Os dados surpreendentemente fortes das exportações da China em janeiro, que surgem num momento que outros grandes exportadores asiáticos estão vendo suas vendas declinarem, renovam as dúvidas sobre a confiabilidade dos dados oficiais chineses e mostram como é difícil ter uma visão clara sobre a segunda maior economia do mundo.
O anúncio feito ontem de que as exportações chinesas saltaram 10,6% em janeiro em relação ao mesmo mês de 2013, alimentadas por uma robusta demanda da Europa e dos Estados Unidos, superou as expectativas. Muitos economistas haviam previsto um aumento pequeno ou nulo nas vendas externas, considerando que a produção industrial da China perdeu fôlego no mês passado e que o crescimento econômico desacelerou no quarto trimestre de 2013.
"É um desafio entender o que está acontecendo", diz Louis Kuijs, economista do banco Royal Bank of Scotland.
Para aumentar a confusão, o dado pareceu incompatível com o declínio de 4,6% nas exportações de Taiwan e o recuo de 0,2% nas da Coreia do Sul no mês passado comparado com janeiro de 2013. Essas duas economias geralmente compartilham os ventos favoráveis que dão impulso à China. O feriado do Ano Lunar Chinês, que dura uma semana e este ano teve início no fim de janeiro, deveria ter suprimido, e não estimulado, as exportações.
O enigma reforça as suspeitas de economistas e analistas de que as firmas chinesas vêm "superfaturando" suas vendas para o exterior. A prática de inflar o valor das exportações, que foi bastante observada no início de 2013, é uma forma de as empresas da China burlarem os controles de capital do governo e trazerem mais fundos para o país.
As condições são favoráveis para fazer isso, dizem economistas, dado que os juros na China estão subindo e o yuan deve se valorizar. "Na China, há muitas razões para o dinheiro especulativo querer entrar", diz Karlis Smits, economista sênior do Banco Mundial em Pequim.
O "over-invoicing", como a prática de inflar faturas é chamada em inglês, e seus similares são difíceis de serem descobertos por analistas e agentes da alfândega. Os dados de ontem deram poucos sinais reveladores, o que, para alguns economistas, indica que ou as exportações realmente cresceram em janeiro ou as empresas encontraram uma forma menos óbvia de aumentar o valor das suas vendas a outros países.
Os grandes fluxos de mercadorias para Hong Kong - ou aqueles que passaram por áreas controladas dentro da China, mas fora da jurisdição aduaneira - caíram em janeiro, mostram os dados.
Enviar carregamentos por essas áreas e inflar seus valores foi uma prática bastante usada no ano passado para mascarar transações fraudulentas, seja para arbitragem de mercado, evasão fiscal ou ocultação de subornos. Os dados mostram que as exportações chinesas para os EUA, a Europa e o Japão - grandes mercados onde é mais difícil manipular transações - também tiveram um acentuado crescimento.
Itens pequenos e valiosos, de preços variados, como chips de computador, já foram usados para camuflar transferências de fundos no passado.
A moeda eletrônica bitcoin representa outro meio de evadir os controles de capital que a China mantém para impedir transferências rápidas de fundos - o que segundo o governo poderia desestabilizar a economia. Em dezembro, a China proibiu as instituições financeiras de operarem com a bitcoin, mas pessoas físicas ainda podem comprar e vender a moeda virtual em bolsas on-line reguladas.
Um negociador de Hong Kong que pediu anonimato disse que muitos dos seus concorrentes chineses vendem aço ao exterior sem lucro, só para ampliar os influxos de capital, evitar impostos e aproveitar incentivos especiais ao investimento estrangeiro. "Eles ganham dinheiro na diferença das taxas de juros e na valorização do yuan", disse.
Brian LeBlanc, economista da Integridade Financeira Global, uma organização sem fins lucrativos de Washington que estuda a questão, estima que US$ 101 bilhões em capital ilícito entraram na China através de Hong Kong em 2012, o dado mais recente disponível, quase igualando os US$ 112 bilhões que o país recebeu em investimento estrangeiro direto legal no ano.
A China vem tendo sucesso limitado no combate a faturas falsas. Em maio de 2013, os reguladores anunciaram uma fiscalização mais rigorosa nas transações com o exterior e o crescimento das exportações rapidamente recuou. Em dezembro, o governo ordenou que os bancos fizessem uma cuidadosa auditoria nos pagamentos comerciais dos seus clientes e relatassem qualquer atividade suspeita.
A prática de inflar as vendas agora é provavelmente menor que no começo de 2013, diz o economista Liu Li-Gang, do ANZ Bank, embora as operações comerciais ainda sejam amplamente usadas para camuflar fluxos de capital.
Diante do aperto na fiscalização, as empresas estão descobrindo brechas novas, e às vezes legais, como uma tática (chamada "round-tripping" em inglês) em que as mercadorias são enviadas ao exterior e pagas com capital estrangeiro a juros baixos. O dinheiro é investido na China e remunerado a uma taxa de 5% ao ano ou mais. Alguns meses depois, as mercadorias retornam à China, o financiamento a juros baixos é pago e a empresa embolsa o lucro do investimento a juros mais altos.
"'Round-tripping' está acontecendo numa escala muito grande", diz Ken DeWoskin, que dirige a área de pesquisas sobre a China da firma de contabilidade Deloitte. "Há um número crescente de maneiras legais de fazer isso, mas também um número considerável de transações através de canais que não são completamente legais."
Fonte: Valor Econômico/Richard Silk e Mark Magnier | The Wall Street Journal, de Pequim
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