As tarifas para transportar commodities nos navios que abastecem as indústrias e alimentam as populações ao redor do mundo estão nas alturas, trazendo esperanças de uma mudança de maré para o assolado setor de navegação de produtos secos a granel.
A alta demanda chinesa por minério de ferro, um ingrediente-chave na produção de aço, a retomada da produção industrial no resto do mundo e os baixos investimentos em novas embarcações nos últimos anos resultaram em fortes altas nos preços para contratar embarcações de cargas secas a granel, que transportam matérias-primas não embaladas em grandes quantidades.
O índice Baltic Dry, que acompanha as tarifas dos três maiores tipos de embarcação, subiu para seu maior nível em mais de dez anos, com uma alta de 700% desde abril de 2020. As embarcações do tipo “capesize”, as maiores no mercado, com capacidade média de 180 mil toneladas de porte bruto, cobram US$ 41,5 mil por dia para contratação imediata, quase o dobro de 30 dias atrás e quase oito vezes mais que o preço médio de 2020, segundo a Clarksons Platou Securities.
A China e seu “apetite insaciável”
“O apetite insaciável da China por minério de ferro é o fator isolado mais importante”, disse Ulrik Uhrenfeldt Andersen, executivo-chefe da Golden Ocean, maior empresa dona de navios capesize entre as de capital aberto.
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O minério de ferro, uma fonte crucial de lucro para algumas das maiores mineradoras do mundo, chegou ao recorde de quase US$ 230 por tonelada nesta semana, depois de as usinas siderúrgicas chinesas aumentarem a produção para aproveitar os altos preços no mercado interno.
Esse aumento veio na esteira da imposição de restrições à produção em Tangshan, principal cidade siderúrgica da China, como parte de uma ofensiva do governo contra a poluição. Ainda assim, as medidas serviram apenas para reduzir a capacidade produtiva na cidade e elevar os preços internos, algo que as usinas em outras partes do país aproveitaram.
Uma série de outros fatores contribuiu para espremer o lado da oferta no mercado de navegação, desde as exportações recorde dos EUA de grãos para rações até a disputa comercial entre China e Austrália, que deixou embarcações com carvão e outros produtos paradas do lado de fora de portos do maior importador de commodities do mundo.
“As estrelas estão alinhadas para a carga seca a granel”, disse Lasse Kristoffesen, executivo-chefe da transportadora marítima norueguesa Torvald Klaveness.
Desde a crise financeira de 2008 e 2009, o setor vinha sofrendo com o excesso de capacidade de transporte, apesar do firme crescimento na demanda por matérias-primas. A queda nos mercados de commodities provocada pela pandemia da covid-19 em 2020 agravou a situação. Agora, no entanto, a demanda por matérias-primas teve um crescimento ainda maior com a recuperação da economia mundial, o que contribuiu para virar a sorte do setor.
Década perdida
“Foi uma década perdida para toda a navegação de commodities”, disse Kristofessen. “O mercado esteve deprimido e os retornos não foram suficientes, em grande medida pelo fato de que havíamos encomendado embarcações como se não houvesse amanhã. Levou dez anos para limpar isso do sistema.”
O setor mostra-se confiante de que os preços continuarão em alta neste ano. Petter Haugen, analista da Kepler Cheuvreux, considera possível que o frete dos navios capesize chegue a US$ 100 mil por dia no segundo semestre.
Analistas apontam como motivos para os altos preços as políticas fiscais para estimular o crescimento da economia, os esforços para reabastecer estoques esvaziados e a falta de novas embarcações entrando no mercado.
O setor, no entanto, se mostra dividido nas previsões sobre a possibilidade de que a onda de alta se torne uma tendência mais duradoura. A alta dos preços de várias commodities alimenta conversas quanto a um superciclo (um período prolongado de altas cotações), enquanto as grandes economias pisam no acelerador. O quadro gera especulações sobre até que ponto isso se disseminaria para as tarifas do setor de transporte marítimo de cargas secas a granel.
Joakim Hannisdahl, chefe de análises na Cleaves Securities, disse que as chances de um longo período de crescimento nos fretes parecem mais prováveis a cada mês que os proprietários de navios adiam a compra de novas embarcações.
“Desde que não tenhamos um novo ‘cisne negro’ no lado da demanda, isto poderia ser um superciclo que as pessoas recordarão por toda a vida”, disse, referindo-se a algum evento inesperado que possa ter grande impacto, como a pandemia.
Uma pequena alta no transporte naval de contêineres no quarto trimestre, antes da onda de retomada das remessas de cargas secas a granel, resultou em várias encomendas para os estaleiros navais, o que aumenta o tempo de espera para qualquer pedido de navio de carga a granel feito agora.
Fonte: Valor