Este ano a lei de crimes ambientais - Lei nº 9.605, de 1998 - completou 15 anos. Trata-se de uma data significativa para analisarmos, neste período, o que ela representou para a proteção do meio ambiente e qual o tratamento da doutrina e dos Tribunais sobre o tema.
Primeiramente, embora seja denominada "Lei de Crimes Ambientais" é importante lembrar que ela não trata só dos crimes, mas também das infrações administrativas praticadas contra o meio ambiente e é regulamentada pelo Decreto nº 6.514, de 2008.
A grande novidade na época de sua elaboração e publicação foi a regulamentação do artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988, o qual já preconizava a responsabilidade das pessoas jurídicas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitando-as à sanção penal e administrativa, independentemente da obrigação de reparar o dano causado.
Importante destacar que, tanto a Constituição Federal quanto a lei, não diferenciaram a pessoa jurídica de direito privado da de direito público. Inegavelmente, o tema da responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público, isto é, do Estado foi um dos aspectos que evolui nesse período e hoje já existe posicionamento firme no sentido de que o Estado pode sim ser responsabilizado criminalmente por delitos ambientais.
No tocante à estrutura da Lei nº 9.605, de 1998, vemos que embora muitos tipos penais previstos sejam abertos, e isto num primeiro momento tenha causado um certo desconforto aos penalistas ligados ao princípio da legalidade, na verdade, a opção do legislador, tendo em vista as peculiaridades do dano ambiental e sua punição, foi exatamente optar pelo modelo de redação de norma penal em branco e tipos abertos para abarcar uma gama maior de condutas consideradas potencialmente delituosas.
Assim, em muitos artigos, a lei descreveu a conduta de modo vago, dependendo de uma complementação que pode ser por outro dispositivo legal ou complementação emanada de outro poder.
Mais um ponto importante da lei diz respeito ao fato de que ela previu penas adaptadas à natureza jurídica do ente coletivo de modo que para a pessoa jurídica serão aplicadas penas específicas, tais como: multas, penas restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade.
Dessa forma, ainda que se possa destacar alguma incongruência nas penas aplicadas pela lei, em face de alguns dispositivos do Código Penal (por ex: punição maior para quem maltrata um animal do que uma pessoa), considerado a punição prevista nos diferentes tipos, a maioria das infrações penais pode levar à aplicação dos institutos da transação penal/ da suspensão do processo e da suspensão condicional da pena.
A Lei abriu importante caminho regulamentando uma série de tipos penais
Também as excludentes da antijuridicidade e da ilicitude podem ser aplicadas aos crimes ambientais e isso procura equilibrar, nos casos práticos, situações como a verdadeira ignorância do autor acerca do crime ambiental cometido e/ou a situação de estado de necessidade. Por exemplo o art. 37 da Lei nº 9.605, de 1998 descriminaliza o abate de animais para saciar a fome.
Destaca-se, ainda, que a lei é bem ampla na medida em que contempla uma pluralidade de autores e determina a punição de todo aquele que de qualquer forma concorre para a prática dos crimes por ela previstos, seja por ação ou mesmo por omissão.
Assim, é bom destacar que mesmo que nada tenham feito de efetivo para causar um dano ambiental se tomam ciência de uma conduta ambientalmente criminosa e nada fazem para barrá-la, poderão ser responsabilizados por um crime ambiental, por omissão, todos aqueles que figuram no art. 2º da Lei, ou seja: o diretor, o administrador, o membro de Conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica toda vez que deixarem de impedir a prática de crimes quando podiam agir para evitá-la.
Não existe, por exemplo, a possibilidade de uma empresa desenvolver atividade em perfeitas condições ambientais, sem ter licença. A lei prevê como crime ambiental funcionar sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou, ainda, contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes. Isto ocorre porque a licença é o documento hábil para dizer em quais condições legalmente aceitáveis a empresa desenvolverá suas atividades. Assim, a licença é o documento resultante de um procedimento no qual o órgão ambiental competente manifesta sua concordância com a atividade e expõe os termos nos quais ela se desenvolverá de modo lícito.
Por outro lado, ter licença não é sinal de impunidade. Pode-se ter licença e atuar de modo contrário às previsões nela determinadas e até causar um dano ambiental. Porém, funcionar sem licença e/ou contrariando as previsões é crime ambiental podendo gerar sérias consequências às empresas que não estiverem atentas a esse fato. (art. 60 da Lei 9.605).
Este é apenas um exemplo do cuidado que os dirigentes ou mandatários de pessoas jurídicas devem observar para não serem incluídos no rol de sujeitos ativos de um crime ambiental.
Enfim, a Lei de Crimes Ambientais pode não ser 100% ótima, mas ela abriu um importante caminho na proteção ambiental regulamentando uma série de tipos penais ambientais, acolhendo a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e optando pela criminalização de diversas condutas lesivas ao meio ambiente, anteriormente não tipificadas por nosso ordenamento jurídico.
Telma Bartholomeu Silva é sócia do Almeida Bugelli e Valença Advogados Associados e especialista em Direito Ambiental
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor Econômico/Telma Bartholomeu Silva
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