A aprovação pelo Congresso da nova Lei de Defesa da Concorrência transborda o microcosmo dessa política pública e alcança a agenda de desenvolvimento do país, na dimensão pública e no que diz respeito ao ambiente de negócios.
Em 1994, quando da promulgação da atual lei de Defesa da Concorrência, o país escolhia os modelos de políticas públicas de intervenção sobre a economia. Esse período foi marcado por alterações na Constituição de 1988 que visavam adequar a disciplina constitucional a uma intervenção moderada sobre a economia. Após um período de forte intervenção do Estado, com mecanismos de controle de preços e atuação direta por meio de empresas públicas, na tradicional metáfora, o pêndulo passou a pender para o mercado, eleito como ambiente capaz de selecionar produtos e agentes. O Estado procurava deixar de ser um provedor direto para fiscalizar as atividades dos particulares.
Nesse contexto, ocorreram as privatizações de empresas públicas, desenvolveram-se políticas setoriais de controle de alguns mercados específicos - adotando-se o modelo de agências, com instituições como Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) - e uma política de defesa da concorrência geral, aplicável a todos os setores. Essa política tem como finalidade buscar assegurar que o processo competitivo entre os agentes econômicos não seja obstado por mudanças em sua estrutura (como no caso de fusões e aquisições) ou por comportamentos dos agentes (como no caso de um cartel). Assim, a política de defesa da concorrência aposta na intervenção do Estado para manutenção do processo competitivo, que seria um meio eficiente de garantir aos consumidores preços baixos, qualidade dos produtos e inovação.
Desenvolvimento do ambiente de negócios no Brasil exigia uma melhora da análise de fusões e aquisições
Essa nítida racionalidade da política de defesa da concorrência já marcava a Lei de 1994. No entanto, as ferramentas e instituições traçadas para alcançar essa finalidade eram, em certa medida, ainda experimentais. A política de defesa da concorrência iniciava-se efetivamente no Brasil naquele período (a despeito de existir formalmente desde a década de 1960), e era necessário experimentar, evoluir e consolidar. A qualificação "experimental" não contém nenhum demérito às instituições e agentes que integraram a trajetória dessa política. Ao contrário, reforça seus êxitos: mesmo com um arranjo institucional complexo e instrumentos de ação às vezes não tão precisos, a defesa da concorrência no Brasil se desenvolveu e se consolidou como uma política a ser levada a sério pela iniciativa privada e pelo próprio governo. No jargão popular, trata-se de lei que "pegou".
Na dimensão pública, a política de defesa da concorrência demonstrou que pode minimizar prejuízos aos consumidores e, ao mesmo tempo, conviver com a realidade de um país em desenvolvimento, em que a atuação estatal em certos mercados para fomento de algumas atividades e atração de investimentos é essencial. Assim, ela sinalizou que concorrência não se defende por si mesma, mas somente enquanto beneficiar os consumidores. Se um monopólio for mais benéfico aos consumidores (ou seja, apresentar eficiências líquidas), ele não será um problema para a defesa da concorrência.
Na dimensão privada, o desenvolvimento da política de defesa da concorrência se coaduna com esforços para aperfeiçoamento das instituições jurídicas, mediante, por exemplo, o aprimoramento de institutos contratuais, instituições judiciárias e formas de coerção civil. A defesa da concorrência consolidou-se como parte integrante do ambiente de negócios, e angariou o respeito dos empresários à medida que foi capaz de se mostrar previsível, técnica em suas decisões e capaz de compreender que concorrência não se dá somente em preço, mas também pela geração de inovação.
Assim, a política de defesa da concorrência foi posta à prova e a edição da nova lei atesta o sucesso das últimas duas décadas de contínuo aprendizado institucional: a racionalidade da atuação se firmou, as ferramentas de ação foram remodeladas para garantir maior vigor e as instituições foram rearranjadas para que sejam mais eficientes e se coadunem com o Brasil de hoje.
E mais, a nova disciplina legal garante um local para a política de defesa da concorrência no contexto de desenvolvimento da agenda pública de intervenção sobre a economia e do ambiente de negócios. Na dimensão pública, isso fica evidente pela reforma das instituições, com a concentração das atividades de investigação em um só órgão, o "Novo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)", e a melhor dotação desse órgão, com a contratação de mais funcionários. Na dimensão privada, a análise prévia de atos de concentração é representativa.
Todo e qualquer ato ou contrato que possa alterar a estrutura de mercados deve ser submetido ao Cade. Atualmente, as transações podem ser concluídas e depois apresentadas para aprovação, o que gera insegurança jurídica em razão da possibilidade de desfazimento do negócio e dá margem a casos de impossibilidade de reversão de uma transação ao final da análise, já que em razão de uma transação as empresas podem ter demitido funcionários, descontinuado unidades ou marcas.
O desenvolvimento do ambiente de negócios no Brasil exigia um aperfeiçoamento da análise de fusões e aquisições: seguindo as práticas de países desenvolvidos, a nova lei estabelece que as transações deverão ser aprovadas antes de sua conclusão (controle prévio) e confere ao Cade uma dinâmica e estrutura que visam acelerar a análise. Assim, pretende-se conferir maior dinamismo ao ambiente negocial, incrementando a segurança jurídica e tornando mais efetiva a defesa da concorrência.
Um passo fundamental é dado com a nova lei. O aprimoramento dessa política, no entanto, dependerá ainda da contratação dos funcionários prevista na lei e do aperfeiçoamento do diálogo entre as autoridades de defesa da concorrência, dos empresários, dos advogados e economistas especializados, enfim, dos agentes envolvidos nesse contínuo processo de aprendizado, para que a nova disciplina efetivamente alcance os objetivos propostos.
Fonte: Valor Econômico/Por José Del Chiaro e Ademir Antonio Pereira Jr
PUBLICIDADE