A crise financeira e a retração dos mercados mundiais dificultam as negociações de abertura comercial e podem levar os governos a usarem a Organização Mundial de Comércio (OMC) para forçar a liberalização ou legitimar novas barreiras ao comércio. É o que pensam as autoridades brasileiras, que, para enfrentar o novo cenário comercial global, decidiram reforçar a capacidade do setor público para lidar com disputas comerciais e com a pressão para conquista de mercados para produtos brasileiros. O reforço da ação internacional do Brasil, na promoção comercial e nas disputas internacionais foi detalhado ontem pelo ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota.
"A crise tem incidido negativamente sobre as perspectivas de negociações multilaterais", reconheceu Patriota, ao participar da abertura de seminário para comemorar os dez anos de criação da Coordenação Geral de Contenciosos no Itamaraty, motivada pela disputa entre Brasil e Canadá em torno de subsídios à indústria de aviação civil.
Com a crise, ficou ainda mais difícil a conclusão da Rodada Doha, de liberalização comercial, que terá seu futuro discutido em 16 de dezembro pelos ministros dos países da OMC. "Não há nada que se possa esperar de peso dessa reunião ministerial", disse o subsecretário-geral para Assuntos Econômicos Tecnológicos e de Comércio do Itamaraty, Waldemar Carneiro Leão, um dos mais experientes negociadores brasileiros. "Temos a crise, as assimetrias cambiais, uma série de fatores que podem levar à intensificação dos litígios na OMC", previu o embaixador do Brasil em Genebra, Roberto Azevedo.
Patriota anunciou, como estratégia do governo, iniciativas para aumentar o quantidade e qualidade de funcionários públicos envolvidos com as negociações internacionais e as disputas comerciais. A primeira delas foi dobrar o número de diplomatas da coordenação de contenciosos em Brasília (de quatro para oito, número ainda reduzido, em comparação com o de países como os Estados Unidos, onde os técnicos da área se contam às dezenas).
O ministro anunciou, ainda, um acordo para dar treinamento em negociações internacionais e contenciosos a integrantes da Advocacia-Geral da União e a inclusão no currículo de formação de diplomatas da disciplina "OMC e Contenciosos". Com técnicos de outros ministérios, Patriota disse pretender oferecer treinamento especializado nas missões de Genebra e Washington e em Brasília.
As embaixadas nos países de maior interesse comercial para o Brasil vão, ainda, elaborar estudos analíticos sobre as barreiras comerciais aos produtos brasileiros. "Isso permitirá que os diplomatas atuem de maneira mais informada na defesa de interesses comerciais brasileiros específicos", argumentou o ministro.
O contrato de um dos dois escritórios de advocacia de Washington que representam o Brasil nas disputas comerciais vencerá neste ano e a licitação para substituí-lo incluirá a exigência de associação com um escritório brasileiro, para estimular a formação de capacidade nacional e acumulação de experiência nessa área.
Patriota anunciou ainda medidas para reforçar as atividades de promoção comercial do país no exterior. O governo pretende ampliar a participação do departamento de promoção comercial do Itamaraty em feiras no exterior, de 130 em 2010 para 190 em 2015, e no Brasil, de 12 para 25 no mesmo período, pretende contratar cem estudos sobre investimento e comércio em mercados potenciais, e expandir, em quatro anos, o número de setores de promoção comercial, das atuais cem unidades em 78 países para 134 unidades em 101 países.
O governo criou uma força-tarefa especial para lidar com a China, segundo explicou Patriota, especialmente para buscar o aumento do valor agregado das vendas brasileiras ao país asiático, hoje o principal parceiro comercial do Brasil. Os diplomatas receberão treinamento especial sobre agronegócio. "Para assegurar que a diplomacia estará apta a lidar com os desafios dos produtos agropecuários", segundo Patriota, haverá um esforço especial em 25 países prioritários. Entre as iniciativas para o setor privado, o governo deverá ampliar o cadastro de importadores de produtos brasileiros registrados na rede BrasilGlobalNet, de 46,7 mil empresas para quase 65,5 mil.
Fonte: Valor Econômico
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