Após assinar 21 tratados e acordos bilaterais em diversas áreas com o Brasil, ontem, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, deu "graças a Deus" pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva ter sido eleito em 2002. Segundo ele, se a vitória petista não tivesse ocorrido, o Mercosul hoje estaria pulverizado e a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) seria a reguladora nas relações comerciais do continente.
Citando um de seus personagens favoritos - Simon Bolívar - ele lembrou que, em 1830, o "libertador bolivariano" recebeu o então embaixador brasileiro e disse: "Um Brasil independente é garantia de uma América Latina forte".
Para o presidente venezuelano, a quem o presidente Lula, segundo informações da diplomacia brasileira, cobraria nesta visita os atrasos em pagamentos da Venezuela a empresas brasileiras, a parceria estabelecida hoje entre os dois países reflete uma mudança na percepção quanto à importância da integração latino-americana. "Em 1998, era presidente eleito e vim ao Brasil pedir apoio para que a Venezuela entrasse no Mercosul. Voltei para meu país sem resposta".
Chávez agradeceu o apoio de empresários, deputados e senadores que aprovaram a entrada da Venezuela no Mercosul. "Chega de um mundo bipolar ou unipolar. Bolívar já falava que o equilíbrio do universo passa por uma realidade multipolar." Ele disse ainda que Lula tem um papel essencial na construção desse mundo novo. "Quando a história brasileira for contada daqui a alguns anos, haverá um lugar especial para ti", disse Chávez ao presidente brasileiro.
Lula lembrou a primeira vez em que defendeu o presidente venezuelano, em 2002, após a tentativa de golpe sofrida por Chávez. "Eu só não fui crucificado, porque faltava madeira para fazer cruz".
Nos pronunciamentos oficiais, Lula não se referiu à questão do atraso de pagamentos a empresas brasileiros, entre as quais a Marcopolo. O presidente preferiu destacar como questão de orgulho ver empresários brasileiros dispostos a investir na Venezuela, gerando empregos, riqueza e distribuição de renda naquele país. "Nosso desejo é fazer com que a Venezuela não fique dependente apenas do petróleo que produz, mas que também possa desenvolver-se em outros campos da economia. Nós defendemos o desenvolvimento da América do Sul, não apenas do Brasil".
Lula disse que o desenvolvimento do continente passa, necessariamente, pelo fortalecimento da democracia. No caso do Brasil, citou que essa é uma experiência recente, de apenas 25 anos. Desprezando as críticas a Hugo Chávez, acusado de prender opositores e fechar emissoras de rádio e televisão que não são alinhadas com seu governo, Lula afirmou que a população de países como a Venezuela, a Bolívia e o Brasil está atualmente melhor do que estava antes, fruto das políticas sociais implantadas nesses países.
"Se tivermos que eleger um rosto para personificar o avanço democrático na América Latina, eu elegeria o presidente Evo Morales. Não há nada mais justo do que a Bolívia, um país com 70% da população indígena, ser governada por um índio", afirmou.
Lula e Chávez devem encontrar-se mais duas vezes - uma em agosto e outra em dezembro - antes do término do mandato presidencial (no Brasil), em 31 de dezembro. Chávez declarou, em entrevista, apoio à candidata petista à sucessão, Dilma Rousseff, mas não quis criticar o candidato do PSDB, José Serra, alegando que, "da mesma forma com que Lula não interfere nas questões internas da Venezuela, também não daria opinião sobre assunto interno brasileiro".
Chávez irritou-se com uma pergunta sobre quando passaria o poder na Venezuela para um sucessor - ele está no cargo há 11 anos. "Não sei. Desde que cheguei à Presidência tivemos 11 eleições para diversos cargos e daqui a dois anos e meio teremos eleição presidencial. Eleição depende da soberania popular. Se a população venezuelana e o meu partido quiserem, serei candidato novamente".
Fonte: Valor Econômico/Paulo de Tarso Lyra, de Brasília
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