Enquanto avançam os planos para retomar a atividade das empresas, cresce um temor entre os industriais brasileiros: o de o mundo ser “inundado” por produtos chineses a preço de liquidação. O tema foi levado ao ministro da Economia, Paulo Guedes, pelos integrantes da Coalizão da Indústria.
O problema está no radar também da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Com estoques chineses elevados e a demanda mundial baixa, a disputa no mercado internacional será ainda mais difícil para as empresas brasileiras. “Vai ser agressivo”, prevê o diretor de Desenvolvimento Industrial da entidade, Carlos Eduardo Abijaodi. “A China não é uma economia de mercado, pois as empresas contam com benefícios e subsídios.”
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“Estamos preocupados com a China voltando e nós, parados”, afirmou o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) Fernando Pimentel. “Corremos o risco de viver uma segunda pandemia.”
O comércio exterior, porém, será fundamental para as empresas brasileiras retomarem a atividade. “Não terá um afluxo de repente de pessoas indo ao shopping”, disse Abijaodi. “Isso demora um mês a dois, para a coisa ir caminhando devagarinho.” Sem poder desovar a produção no mercado interno, a saída estará nas exportações.
A concorrência mais acirrada ocorrerá num momento em que, com as economias enfraquecidas, os países tendem a adotar medidas protecionistas no comércio. Essa tendência preocupa organismos internacionais. Recentemente, o Brasil foi elogiado pelo Banco Mundial por facilitar a importação de produtos relacionados ao combate ao coronavírus.
Acordo China & EUA
Outro risco espera as empresas brasileiras na retomada: em função do acordo fechado entre os Estados Unidos e a China, o Brasil poderá perder fatias de seu comércio com a Ásia. Não é certo o que ocorrerá com o acordo no pós-pandemia, admitiu Abijaodi. Mas seu cumprimento, ainda que em parte, poderá trazer repercussões negativas para o Brasil.
Fechado em janeiro, o acordo pressupõe, no capítulo que trata do comércio, um incremento de US$ 200 bilhões nas importações, pela China, de produtos norte-americanos. “Muitos produtos vão interferir na pauta de exportações do Brasil”, afirmou. A base de comparação são as importações ocorridas em 2017. A meta deve ser atingida até 2021.
Estudo da CNI mostra que, dos produtos contemplados pelo acordo, o Brasil respondeu por 3% das importações realizadas pela China em 2017. Essas vendas geraram receitas de US$ 32,3 bilhões e representam 68,1% das exportações brasileiras para aquele país.
O Brasil fornece para a China 20% dos produtos agrícolas cobertos pelo acordo, sendo que o principal produto é a soja. As vendas alcançaram US$ 20,3 bilhões em 2017. Em energia, representada pelo petróleo, são 4% das importações.
Um integrante da equipe econômica comentou que é cedo para determinar se, retomando antes a produção, a China terá vantagem sobre seus principais concorrentes. Na visão do governo, é bem provável que se acelere o processo de troca da China como o principal fornecedor de insumos para as cadeias produtivas. Países do Sudeste asiático já a substituíram como pontos de produção a baixo custo.
“É uma oportunidade para o Brasil também”, acredita Abijaodi. As indústrias nacionais podem pleitear uma posição mais vantajosa nesse novo desenho das cadeias globais. “A indústria metal-mecânica pode fazer componentes”, exemplificou.
Mas, para se candidatar a essa nova posição e a novos investimentos, o Brasil precisa melhorar sua imagem, afirmou o diretor da CNI. Ele aponta para a questão ambiental e para a paralisia da agenda de reformas como exemplos. “Temos de acertar a nossa casa primeiro para dar oportunidade de crescimento e para que o comércio se estenda.”
Fonte: Estadão