A decisão da Petrobras de afastar temporariamente de suas licitações as empresas dos 23 grupos econômicos citados na Operação Lava-Jato poderá impactar de forma negativa não só futuras concorrências, mas também representar dificuldades extras para a conclusão de obras importantes em andamento, como as refinarias Abreu e Lima (Rnest) e o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), previsto para entrar em operação em 2016.
Tratam-se de dois investimentos de peso da estatal. A Rnest, para processar 230 mil barris ao dia, tem investimento total da ordem de US$ 20 bilhões. Já a obra do Comperj, que produzirá 165 mil barris no primeiro trem de refino, está orçada em US$ 13,5 bilhões.
O bloqueio cautelar anunciado esta semana contra os 23 grupos empreiteiros apontados como participantes de um "cartel" na operação Lava-Jato, da Polícia Federal, não só reduz as opções de fornecedores no mercado, como ainda deve render recursos por parte das empresas envolvidas. E pode tornar ainda mais morosa, na avaliação de fontes do mercado, a missão de concluir ao menos quatro projetos a curto prazo.
Ao todo, foram impedidas de novas licitações da estatal: Alusa, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Carioca Engenharia, Construcap, Egesa, Engevix, Fidens, Galvão Engenharia, GDK, Iesa, Jaraguá Equipamentos, Mendes Júnior, MPE, OAS, Odebrecht, Promon, Queiroz Galvão, Setal, Skanska, Techint, Tomé Engenharia e UTC.
Desde 2013, diversas empresas em dificuldades financeiras, dentre elas companhias envolvidas na Lava-Jato, enfrentaram problemas contratuais com a Petrobras e acabaram tendo seus contratos rescindidos. Agora, a estatal terá que relicitar uma série de serviços, incluindo obras na Rnest (PE), Comperj (RJ), Unidade de Fertilizantes III (MS) e de construção de módulos de plataformas do pré-sal.
A petroleira informou que está preparando novas licitações para as refinarias. As concorrências incluem serviços de construção e montagem das interligações e tancagem do Comperj, que estavam a cargo do consórcio Jaraguá / Egesa. Também integram a lista a construção e montagem do sistema de flare, torre de resfriamento e do prédio administrativo do Comperj, além da execução de obras complementares na unidade de coque da Rnest (todas sob responsabilidade da Fidens Engenharia).
De acordo com executivo de uma empreiteira nacional que pediu para não ser identificado, só o contrato para o pacote de obras de interligação das unidades de produção do Comperj é estimado em cerca de R$ 700 milhões. Ainda, segundo a fonte, o bloqueio cautelar anunciado na segunda-feira pela Petrobras gera dúvidas no mercado sobre quais empresas irão executar os serviços que precisam ser contratados novamente no Comperj e na Rnest. A avaliação é que a conclusão dos projetos nas duas refinarias poderá atrasar mais.
As empresas afastadas pela Petrobras por meio do bloqueio cautelar também podem ficar de fora de outros contratos importantes, como a relicitação para o serviço de construção dos módulos previstos no contrato rescindido com a Iesa Óleo e Gás. Pelo acordo original, de US$ 720 milhões, a Iesa se comprometeu a construir 24 módulos de compressão de gás para seis FPSOs (plataformas flutuantes) replicantes que vão operar no pré-sal e que são essenciais para viabilizar a curva de crescimento da produção da empresa, que prevê produzir 3,2 milhões de barris/dia em 2018. A Iesa não entregou nenhum equipamento.
A Petrobras também deverá ir ao mercado nos próximos meses para recontratar as obras de construção e montagem da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III, em Três Lagoas (MS). A petroleira informou este mês a rescisão do contrato com o Consórcio UFN3, formado pela empresa chinesa Sinopec e a brasileira Galvão Engenharia, "por descumprimento do contrato". Segundo a Petrobras, as obras de construção da UFN III encontram-se 82% concluídas.
A estatal informou, em nota, que a adoção da medida cautelar, em caráter preventivo, tem por finalidade resguardar a petroleira e suas parceiras de danos de "difícil reparação financeira" e de prejuízos à sua imagem. A ação foi tomada após ter acesso ao conteúdo da delação premiada do ex-diretor de Abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa, e dos depoimentos do doleiro Alberto Yousseff e dos executivos da Toyo Setal, Augusto Mendonça Neto e Julio Camargo.
A Petrobras esclareceu, ainda, que o bloqueio cautelar não se confunde com a sanção definitiva, que ainda depende dos resultados de análises conduzidas em processos administrativos. De acordo com o Manual da Petrobras para Contratação, a petroleira pode aplicar sanções administrativas às empresas que com ela negociem e pratiquem atos ilícitos lesivos à companhia. Entre as sanções previstas, a estatal pode, considerado o a gravidade do ato praticado, aplicar advertência, suspensão de participar de licitações da Petrobras pelo prazo máximo de dois anos, multa ou proibição de participar de licitações do Sistema Petrobras.
Na terça-feira, dia seguinte ao anúncio do bloqueio, nem todas as empresas haviam sido notificadas pela estatal. A nota não especificou qualquer prazo para que elas apresentassem resposta sobre a decisão. Algumas empresas notificadas, contudo, confirmaram ter recebido comunicado que estipulava um prazo de 15 dias, mas sem especificar se era de dias úteis ou corridos. Dentre elas, Galvão e Tomé. Na tarde do mesmo dia, Odebrecht, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa informaram que ainda não haviam sido notificadas.
Caso a Petrobras opte pelo afastamento definitivo das empresas, a tendência é de mudanças no perfil da cadeia de fornecedores da indústria de óleo e gás. A própria petroleira admite recorrer a fornecedores internacionais para dar continuidade ao seu plano de investimentos.
"A Petrobras buscará fornecedores de bens e serviços de forma a garantir procedimentos competitivos, visando contratar as melhores condições para a companhia. Isso poderá, eventualmente, envolver empresas estrangeiras. Quanto ao conteúdo local, caso se constate algum obstáculo ao cumprimento das metas, a Petrobras buscará alternativas para a solução da questão", informou, em nota.
Fontes do setor afirmam que o afastamento das grandes empreiteiras deve abrir espaço, sobretudo, para a associação entre empresas de médio porte e com empreiteiras estrangeiras. "Existe uma tendência de nacionalização de empresas com atuação mais regional e de entrada de estrangeiras em sociedade com essas empresas brasileiras de médio porte", comentou uma fonte do setor de engenharia industrial.
De acordo com um executivo de uma grande empreiteira brasileira, existe uma avaliação no mercado de que o afastamento das empreiteiras envolvidas na Lava-Jato pode facilitar a entrada no Brasil, sobretudo, de empresas americanas, mas também chinesas, como a Sinopec, que já atua no país.
Fonte: Valor Econômico/André Ramalho, Francisco Góes e Rodrigo Polito | Do Rio
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