Diplomatas do Itamaraty já prepararam a exposição de motivos para que o Congresso aprove as novas regras de eficiência energética para navios de bandeira brasileira. O documento está circulando por vários ministérios. Quando todos aprovarem, seguirá para a Casa Civil e de lá para a aprovação do Congresso. A Marinha poderá, então, dar seu aval aos navios que estiverem de acordo com as novas regras internacionais de redução de gases-estufa. A partir daí o estranho limbo burocrático em que os navios brasileiros navegam desde janeiro estará desfeito.
Há uma explicação técnica e uma política para o imbróglio. A técnica é um procedimento jurídico. Quando o resultado de alguma negociação internacional é uma emenda a uma convenção da qual o Brasil é signatário, a modificação tem que ser aprovada pelo Congresso Nacional. É a Constituição que prevê esse caminho para a "internalização" de regras internacionais. No caso das medidas para redução de gases-estufa dos navios, trata-se de uma emenda ao Anexo VI da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, de 1973, conhecida por Marpol. O tal anexo trata da poluição do ar produzida pelos navios.
Em julho de 2011, em reunião da International Maritime Organization (IMO), organização ligada às Nações Unidas e que trata de assuntos técnicos do transporte marítimo, votou-se uma emenda à Marpol que tornava obrigatório a todos os navios a adoção de novos procedimentos operacionais e técnicos sobre eficiência energética e redução na emissão de gases-estufa. 49 países votaram a favor e cinco contra: China, Chile, Brasil, Kuait e Arábia Saudita. Índia, África do Sul, Cuba e outros países se opuseram, mas não podiam votar no tema e a regra passou. Essa é a confusão política.
Um estudo da IMO estima que os navios emitiram mais de 1 bilhão de toneladas de CO2 em 2007, o que significa 3,3% de todas as emissões de gases-estufa do mundo. Nessa conta estariam todas as embarcações - as que navegam em rios, as que circulam apenas em portos nacionais etc. O transporte marítimo, responsável por mais de 90% de todo o transporte de mercadorias ao redor do mundo, teria emitido 870 milhões de toneladas, ou 2,7% das emissões globais naquele ano. "O mundo estuda como controlar essas emissões há mais de 16 anos, antes até do Protocolo de Kyoto", diz Mark Lutes, especialista em mudanças climáticas do WWF Brasil. "E essas emissões estão crescendo." Estima-se que atualmente os navios respondam por 3% do volume global.
É difícil enquadrar a quem pertencem essas emissões - ao dono do navio ou ao país da bandeira, ao que exporta os bens ou àquele que os importa, às nações em sua rota ou aos portos onde atraca. Por isso, também é difícil equacionar o problema de maneira justa. O IMO é um dos fronts internacionais onde esse tema vem sendo discutido. Ali as decisões são aprovadas por maioria de votos. Muitos países em desenvolvimento não vão aos encontros e, na opinião dos diplomatas brasileiros, a IMO é dominada pelos países ricos.
Na visão da diplomacia brasileira, quando o tema é mudança do clima, o melhor fórum internacional é o das rodadas anuais sobre mudança climática, na convenção conhecida por UNFCCC. Ali, o jogo de forças é diferente. O mundo em desenvolvimento tem mais poder e as decisões são tomadas por consenso. Vale o princípio das Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas (CBDR, na sigla em inglês), tão caro ao bloco dos países em desenvolvimento. Por ele, todos os países têm responsabilidade pela mudança do clima, mas os países ricos têm mais. A eles cabe a maior fatia nessa conta, além do compromisso de transferir tecnologia e capacitar os outros. Isso não funciona na IMO.
Os diplomatas brasileiros não são contra a ideia de que os navios sejam mais eficientes e emitam menos, mas votaram contra a resolução porque ela seria universal, sem diferenciar barcos de países desenvolvidos daqueles em desenvolvimento. E também porque as medidas técnicas não vinham junto a um pacote de apoio financeiro e tecnológico. Esse impasse, na percepção do Itamaraty, está se desfazendo na IMO e eles esperam que na próxima reunião, em maio, em Londres, esses temas possam avançar na agenda. O Brasil vai sinalizar na IMO que está implementando as novas regras.
"As medidas de eficiência são muito importantes, mas não suficientes para controlar as emissões de transporte marítimo, que estão crescendo muito rápido", diz Lutes. "Para controlar o crescimento será necessário adotar medidas de mercado. Elas podem, por exemplo, colocar um preço nas emissões de carbono e criar incentivos para reduzir as emissões mais rápido", acredita. Para Lutes, se custar mais para emitir, o setor terá mais incentivo para adotar medidas de eficiência e reduzir emissões. Eventuais taxas podem significar "recursos para pesquisas e para acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias", diz. Mecanismos de mercado podem estar na pauta da próxima reunião da IMO.
Fonte: Valor Econômico/Daniela Chiaretti | De São Paulo
PUBLICIDADE