As autuações da Receita Federal relativas ao não recolhimento de imposto de renda retido na fonte (IRRF) pelo afretamento de embarcações, e que geraram multas de R$ 13,7 bilhões para a Petrobras, também preocupam outras companhias de petróleo. Sem informar valores, a Repsol também informou em seu balanço no segundo trimestre autuações relacionadas ao imposto de renda e à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) em áreas onde é sócia da Petrobras, como também em outras onde é operadora.
A estatal petrolífera já tinha informado em março a existência dessas autuações, mas o assunto se tornou mais explosivo a partir de julho, quando a companhia enviou carta para seus prestadores de serviços informando que irá repassar as multas para cada um dos contratos, caso perca na Justiça. Ao informar o potencial de perdas em seus balanços do segundo trimestre, algumas empresas avisam que podem entrar em disputa com a Petrobras para não pagar.
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A Transocean, uma das maiores do setor, informou que foi notificada pela Petrobras sobre autuações de R$ 238 milhões relativas a contratos com a companhia, equivalentes a US$ 128 milhões. Os valores, informa a empresa, excluem juros, multas e taxas. A Transocean informou que não vê fundamento no pedido de reembolso dos valores pela estatal e que "pretende contestar vigorosamente qualquer afirmação em contrário". E destacou que um resultado desfavorável "pode resultar em um efeito material adverso" sobre sua posição financeira, resultados operacionais e fluxos de caixa.
Também afetada, a Noble informou aos acionistas ter recebido da estatal notificação sobre autuações associadas a sondas de perfuração afretadas no valor de aproximadamente US$ 36 milhões. A empresa também diz que vai contestar a avaliação da Petrobras de que deve pagar essas multas. "Vamos, se necessário, defender vigorosamente nossos direitos", disse a Noble. Outra que informou sobre o problema enfrentado no Brasil foi a Diamond, sem estimar o valor das multas. "O valor pode ser substancial e com efeito material adverso sobre nossa condição financeira, resultados de operações e fluxos de caixa".
A Repsol menciona autuações relativas a afretamentos de plataformas de serviços de exploração ou produção nos campos de Albacora Leste, Piracucá (no bloco BM-S-7) e Carioca (BMS-9), esses últimos no pré-sal da Bacia de Santos, onde é sócia da Petrobras. As autuações se referem a contratos de 2008 e 2009. "A companhia está avaliando a sua responsabilidade na matéria, tanto do ponto de vista fiscal como contratual", informou.
Adicionalmente, a espanhola informa que a Repsol Sinopec Brasil (associação com a chinesa Sinopec para operar no país) recebeu autos de infração relativos a pagamentos feitos a empresas estrangeiras pelo afretamento de plataformas de exploração e serviços. Essas autuações se referem a atividades relacionadas aos blocos BM S-48 e BM-C33, operados por ela e na qual tem sócios. A Repsol informa que consultores fiscais contratados para avaliar o assunto avaliam que as condutas foram "legais e em conformidade com as práticas generalizadas do setor". A continua afirmando que vai apresentar os recursos correspondentes, se necessário, "a fim de sustentar e defender os legítimos interesses do grupo".
O Valor teve acesso a um das cartas, com data de 7 de julho, enviada pela área de Exploração e Produção Serviços da Petrobras em Macaé. Com teor idêntico, segundo uma fonte (mudam apenas os nomes das empresas, os números dos contratos e os valores) a estatal informa ali que a Receita Federal do Brasil tem lavrado autos de infração para cobrança do IRRF sobre as remessas ao exterior em afretamentos. E que tais autos "estão sendo ativamente combatidos pela Petrobras nas vias administrativa e judicial".
E continua a informar que os autos de infração se referem às remessas realizadas no ano de 2008 e 2009, mencionando o valor referente a cada empresa.
Repsol, Transocean, Noble e Diamond já informaram seus acionistas sobre efeitos de autuações da Receita
A correspondência acrescenta informações de que "havendo decisão condenando a Petrobras em caráter definitivo ao reconhecimento do IRRF sobre estes pagamentos contratuais, serão tomadas as medidas necessárias para a obtenção dos ressarcimentos correspondentes junto à [nome da empresa], os quais também incluem as penalidades, encargos processuais e honorários decorrentes da cobrança".
Esse último ponto foi o suficiente para, segundo o executivo, para que as empresas se sentissem ameaçadas, o que acabou com o esforço de tratar o assunto como um problema comum. A indústria estava reunida em torno do problema até que as empresas nacionais e estrangeiras donas das embarcações receberam a correspondência. Entre os destinatários estavam tanto estrangeiras como brasileiras como a Odebrecht Óleo e Gás, que declinou de comentar, assim como outras procuradas pelo Valor.
Entre abril e maio a estatal pediu ajuda do setor para explicar à Receita Federal em Brasília como funcionam esses contratos no mundo e tinha sido atendida.
O novo entendimento que se vê em algumas das fiscalizações da Receita Federal pode resultar em aumento do imposto sobre o serviços de 15% para até 46% na taxação que incide hoje sobre essas operações. Dada a ordem de grandeza, pode também afetar a estrutura tributária da indústria, com reflexos no Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de Bens (Repetro). Procurada, a Petrobras não respondeu os questionamentos feitos pelo Valor , informando que não irá se pronunciar além das informações contidas nas demonstrações financeiras.
Antônio Guimarães, secretário executivo do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), afirma que uma taxação de 46% pode impactar a viabilidade de projetos futuros do setor no Brasil. O entendimento de outras fontes da indústria ouvidos pelo Valor é que a Receita Federal está reinterpretando uma legislação que existe no Brasil desde 1943 exclusivamente com o objetivo de aumentar a arrecadação.
Procurada, a Receita Federal não se manifestou até o fechamento desta edição.
"Se isso prevalecer, o número final [de multas] será gigantesco. E a pergunta que se faz é se cabe mudar a política industrial que é o ´mainframe´ da abertura do setor de petróleo no Brasil e que pode inviabilizar a produção no país", afirma uma fonte.
Nem todas as empresas entendem, como a Petrobras, que a multa deve ser repassada caso haja uma derrota na Justiça. Uma fonte qualificada de uma empresa estrangeira confirmou ao Valor que a recebeu autuação da Receita Federal, mas disse que o entendimento da companhia é de que não pode repassar alta de imposto para prestadoras de serviços. Outra disse que o repasse vai depender das condições de cada contrato. Além do IBP, o tema está sendo tratado com o governo setorialmente pelas empresas reunidas na Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (Abespetro) e a Associação Brasileira dos Perfuradores de Petróleo (Abrapet).
Fonte:Valor Econômico\Cláudia Schüffner e Fernando Torres | Do Rio e São Paulo