Em 11 de agosto o presidente do México Enrique Peña Nieto, cumprindo uma das suas principais promessas de campanha, promulgou as leis regulamentares da sua histórica reforma energética. Este foi só o mais recente passo de um histórico debate que ainda tem uma longa jornada pela frente. Esta estratégica reforma no entanto, é tão corajosa quanto necessária caso o México pretenda resgatar a sua indústria de petróleo e reconquistar a sua posição no cenário energético mundial. Os efeitos, porém, não serão só nacionais, mas regionais, podendo trazer significantes consequências para o Brasil, positivas e negativas.
Para entender o impacto desta reforma energética, não só no México, mas também no Brasil, deve se antes conhecer a evolução histórica de ambos países petroleiros. O ano era 1982, e o México, através da sua paraestatal Pemex, atingia seu primeiro grande pico de produção com 2,8 milhões de barris por dia, tornando-se o 4º maior produtor de petróleo do mundo, atrás somente da ex-União Soviética, Estados Unidos e Arábia Saudita. Esta produção era proveniente principalmente do campo "super-gigante" de Cantarell, descoberto em 1976, e com reservas recuperáveis (2P) estimadas em 11,3 bilhões de barris de óleo - o equivalente a cerca de 84% das reservas dos campos de Lula e Libra somadas. Enquanto isso, ao sul, o Brasil produzia aproximadamente 260 mil barris por dia, sendo apenas o 25º maior produtor mundial, e pela primeira vez com sua produção offshore ultrapassando a onshore, em um momento em que sequer se pensava nas grandes produções do pré-sal.
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Naqueles dias teria sido difícil imaginar que, 32 anos depois, o Brasil, por meio da Petrobras, lideraria de forma pioneira a exploração mundial em águas profundas, com uma produção nacional total de aproximadamente 2,2 milhões de barris/dia, e segundo o último prognóstico da IEA (Agência Internacional de Energia), com a expectativa de produzir 4,1 milhões de barris/dia em 2020 e 6 milhões em 2030.
Mudanças no México podem roubar a atenção de empresas estrangeiras, que possam ou ter desistido da espera por novas rodadas licitatórias no Brasil ou terem se frustrado com as limitações no pré-sal pelo novo regime de partilha
Dessa forma, espera-se que o Brasil ingresse a lista dos 10 maiores produtores mundiais em 2015, e seja o 6º maior em 2035. Enquanto que México, após ter sofrido um "peak oil" em 2004, com 3,4 milhões de barris por dia - o ano em que Cantarell chegou ao seu pico de produção - estaria prestes a deixar a lista dos 10 maiores produtores mundiais, e recorrendo a uma radical reforma energética para salvar uma fragilizada, desesperada e pressionada Pemex.
Entender os acontecimentos desse período é essencial, tanto para o México poder implementar de forma bem-sucedida sua reforma energética, aprendendo com os passos que o Brasil realizou anos atrás, por exemplo com seu regime de exploração e produção, assim como para o Brasil evitar os erros cometidos pelo seu vizinho latino-americano, tais como uma alta dependência nos ingressos do petróleo, que hoje representam mais de um terço da receita do governo mexicano. De fato, nunca na história dos dois países as suas empresas petroleiras nacionais (NOCs) tiveram tanto que aprender uma com outra, e nunca foram tão concorrentes.
Deste cenário percebem-se duas interpretações.
A primeira, talvez a menos positiva para o Brasil, tem o México com a aprovação da reforma energética, materializando assim a decisão de quebrar o monopólio de 75 anos da Pemex. Uma quebra que poderá permitir a criação, logo após a rodada zero, de joint-ventures entre a Pemex e empresas internacionais, especialmente nas descobertas de águas ultra-profundas do Golfo do México e parte dos campos de Chicontepec. Inclusive, das atuais reservas 2P do México, Pemex pediu ao governo manter apenas 83% delas, deixando quase que um quinto das mesmas abertas à privatização em futuras rodadas licitatórias. Isto dará um vital respiro a uma Pemex que, só no primeiro trimestre de 2014, registrou as perdas mais altas dos últimos 20 anos (cerca de R$ 11,8 bilhões).
Tal entrada de empresas estrangeiras pode também reduzir a grande pressão por um aumento urgente de produção nacional de petróleo, cumprindo a promessa do governo de inverter oito anos de declínio na produção e atingir uma produção entre 3,5 e 4 milhões de barris em 2025. Esta pressão é um quanto incoerente, já que, depois da Região do Ártico, o México é considerado a segunda região com maior reserva de petróleo não explorada. Pior ainda quando se consideram os avanços offshore no Golfo do México em território estadunidense, e da "revolução do shale gas" dos EUA, ainda replicados com o mesmo sucesso do outro lado da fronteira.
Todos estes fatores podem também trazer consigo uma forte concorrência para o Brasil. De fato, tais mudanças podem roubar a atenção por parte de empresas estrangeiras, que possam tanto ter desistido da espera por novas rodadas licitatórias no Brasil quanto terem ficado frustradas com as limitações no pré-sal pelo novo regime de partilha.
Já uma segunda interpretação descreve uma situação favorável para o Brasil, que pode trazer grandes oportunidades para a Petrobras, permitindo que ela diversifique seu portfólio e fortaleça sua presença no Golfo do México, além de contribuir ou vender seu know-how e tecnologia para exploração em águas profundas e ultra-profundas. Ademais, qualquer concorrência por parte do México pode ser minimizada, considerando que, assim como ocorreu no Brasil, estas mudanças poderão demorar muitos anos para terem efeitos práticos devido à burocracia, interferência política e limitações ambientais mexicanas. Sobretudo quando se considera que historicamente o México é um país de alta inércia em termos de reforma, quebra de monopólios, e com sindicatos muitos fortes, sendo o dos trabalhadores da indústria do petróleo um deles.
Ainda é incerto afirmar qual será o resultado final deste novo rearranjo geopolítico do petróleo latino-americano, mas, uma coisa é certa: se os planos de ambos os países se materializarem, podemos ter um cenário tão competitivo quanto frutífero. Só o futuro nos dirá.
Fonte: Valor Econômico\Rodrigo Rueda Terrazas é engenheiro de petróleo da SPE (Society of Petroleum Engineers).