Duas explosões simultâneas, a do câmbio e a do coronavírus, estão levando empresas a ampliar o processo de nacionalização de matérias-primas e componentes. A intenção é escapar das importações que estão mais caras diante da valorização de 25% do dólar desde o início da pandemia, da dependência de poucos fabricantes globais e da escassez de produtos de combate à covid-19 por causa da alta demanda mundial.
Diante da falta generalizada de álcool gel, usado para evitar a disseminação da covid-19, a Klabin, fabricante de papéis para embalagens, desenvolveu um espessante em substituição ao carbopol, matéria-prima derivada do petróleo que transforma o álcool líquido em gel. O produto era 100% importado da China e, além da escassez, teve significativo reajuste de preço.
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O novo produto é extraído da madeira e foi desenvolvido em apenas duas semanas numa parceria da Klabin com o Instituto Senai de Inovação e com a indústria de cosméticos Apoteka, que produzirá o álcool gel em sua fábrica de Leme (SP).
“Conseguimos, num momento crítico para nós e para o mundo, um substituto do carbopol derivado da microfibra celulósica extraída de nossas florestas o que é muito bom em termos de sustentabilidade pois é um produto renovável”, afirma Carlos Augusto do Amaral Santos, gerente corporativo de P&D da Klabin. A empresa já entrou com pedido de patente.
O novo espessante também tem outras aplicações, como em fórmulas de cosméticos e na própria produção de papel. “Isso abre uma possibilidade grande de mercado interno e, no futuro, de exportar, dependendo da nossa estratégia”, diz Santos.
O economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, acredita que haverá algumas mudanças substanciais no País. Para ele, as empresas vão ampliar o número de fornecedores para diminuir a dependência de fabricantes externos.
“A reconversão das plantas (para produção de equipamentos médicos, por exemplo) mostra que temos competência industrial para voltar a produzir e reduzir alguns gargalos”, diz.
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, a crise atual escancarou a vulnerabilidade do País em relação ao mercado internacional. “Quando o problema surgiu na China, em pouco tempo sofremos com a falta de peças. Esse nível de dependência de componentes eletrônicos cria uma situação grave.”
Ele acredita que o Brasil tem oportunidade de retomar a nacionalização da sua indústria, mas, para isso, as empresas precisam ser competitivas e, além de atender o mercado interno, também exportar. E isso, diz ele, só será possível com as reformas tributária e administrativa.
A ZF, fabricante de transmissões para veículos comerciais, diz que, mesmo em home office, seu pessoal está buscando identificar potenciais fornecedores locais que atendam os níveis de tecnologia de seus produtos.
“Este trabalho tem apoio dos nossos clientes pois, além de reduzir a exposição cambial, minimiza riscos logísticos ante a fragilidade demonstrada por esta pandemia, para não depender de um único fornecedor, principalmente distante e de ação limitada”, afirma Silvio Furtado, diretor da ZF América do Sul.
Cooperativa
O presidente da Volkswagen na América Latina, Pablo Di Si, afirma que a empresa já vinha acelerando projetos de nacionalização de peças em razão da alta do dólar. Com a pandemia o processo passa a ser estratégico, e não só no Brasil.
Di Si admite os planos podem ser atrasados porque as empresas vão sair da pandemia sem caixa para investimentos. Ele sugere a criação de uma cooperativa entre as associações de montadoras e de fornecedores (Anfavea e Sindipeças).
O executivo afirma que a Volkswagen vai introduzir no seu próximo lançamento, o SUV Nivus, uma central de multimídia, chamada de VW Play, desenvolvida no País, assim como o carro. “A tela do sistema (de 10 polegadas) virá da Coreia, mas tenho certeza de que temos competência de produzir no Brasil e utilizá-la no setor automotivo e em outros setores.” Ele cita ainda como passíveis de nacionalização peças para motores e para airbags.
Um dos critérios a ser avaliado nos pós-pandemia é se vale a pena pagar um pouco mais por um produto nacional para não depender de um só fornecedor, afirma o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. “Acredito que um pedaço da lógica de que se compra porque é mais barato – ainda que seja do outro lado do mundo –, vai mudar, e não é só para o Brasil.”
Ele vê oportunidades para fabricantes brasileiros desde que, utilizando tecnologia moderna, consigam fazer algo com custo competitivo. Ele também avalia que qualquer nacionalização será bem vinda, desde que as empresas não recorram a dinheiro do governo. “Tem de ser uma iniciativa do setor privado, que selecione itens que poderão ser feitos sem necessidade de subsídio.”
Fonte: Estadão