Duas decisões tomadas na sexta-feira pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) - órgão que cuida de ações anticoncorrenciais no país - causaram preocupações dentro da Usiminas e entre seus principais acionistas. Um parecer da procuradoria da autarquia e um despacho de seu presidente, no mesmo dia, permitem que a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) eleja dois representantes no conselho de administração da empresa mineira na assembleia (AGO) que vai ocorrer na quinta-feira, dia 28.
O parecer do procurador do Cade, Victor Rufino, que será submetido ao plenário do órgão na quarta-feira, é favorável à flexibilização das restrições impostas à CSN desde 2012. Congelou seus direitos políticos na Usiminas, a proibiu de indicar conselheiros e exigiu que vendesse suas ações num determinado período.
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O despacho do presidente do Cade, Vinícius Marques de Carvalho, proferido no fim da tarde de sexta-feira - que valerá como voto antecipado no plenário de conselheiros do órgão - é favorável à CSN. Com isso, Carvalho vota pelo direito da concorrente da Usiminas de ter dois nomes no conselho administrativo e um terceiro no conselho fiscal.
Segundo apurou o Valor com pessoas próximas da Usiminas e de seus acionistas, nada mudou no cenário do setor nos últimos anos - muito pelo contrário - que leve o Cade a permitir a CSN ter representantes em seu conselho num momentos muito difícil da empresa. Ela está finalizando um aumento de capital de R$ 1 bilhão, está negociando a rolagem de sua dívida com nove bancos e na AGO terá a eleição de um novo presidente para seu conselho.
A CSN é concorrente direta da Usiminas no mercado de aços planos há 25 anos, desde que foi privatizada. Ela detém, desde 2011, o equivalente a 17% do capital total da empresa mineira - 14,1% de ações ON e 20,7% de PN. Por isso, encontra-se com seus direitos políticos congelados pelo Cade, que buscou, na época, preservar a livre concorrência entre as duas empresas no mercado brasileiro.
Em 2014, a CSN firmou com o órgão antitruste um Termo de Compromisso de Desempenho, o qual reforçou a restrição ao exercício de seus direitos políticos e de indicação de conselheiros.
Recentemente, a siderúrgica comandada pelo empresário Benjamin Steinbruch foi ao Cade pedindo a flexibilização desse termo, argumentando que a concorrente passa por uma situação financeira difícil, com deterioração de seus desempenho e ainda enfrenta uma disputa entre seus acionistas controladores, o que pode agravar ainda mais sua recuperação.
A CSN, que investiu cerca de R$ 3 bilhões na compra das ações, alegou temer por mais depreciação do capital de acionistas minoritários e de seu próprio investimento. No pleito ao Cade requer poder de fiscalização por meio de representantes com a grife de independentes, sem vínculo com ela e com a Usiminas.
Por isso, indicou Gesner de Oliveira (da GO Associados), Ricardo Weiss (ex- Anglo American e Camargo Corrêa) às vagas de conselheiros. Além deles, Wagner Mar e Derci Alcântara, o primeiro para o conselho fiscal.
Para um interlocutor, não importa se são independentes ou não ou se vão assinar termos de compromisso com o Cade. O que pesa é que são indicados pela concorrente direta da Usiminas, a qual tentou, por duas vez, barrar seu aumento de capital via ações liminares, uma delas em segredo de Justiça. "Com isso, onde está seu dever fiduciário de minoritário para com a empresa?", disse.
Segundo a assessoria do Cade, o despacho de Carvalho visou garantir que a CSN pudesse participar da AGO, uma vez que a eleição em voto múltiplo requer 48 horas de antecedência para indicação de nomes. Todavia, ressaltou que a participação da CSN na assembleia dependerá do resultado do plenário, na quarta-feira.
Se a maioria, três votos pelo menos, for contrária ao pleito da CSN, mantendo seus direitos restritos na concorrente, a empresa não poderá votar na AGO.
A reunião do colegiado contará com a presença de quatro conselheiros, de um total de sete que votam, incluindo o presidente. Carvalho viajou para Cingapura, onde foi representar o órgão em um evento. Ele foi acompanhado do conselheiro Paulo Burnier, que não antecipou voto, como fez Carvalho no despacho. Gilvandro Araújo vai se declarar impedido no caso, por já ter no passado se manifestado como procurador.
Ou seja, a reunião do colegiado já começa com o placar de 1 x 0 para a CSN, que promete não ter nenhuma interferência no que tange a assuntos que envolvam concorrência das duas empresas.
Uma fonte ouvida pelo Valor apontou que a independência dos conselheiros levados pela CSN ao Cade pode ser polêmica. Gesner Oliveira, por exemplo, trabalhou para Steinbruch como consultor no caso da disputa que teve com a Vale pelos direitos de exploração da mina de ferro Casa de Pedra, em 2005. A siderúrgica saiu vencedora no colegiado do Cade.
Avalia-se que o Cade se dobrou à pressão da CSN e que, ao mudar uma decisão tomada no passado para preservar a concorrência, vai abalar a confiança que há nas instituições regulatórias do Brasil.
Em comunicado ao mercado, a Usiminas disse que vai recorrer ao tribunal do órgão. O Valor apurou que acionistas, que preferiram não se manifestar, estudam medidas.
Fonte: Valor Econômico/Ivo Ribeiro | De São Paulo