Os navios sempre incorporaram novos métodos de fabricação de suas partes estruturais, desde a quilha até a superestrutura. A substituição de estruturas de madeira para estruturas de aço no século XIX foi o fator fundamental para adquirirmos navios com maior resistência estrutural, possibilitando maior quantidade de trânsito de cargas e pessoas. Do século XIX até os dias de hoje, diversas tecnologias foram inseridas, trazendo melhorias para as embarcações: melhor operacionalidade, navegabilidade, habitabilidade, proteção e etc.
No que tange à construção de navios e fabricação de navipeças, a simulação e modelagem são realidades, otimizando projetos, reduzindo tempo e custo, trazendo maior confiança nos resultados obtidos. Diversos softwares são utilizados para a elaboração de projetos de embarcações como, por exemplo, o AutoCad da empresa Autodesc Inc, comercializado pela primeira vez em 1982 e disponibilizando a ferramenta de impressão 3D na versão AutoCAD 2010 (Release 18.0) lançada em 2009. Ainda na área de desenvolvimento de projetos destaca-se também o Rinoncheros 3D desenvolvido por Robert McNeel & Associates além do software específico para modelagem tridimensional de cascos, o MAXSURF, comercializado pela empresa Bentley Systems .
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A materialização dos projetos se tratando das partes metálicas ainda passa por processos de fabricação que exigem custo e tempo, utilizando técnicas clássicas de fundição, extrusão, laminação, soldagem, entre outros. Há tendência de substituição dos processos de fabricação clássicos para maior automação, como é o caso da maior construtora naval do mundo, a Hyundai Heavy, que afirma estar projetando e testando robôs para serem utilizados no dobramento de chapas, soldagem e pintura das embarcações.
Com a criação de impressoras 3D, os projetos elaborados tridimensionalmente em softwares podem ser materializados diretamente, a realidade da fabricação de partes constituintes dos navios está mudando, essa técnica é considerada fabricação aditiva, pois o produto é formado através da deposição de material.
Existem impressoras 3D especializadas em impressão de pequenas peças de reposição até impressoras especializadas em impressão de objetos considerados grandes. Um exemplo bem sucedido de impressão 3D no setor naval foi a fabricação do primeiro hélice 3D pelo laboratório holandês RAMLAB. O protótipo pesa 400 kg e possui 1,30m de diâmetro, composto de uma liga de níquel, alumínio e bronze e se chama WAAMpeller. O segundo hélice, impresso a partir do projeto do protótipo WAAMpeller, foi instalado em um reboque "Damen Stan Tug 1606", foram feitos testes operacionais quanto à velocidade, tração e paradas. Os resultados mostram um comportamento semelhante a um hélice convencional, o que é positivo para um desenvolvimento mais rápido e posterior fabricação de outros hélices.
Outra experiência recente bem-sucedida com impressora 3D no setor naval foi a impressão do primeiro casco submersível desenvolvido pelos Departamentos de Energia e Defesa dos EUA com o apoio da academia e da indústria. O protótipo foi construído em apenas 4 semanas e é composto de fibras de carbono, considerado um “Demonstrador de tecnologia tripulada opcionalmente”. Os custos de sua fabricação foram 90% menores do que os custos de uma fabricação do casco de um SEAL Delivery Vehicle (SDV) convencional. A próxima fase do projeto consiste em criar um segundo protótipo que será testado em condições parecidas com as que navios e submarinos encontram em mar aberto.
Tratando-se do cenário nacional houve recentemente a implementação da impressora 3D no Departamento Industrial no Centro Tecnológico do Corpo de Fuzileiros Navais (CTecCFN) promovida pelo capitão de fragata (FN) Baroni, terceiro-sargento Victor Hugo e cabo Mateus com o objetivo de reduzir mão de obra, custos e agregar tecnologia à organização militar. A partir das necessidades das oficinas e seções que integram o CTecCFN, ocorre o processo de modelagem e posteriores impressões para testes até se chegar ao modelo final.
Destaca-se, também em território nacional, o artesão Carlos Eduardo Mariano do Atelier Naval. Mariano constrói modelos de embarcações reduzidas utilizando a impressão 3D para a concepção de cascos, conveses e superestruturas, além de outras técnicas como a usinagem CNC. O uso de modelos é um agregador de valor à venda das embarcações em salões náuticos, pois permite a visualização da embarcação em modelo reduzido, utilizando mesmas formas, texturas e cores do objeto real, fatores importantíssimos para quem quer conquistar clientes neste setor. Empresas como Azimut Yachts, Sessa Marine, Intermarine e Riostar solicitam modelos a Mariano frequentemente, o que comprova a qualidade de seu trabalho.
Os avanços da impressão 3D são inegáveis para o setor naval, as vantagens são o uso de menor quantidade de material, pois não há necessidade de retirada de material para acabamento, possibilidade de fabricação de peças mais complexas, possibilidade de mudança rápida no design da peça, redução da quantidade de resíduos, possibilidade de impressão da peça nas imediações do local em que será utilizada, reduzindo custos com transporte, menor quantidade de espaço utilizado em estaleiros com estoque de peças, além de economia com gastos e com armazenamento. O ganho de tempo utilizando impressoras 3D para fabricação de modelos em escala reduzida no setor náutico coloca quem investe neste tipo de fabricação aditiva em vantagem, pois se trata de um setor que exige constantes inovações.
Desafios também são encontrados. Como a deposição do material é feito em camadas, ocorre frequentemente que as propriedades das peças não são uniformes como nos processos de fabricação clássica. Tratamento térmico ou usinagem da peça podem ser necessários para a obtenção das propriedades necessárias, os custos deste tipo de fabricação ainda são altos em relação às fabricações clássicas e existem limitações em relação ao tamanho das peças. É importante analisar o projeto das embarcações que pretendem utilizar impressoras 3D a bordo no que tange fornecimento de energia, armazenamento de matéria prima e condições para tratamentos pós-fabricação.
É importante equilibrar vantagens e desvantagens, visto que com a cada vez mais acirrada concorrência no mercado mundial e a pandemia iniciada neste ano de 2020, que diminuiu o trânsito de cargas e pessoas, devem ser considerados a redução de custos e do tempo de fabricação, alinhados à agilidade da entrega de peças e vantagens de proximidade entre locais de fabricação e utilização. Neste cenário ganha quem conseguir produzir o maior número de peças com alto nível de qualidade em menor tempo, estando, assim, apto para concorrer num mercado cada vez mais tecnológico.
Karolyna Gomes é estudante de Construção Naval pela Universidade Estadual da Zona Oeste (UEZO), aluna de iniciação científica no Laboratório de Processos Industriais e Nanotecnologia (LPIN) da mesma universidade, orientada pela professora Dra. Neyda Om Tapanes. Constrói também grupo de estudos sobre Abandono de Embarcações, orientado pelo professor Dr. Newton Narciso, da Universidade Federal Fluminense (UFF).