O Ministério da Infraestrutura e a Rumo, operadora de ferrovias controlada pelo empresário Rubens Ometto, divergem sobre os caminhos legais para a extensão da Malha Norte em cerca de 600 quilômetros. O projeto consiste no prolongamento da estrada de ferro que hoje termina em Rondonópolis, localizado no sul de Mato Grosso e onde a companhia tem um grande terminal de cargas, até Lucas do Rio Verde, bem no “coração” agrícola do Estado.
Na semana passada, Ometto e o ministro Tarcísio Freitas voltaram a conversar sobre o projeto - mas ainda guardam diferenças frontais sobre a opção preferencial para viabilizá-lo. O “plano A” da Rumo é fazer um aditivo contratual à concessão da Malha Norte, que tem validade até 2079, com base em pedido apresentado à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e sem avanços palpáveis em sua tramitação.
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Tarcísio rejeita esse caminho legal. Para o ministro, é inviável construir um trecho ferroviário tão extenso sem fazer nova licitação. Ele acredita que um aditivo seria contestado no Tribunal de Contas da União (TCU) e possivelmente judicializado por empresas interessadas na operação.
A Lei 13.448, de 2017, dá suporte para que concessões de ferrovias tenham novos trechos ou ramais “com a extensão necessária para atender polos geradores de carga”. No entanto, há um adendo que pode gerar contestações judiciais em casos como o da Malha Norte: a concessionária “deverá demonstrar, em relação ao novo trecho, a inexiquibilidade econômica de sua exploração segregada do contrato de parceria”. Em um projeto como esse, o entendimento do ministério é que não faltariam investidores para esse segmento “segregado”.
A Ferronorte (depois rebatizada como Malha Norte pela Rumo), construída pelo empresário Olacyr de Moraes (1931-2015), tem hoje 755 quilômetros em bitola larga. À época, o maior produtor individual de soja do planeta, Olacyr dedicou-se à implantação dos 500 quilômetros iniciais da ferrovia nos anos 1990, entre Santa Fé do Sul (SP) e Alto Araguaia (MT).
Depois, nos governos Lula e Dilma Rousseff, o contrato original foi renegociado. A ALL, então dona da malha, fez a extensão até Rondonópolis. Esse corredor ferroviário se une à Malha Paulista, que teve sua concessão recém-prorrogada em troca de investimentos bilionários no aumento da capacidade, e deságua no Porto de Santos (SP). Cada trem cheio de grãos tira até 240 caminhões das rodovias.
Apesar das objeções ao aditivo contratual da Malha Norte, como concessão, Tarcísio apoia o projeto e oferece uma alternativa para tirá-lo do papel. Ele prometeu a Ometto que, se o novo marco legal das ferrovias (PLS 261) for aprovado no Congresso, a Rumo receberá dele o primeiro ato de autorização do governo para ferrovias operando sob esse regime.
O projeto de lei nº 261, apresentado por José Serra (PSDB-SP) em 2018, está em reta final de tramitação no Senado. Ele prevê que, à semelhança das regras em vigência no setor portuário, novas ferrovias possam ser construídas mediante autorização - por conta e risco do investidor, com regulação bem mais suave do que o sistema de concessões.
Na avaliação do ministro, o prolongamento da Malha Norte se encaixa perfeitamente para o trajeto Rondonópolis-Lucas do Rio Verde. Fontes próximas à Rumo manifestam contrariedade. Para esses interlocutores da empresa, a convivência de dois sistemas em um mesmo corredor pode gerar insegurança dos investidores. Além disso, temem que haja dificuldade em levantar o capital necessário no mercado financeiro para bancar as obras, já que outros ramais poderão ser construídos no futuro na mesma área de influência - também pelo regime de autorização - e “roubar” carga da Malha Norte.
Por meio de suas assessorias, os dois lados confirmaram suas preferências para viabilizar as obras da extensão ferroviária. “O Ministério da Infraestrutura entende como estratégica e oportuna a expansão da linha da Ferronorte até Lucas do Rio Verde e deve trabalhar em favor de viabilizar sua execução, compreendendo que a extensão pela autorização, nos termos do PLS 261/18, é o caminho mais célere e seguro para sua implantação imediata”, disse a pasta, por meio de nota.
Procurada pelo Valor, a assessoria da Rumo respondeu: “A Ferronorte é a única ferrovia greenfield [feita do zero] do Brasil, construída integralmente pela iniciativa privada. Por isso, a construção de novos segmentos ferroviários dentro de sua área de influência é uma previsão explícita contida em seu objeto contratual. Do ponto de vista jurídico e regulatório, a extensão pode ser feita dentro do arcabouço vigente através do contrato original, havendo inclusive precedentes claros no setor, aplicados a contratos mais restritivos que o da Ferronorte”.
“Não obstante, é sabido que está em curso a discussão de novo arcabouço [...] que visa instituir as autorizações no setor”, completou a assessoria da empresa. “A Rumo não vê óbices na introdução dessa modalidade, que pode vir a ser um instituto moderno, com potencial para reduzir o fardo regulatório sobre as operações, caso o arcabouço seja bem construído. Bem como considera, caso venha de fato a existir a nova modalidade, utilizá-la para realizar seus projetos.”
Apesar do conflito sobre o projeto na Malha Norte, que alguns chegam a avaliar em até R$ 10 bilhões, Tarcísio e Ometto mantêm relação bastante cordial - em público e em privado. No dia 4, em cerimônia de inauguração de um trecho da Norte-Sul, o ministro disse que o empresário já “entrou para a história” e o comparou a outros grandes empreendedores ferroviários, como o Barão de Mauá.
Fonte: Valor