Metade das marcas de fios e cabos elétricos hoje vendidas no Brasil apresentam problemas de qualidade, que podem provocar o mau funcionamento dos equipamentos elétricos e até incêndios.
Uma pesquisa exclusiva do Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não Ferrosos de São Paulo (Sindicel), em parceria com a Associação Brasileira pela Qualidade dos Fios e Cabos Elétricos (Qualifio), revelou que, das 50 marcas avaliadas, 50% seguem os padrões de qualidade exigidos no setor. Os outros 50% são produtos com problemas de qualidade e incluem, além das marcas não certificadas, algumas que detém o selo do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
O levantamento foi feito entre janeiro e agosto e envolveu os condutores elétricos voltados para a construção civil. O resultado é preocupante: foram detectadas na pesquisa onze marcas certificadas com problemas graves de qualidade, o que representa 22% da amostra. Essa proporção já é maior do que a verificada no ano passado completo, quando 13% dos produtos avaliados apresentavam problemas, mesmo tendo o selo.
"Nessa situação em que até marcas com o selo têm deficiências fica difícil o consumidor se defender", afirma o professor Ernesto Ruppert Filho, do Departamento de Sistemas de Controle e Energia da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Além das certificadas com problemas, há muitas marcas sem selo circulando no mercado, o que é proibido no país. A pesquisa identificou 14 produtos sem certificação com problemas de qualidade, o que representa 28% das marcas analisadas. No ano passado, essa proporção alcançava o patamar de 33%.
Por ser um setor muito pulverizado, é muito difícil medir o quanto representam do total do mercado brasileiro de fios e cabos elétricos as 50 marcas avaliadas no estudo. "Mas é representativo. A pesquisa revela uma concentração ruim de materiais nesse segmento. Temos um problema grave nesse mercado", enfatiza o presidente da Qualifio, Luiz Fernando Rodrigues.
O principal problema de qualidade detectado nos produtos foi o não cumprimento do regulamento do Inmetro que especifica a resistência elétrica máxima dos condutores. Isso quer dizer que muitos fabricantes estão utilizando menos cobre do que é o necessário na fabricação dos fios e cabos. Quanto menos cobre é utilizado, maior a resistência do fio.
As consequências dessa ação, basicamente, são o sobreaquecimento do cabo (o que pode levar a um incêndio), a oscilação da tensão e o consequente mau funcionamento do equipamento e sua menor vida útil.
E é para reduzir as despesas que algumas fabricantes de fios e cabos burlam as regras. Cerca de 80% do custo dos produtos é representado pelo cobre, metal que, desde o início de 2009, apresentou uma valorização em torno de 130% no mercado internacional. Ontem, fechou cotado a US$ 7.346,50 a tonelada. O metal é o fator que mais pressiona os negócios das empresas do setor. "O cobre é uma commodity com preço ditado pelo mercado internacional. Os aumentos têm de ser repassados ao mercado e temos dificuldades em fazer esses repasses", explica o presidente do Sindicel, Sérgio Aredes.
Para modificar a composição dos fios e cabos elétricos, alguns fabricantes diminuem o diâmetro (bitola) do condutor, complementando o espaço com uma maior espessura do material isolante (PVC, por exemplo), mais barato. Isso faz com que o produto, ao menos externamente, seja semelhante aos que cumprem a legislação.
O papel do Inmetro diante desta situação é claro: o selo do instituto deve garantir a qualidade da mercadoria comercializada. O Inmetro é responsável pela regulamentação do setor e acredita organismos que fazem o processo de certificação dos fabricantes. Esses organismos auditam as fabricantes e coletam amostras do produto para enviá-las a um laboratório também acreditado. Hoje, são dez os organismos e quatro os laboratórios que atuam no processo de certificação das marcas de fios e cabos elétricos. Para receber o selo, os produtores têm de cumprir requisitos técnicos e seu processo de fabricação é analisado.
Segundo o Inmetro, depois de certificado, o produtor ainda recebe o organismo cerca de duas vezes por ano, visitas nas quais é verificado se o fabricante mantém a qualidade em seus produtos. Desde janeiro de 2009, foram realizadas 1,278 mil avaliações de manutenção em todo o país.
