se constitui em um entrave para investimentos;
5) A exigência da retirada de todas as instalações submarinas, constitui elevado desafio, especialmente quando se tem a presença do NORM;
6) Restrições de locais ao longo da costa brasileira para recebimento de embarcações com coral-sol;
7) A necessidade de Garantias de Desativação e Abandono (GDA). A ANP identificou pontos que justificariam a mudança de abordagem na questão de GDA da seguinte forma:
7.i. A proximidade do fim dos contratos de campos da rodada zero, com o Estaleiros;
7.ii.a maior parte das atividades de descomissionamento e desmantelamento são realizadas ao final da vida útil do campo, fase em que a geração de receitas é bem menor, o que aumenta a incerteza quanto à disponibilidade de fundos para sua concretização;
7.iii.custo elevado, e varia em função de sua localização geográfica (onshore ou offshore);
7.iv. lacunas na regulamentação sobre exigências na apresentação de garantias para o descomissionamento e desmantelamento de instalações. A ABEEMAR empreendeu um Workshop este ano, para o debate do processo das garantias;
8.O Congresso Nacional, atento às oportunidades envolvendo o descomissionamento, desmantelamento e reciclagem, está analisando o PL 1.584/2021, ora tramitando na Câmara dos Deputados, com o objetivo de regulamentar as regras para o desmantelamento e a reciclagem de unidades e instalações removidas dos campos. O texto procura definir as responsabilidades dos gestores da reciclagem, do poder público e os instrumentos econômicos aplicáveis.
Conclusões e Recomendações
1.O Brasil possui excelente potencial para absorver o mercado de descomissionamento, desmantelamento e reciclagem sustentáveis, desde que aspectos regulatórios sejam devidamente equacionados, e que se fomente um ambiente onde a segurança jurídica prevaleça;
2. As possibilidades de crescimento são incríveis para a complexa cadeia de fornecedores, pois há limitação do mercado mundial. O Brasil está entre os maiores produtores de aço do mundo e com estaleiros com grande capacidade de se envolver neste mercado, utilizando o binômio — Cais e Carreira;
3.Definição da Regulamentação, até abril de 2025, para Desmantelamento de Embarcações e Estruturas Marítimas;
3.1- O Deputado Alexandre Lindenmeyer (PT-RS), relator do PL na Comissão de Viação e Transportes (CVT), informou que o relatório será apresentado, em breve, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Lindenmeyer destaca que “há uma demanda pelo mercado de reciclagem de embarcações, tanto de plataformas de petróleo quanto de navios mercantes e militares”;
3.2- O professor de engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Newton Pereira, defende que é possível fazer reciclagem segura e sustentável. Ele dá como exemplo Curaçao, no Caribe, que é um país de pequenas dimensões que vem realizando atividades de reciclagem de forma controlada;
3.3- São esperados, pelos menos, US$ 85 bilhões de investimentos nos projetos de Descomissionamento, Desmantelamento e Reciclagem da Petrobras nos próximos anos;
3.4- O Subsecretário Adjunto de Economia do Mar do Estado do Rio de Janeiro, Marcelo Felipe Pereira, acredita que o estado, com 24 estaleiros, de diferentes portes, dos quais 19 estão na Baía de Guanabara, está se preparando para enfrentar estes desafios. Ele acrescenta que o complexo portuário e industrial do Açu, no norte fluminense, se prepara para ter esta atividade, bem como o Estaleiro Eisa e o Estaleiro São José;
3.5- O gerente PMO da Modec Serviços de Petróleo do Brasil, Eng. Jime Braga, aponta na direção de nascimento de uma nova indústria para o país. Na atividade de desmantelamento, ocorrem produtos que não podem ser descartados em qualquer lugar, o que gera custos de transporte, especialmente os rejeitos radioativos. “Um dos problemas é que não foi previsto esse custo. Existe discussão de quem paga esse custo. Há que se chegar a um acordo”;
3.6- O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e OffShore (Sinaval) é a favor que o desmantelamento e a reciclagem sejam feitos fora de dique, como é feito no Mar do Norte;
3.7- E há uma grande expectativa por parte dos estaleiros de maior porte em torno da ocupação dos diques para a construção de navios petroleiros e gaseiros. “Esperamos aumento de encomendas de módulos, plataformas, navios de transporte de óleo e embarcações de apoio”, projeta Rocha, com base nas licitações em andamento para contratação;
4. Regulamento (UE) nº 1257/2013 do Parlamento Europeu foi sancionada em 20/11/2013 relativo à Reciclagem de Navios, alterando o Regulamento (CE) 1013/2006. O parque de desmantelamento sustentável da Europa tem limites e a CE admitiu que outros países podem se registrar no Regulamento Europeu, constituindo-se em um apoio forte às atividades.
5. NORM é a sigla para Naturally Occurring Radioactive Materials ou, em português, materiais radioativos de ocorrência natural. Necessita de regulamentações imediatas no Brasil;
6. Os seguintes conceitos, já estão definidos em Lei:
6.1 - Embarcação - qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas; e
6.2- Plataforma - instalação ou estrutura, fixa ou flutuante, destinada às atividades direta ou indiretamente relacionadas com a pesquisa, exploração e explotação dos recursos oriundos do leito das águas interiores e seu subsolo ou do mar, inclusive da plataforma continental e seu subsolo;
6.3 - A disseminação do coral-sol. O Ibama acompanha de perto a bioincrustação por parte de espécies invasivas. Novas tecnologias deverão ser aplicadas.
6.4- Os custos relacionados às atividades variam substancialmente de acordo com a localização e complexidade da instalação. Para o engenheiro Mauro Destri, em mercados maduros como o Mar do Norte, a infraestrutura consolidada e a vasta experiência adquirida ao longo do tempo ajudam a mitigar os custos. Já no Brasil, a situação é diferente, pois cada projeto demanda soluções personalizadas, ajustadas para contextos específicos, ampliando a complexidade operacional e os desafios na gestão de riscos.
6.5- O arcabouço regulatório no Brasil, apesar do avanço no descomissionamento com normas como a Resolução ANP 817/2020, um avanço fantástico, definiu que o contratado deve dispor de um sistema de gestão de responsabilidade social e sustentabilidade aderente às práticas do mercado de O&G. Mas, ainda existem lacunas com a interpretação e aplicação de normas internacionais, e que geram incertezas jurídicas, que podem postergar operações e elevar custos. O alinhamento com as melhores práticas e a conformidade com regulamentações técnicas locais são fundamentais para o sucesso do descomissionamento, desmantelamento e reciclagem sustentáveis no país.
6.6- Economia Circular - A economia circular desempenha um papel importante, quando se trata do reaproveitamento de materiais e equipamentos, com a criação de um mercado de revitalização e reuso.
O engenheiro Ronald Carreteiro é membro do Conselho do Estaleiro São José (Antigo Cassinu), CEO da Rona Assessoria e diretor da Sobena e da Abeemar. Carreteiro também é membro do Conselho Científico e Estratégico do Cluster Tecnológico Naval do Rio de Janeiro, coordenador do GT do CEDEMAR/RJ sobre Descomissionamento e Desmantelamento Sustentável e membro do Conselho de Meio Ambiente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).