Poucas estradas chegam até essa vila de pescadores nas praias do leste da África. Há falta de água potável e eletricidade. Cobras venenosas, mosquitos transmissores da malária e rebeldes armados são alguns dos perigos da região. Mas é aqui que a Anadarko Petroleum Corp. quer construir um dos maiores projetos já idealizados por uma empresa ocidental de energia. Ela se comprometeu a construir prédios com ar condicionado, uma pista de pouso e um porto - e realocar quase 3.000 habitantes da vila que hoje moram em casas de barro. A procura por petróleo tem levado empresas a lugares remotos ao longo da história da indústria petrolífera. Mas a Anadarko não está aqui pelo ouro negro. A empresa americana está atrás de algo mais abundante, embora menos lucrativo: gás natural localizado a cerca de 50 quilômetros mar adentro. "Petróleo é provavelmente mais fácil", diz Don MacLiver, o executivo responsável pelo desenvolvimento do projeto em Moçambique.
Mas como muitas empresas, a Anadarko atua conforme as oportunidades disponíveis. Entre elas, diz ele, estão as "grandes descobertas de gás natural em regiões remotas". Esse é o desafio para muitas das principais empresas de energia: o gás natural, não o petróleo, representa cerca de 65% das reservas encontradas nos últimos dez anos, segundo a consultoria IHC Inc. E muitas das maiores descobertas são em lugares bem longe de casa. O projeto em Moçambique, que já consumiu US$ 1 bilhão em investimentos da Anadarko até agora, está entre as iniciativas mais extremas para transformar essas descobertas em energia comercializável. Com os consumidores tão longe dali, a Anadarko planeja construir uma espécie de freezer gigante para resfriar o gás à temperatura da lua incrustrada de gelo que orbita Júpiter. O processo converte gás em estado líquido, assim ele pode ser transportado em tanques refrigerados pelo mar, como o petróleo. Exportar este combustível gera um fluxo de caixa mais estável e duradouro que a extração de petróleo, mas sem a grande margem de lucro do petróleo bruto.
Outras grandes petrolíferas estão trabalhando em projetos similares, como a italiana Eni SpA, a britânica BG Group e a norueguesa Statoil ASA. Muitos analistas estimam que a demanda global por gás natural liquefeito, ou GNL, irá dobrar em 20 anos, impulsionada pelo crescimento rápido das economias asiáticas. A demanda europeia pelo gás importado por vias marítimas também cresce à medida que o bloco busca alternativas ao gás importado da Rússia. A aposta da Anadarko em Moçambique é particularmente ousada. Com um valor de mercado de US$ 54,9 bilhões, ela se tornará a primeira petrolífera americana de seu porte a explorar, liquefazer e exportar gás. Tais projetos costumavam ser dominados por gigantes como a Exxon Mobil Corp. e Royal Dutch Shell PLC, que superam em 30 vezes o faturamento da Anadarko.
O valor estimado para perfurar os poços e construir as duas fábricas iniciais para resfriar o gás em Palma - de US$ 16 bilhões - é maior que o produto interno bruto de Moçambique em 2013, de US$ 15,3 bilhões. Com uma fatia de 26,5%, a participação da Anadarko nos custos seria de cerca de US$ 4,2 bilhões. A empresa tem planos ainda mais ambiciosos. Nas próximas décadas, ela pretende construir até 14 fábricas refrigeradas aqui, diz MacLiver, o executivo da Anadarko. Tal escala pode rivalizar com o maior centro mundial de exportação de gás liquefeito, que fica no Catar. Mas o custo pode crescer consideravelmente. Desde 2000, o custo de construção de projetos de GNL mais que triplicou, de acordo com a consultoria Merlin Advisors LLC. O GNL é tão caro que a Anadarko e seus sócios não entrariam no negócio sem alguma garantia de lucratividade.
Atualmente, eles tentam fechar acordos com compradores asiáticos para cerca de 60% do GNL, em contratos que podem durar décadas. Até o momento, contudo, o consórcio - que inclui empresas do Japão, Tailândia e a estatal de energia de Moçambique - anunciou apenas tentativas de acordos preliminares. "Estamos noivos e conversando sobre o casamento", disse em maio o diretor-presidente da Anadarko, Al Walker, sobre os acordos. Os contratos finais deixariam cerca de 40% de GNL para ser vendido no mercado livre. A Anadarko deve decidir sobre os próximos passos do projeto apenas em 2015. O objetivo é começar a vender GNL em 2019 - meta considerada ambiciosa demais por muitos analistas. Enquanto isso, os desafios permanecem. Palma está entre as regiões menos desenvolvidas da antiga colônia portuguesa. Mesmo hoje, as mulheres carregam baldes na cabeça para transportar água das bicas coletivas para casa. Os pescadores trabalham em pequenos barcos de madeira e secam os peixes na praia, em redes suspensas.
Mas a descoberta de gás natural em 2010 já começou a dar sinais visíveis de melhora na vida dos habitantes da região. Homens em bicicleta agora compartilham a estrada com grandes camionetes com a logomarca da Anadarko. "O gás é uma promessa de desenvolvimento", diz Abdul Razak Noormahomed, o viceministro de Recursos Minerais de Moçambique. O governo, diz ele, quer que parte do gás permaneça no país para impulsionar o desenvolvimento industrial. Ao contrário dos planos de exportação da Anadarko, uma empresa brasileira quer produzir energia em Moçambique para que seja utilizada no desenvolvimento sustentável do país. A usina Guarani, parceria entre a cooperativa francesa de commodities Tereos e a Petrobras Biocombustível, já produz açúcar a partir de cana-de-açúcar no país desde 2007 e se prepara para produzir etanol. No fim de 2011, um protocolo de intenções foi assinado, em Maputo, capital de Moçambique, entre a Petrobras Biocombustível, a Guarani e a Petróleos Moçambique para a produção e comercialização de etanol no país africano.
Segundo pessoas a par do assunto, o protocolo de intenções deve se transformar em parceria assim que o governo local introduzir a mistura de 10% de etanol na gasolina. Na época do anúncio do protocolo, a Petrobras Biocombustível estimou os investimentos na iniciativa em US$ 20 milhões. A expectativa é de que a produção de cana-de-açúcar da Guarani em Moçambique atinja 550.000 toneladas na safra atual comparado com 470.000 toneladas da anterior, segundo balanço financeiro divulgado ontem pela Tereos, controladora da Guarani. De acordo com o documento, a receita líquida no primeiro trimestre das operações na África e no Oceano Índico, onde a unidade de Moçambique está incluída, ficou em R$ 190 milhões, praticamente estável. (Colaborou Eduardo Magossi.)
Fonte:Valor Econômico\Devon Maylie e Daniel Gilbert | The Wall Street Journal, de Palma, Moçambique
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