"O problema é que as visitas são agendadas e não é muito difícil para o produtor mostrar somente o produto bom na hora da verificação", pondera Rodrigues, da Qualifio. Sendo a fiscalização eficiente ou não, a verdade é que a pesquisa mostra que muitas marcas têm passado por todos esses processos dos laboratórios e organismos de certificação sem cumprir as regras.
Segundo o diretor de Qualidade do Inmetro, Alfredo Lobo, quando há uma denúncia de uma marca certificada com problemas de qualidade, ela passa por um "longo, oneroso e complexo" processo de verificação. O instituto tem de analisar a documentação do produto, ir ao ponto de venda, retirar amostra, enviar para um laboratório etc - tudo isso se adequando a um cronograma, que envolve uma licitação. "Demoraria cerca de quatro meses se iniciássemos o processo na hora da denúncia", explica.
Na opinião de Lobo, as onze marcas certificadas com problemas no mercado não representam uma situação alarmante. "Não é um número alto, considerando a situação internacional", diz. Diante disso, o executivo enfatiza que o instituto - que regula diversos outros setores no país - tem que agir seletivamente nos segmentos mais importantes ou nos quais a situação é mais grave. "O processo (de verificação) é caro. Nossa função é garantir a confiança no produto, mas ao menor custo para o consumidor. Não podemos errar na dose e onerar os produtos brasileiros", completou o diretor do Inmetro. Mesmo assim, desde de 2009 seis marcas tiveram a certificação cancelada pelo Inmetro: Condupac, Cobremack, Nortcabos, Polifios, Nordestcabos e Alfa Trefili.
A confusão do consumidor aumenta quando se considera que, além das marcas certificadas com problemas de qualidade, ele tem de lidar com as que não têm o selo, ou cujo selo é falso.
Nesse caso, são os Institutos Estaduais de Pesos e Medidas (os Ipems, órgãos delegados do Inmetro) os responsáveis pela fiscalização dos produtos nos pontos de venda. A ideia é verificar nas lojas se há produtos sem o selo do Inmetro. No caso de irregularidade, os produtos são apreendidos ou interditados. É dado um prazo de defesa para o fabricante e o comerciante e, diante de uma decisão de apreensão definitiva, ambos são autuados. No caso do comerciante, ele pode ser considerado inocente se comprovar a origem do produto com o selo falso.
Em São Paulo, a multa varia de R$ 100 a R$ 1,5 milhão e o valor é definido em função da vantagem auferida por quem não seguiu as regras. No caso de reincidência, a multa é duplicada. "Mas a multa não pode inviabilizar o negócio. E eu nunca ouvi falar de uma empresa que fechou por isso", explica o diretor de metrologia e qualidade do Ipem São Paulo, Valdir Volpe. Em 2010, cerca de 3,3 milhões de produtos foram fiscalizados em todo o país, dos quais 2,705 mil foram apreendidos, segundo dados do Inmetro. Neste ano até agosto, dos 1,133 milhão de produtos fiscalizados, 1,619 mil foram apreendidos. "Não temos encontrado muitas irregularidades nesse segmento", afirma Volpe.
Além dos consumidores, quem sai perdendo com os produtos que não seguem os padrões de qualidade são as empresas do setor. "A concorrência desleal afeta os negócios, pois o chamado 'mercado formiguinha' representa cerca de 40% das vendas", afirma o diretor de marketing da fabricante de fios e cabos Prysmian, Jorge Minas Hanmal. Ele explica que a maior penetração dos produtos de segunda linha ocorre nas lojas de construção civil que atendem ao público em geral - que geralmente não sabe bem como diferenciar a qualidade dos materiais.
O peso do produto é uma boa evidência para os consumidores da qualidade dos cabos elétricos. Quanto menos cobre, menor o peso do produto. "Mas para o público não especializado, é difícil perceber a má qualidade na hora da compra", completa o professor da Unicamp.
Fonte: Valor Econômico/Por Vanessa Dezem | De São Paulo
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