A indicação de um ex-comandante da Marinha, o almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, para a presidência do Conselho de Administração da Petrobras nesta segunda-feira (14) consolida uma participação inédita de militares em áreas vitais da economia.
Fazia 40 anos que um militar não ocupava esse cargo. O último foi o general de brigada Araken de Oliveira, que presidiu o conselho de 1974 a 1979.
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Na gestão de Jair Bolsonaro, os oficiais já estão em quatro dos cinco ministérios e em duas das cinco estatais com maior influência nos rumos da economia. Segundo técnicos que detêm a história da burocracia federal, já é a maior ocupação na administração pública federal por militares desde a ditadura.
A militarização cumpre uma promessa de campanha do presidente e está alinhada com a percepção dos brasileiros. Hoje a imagem dos militares, de maneira geral, é boa. Pesquisa do Datafolha de 2018 mostra que 78% da população confia nas Forças Armadas, maior índice entre instituições.
Os militares estão nos ministérios de Infraestrutura (ex-capitão Tarcísio Gomes de Freitas), Minas e Energia (almirante Bento Costa Lima Leite), e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (o astronauta e tenente-coronel da reserva da Força Aérea Marcos Pontes) e também em chefias de gabinete e secretarias.
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) tem sob seu guarda-chuva não só a interlocução com o Parlamento, mas também o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos).
A própria pasta da Economia deverá ter um militar. Na Secretaria Especial da Receita Federal foi indicado o general da reserva José Carlos Nader Motta, que chefiou a área de economia do Exército.
Motta, porém, recusou o posto e o general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), se comprometeu a fazer outra indicação. Heleno tem ocupado o papel de fiador desse "RH verde-oliva".
O Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações é o que tem mais militares em sua composição.
A pasta faz políticas para algumas das maiores empresas do mundo que atuam no país, tanto da indústria eletroeletrônica como as operadoras de telefonia e internet.
O chefe de gabinete do ministro é o brigadeiro Celestino Todesco. O coronel reformado Waldemar Gonçalves Ortunho Júnior tentou permanecer como secretário-executivo da pasta, mas foi substituído por um civil, o ex-deputado Julio Semeghini (PSDB).
Semeghini chegou e não pôde fazer nenhuma indicação. Abaixo dele estão outros militares. O brigadeiro Antonio Franciscangelis Neto é o secretário de Planejamento e Cooperação de Projetos e Controle. O coronel reformado Elifas Gurgel Chaves do Amaral, secretário de Radiodifusão —uma das áreas mais sujeitas a ingerências políticas.
Elifas, como é conhecido, foi presidente da Anatel, a agência das telecomunicações, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
É possível que Ortunho Júnior seja deslocado para a presidência da Telebrás, que, sob Bolsonaro, vai cuidar de um contrato bilionário para gerenciar o satélite brasileiro que foi lançado no ano passado para fazer banda larga em áreas hoje desassistidas.
O almirante Leal Ferreira na Petrobras amplia a participação dos militares nas estatais. Sua indicação foi simbólica também, visando passar a mensagem de que a estatal ficará livre dos desmandos que a levaram para o epicentro da Lava Jato —ainda que a mesma operação tenha levado à condenação de um almirante pela acusação de corrupção em obras da área nuclear.
Na Caixa, outro foco da Lava Jato, o brigadeiro Mozart de Oliveira Farias foi indicado. Ainda não está definido o que fará: poderá ser assessor especial do presidente do banco, Pedro Guimarães, ou ocupar uma vice-presidência, depois de aprovado conforme rito definido pelo estatuto.
Pelo menos dois outros militares, do Exército e da Marinha, foram selecionados para a Caixa e aguardam indicação.
Na Eletrobras, espera-se que algum militar também seja indicado para o conselho. Os mandatos atuais vencem em abril, o que dá uma margem para mudanças mais suaves.
O argumento do combate à corrupção também levou à indicação de militares como "olheiros" em áreas expostas.
A área de propaganda oficial, sempre sensível, está nas mãos do general Floriano Peixoto, número dois na Secretaria-Geral. Na Caixa e no Banco do Brasil, os contratos já estão sob lupa —a ideia não é acabar com patrocínios, mas reduzi-los em favor de maior oferta de crédito.
A presença dos militares no governo, porém, vai além da indicação de homens de confiança para cargos executivos. Processos de gestão adotados na área militar também estão sendo adaptados para aplicação nos órgãos públicos civis.
O modelo de gestão de recursos da Marinha, por exemplo, será usado como referência para o controle dos gastos da União e das estatais, segundo um assessor presidencial.
Ela orientou a implementação, em 1987, do sistema que acompanha receitas e despesas da União, o Siafi.
No mercado e no Congresso a dúvida diz respeito ao risco de conflitos entre os militares e a equipe de Paulo Guedes, ministro da Economia.
As arestas se insinuam na discussão sobre a Previdência.
Os militares no governo têm dado declarações ora corporativistas, ora compreensivas sobre a necessidade de as Forças Armadas serem incluídas na reforma.
Novos comandantes já deixaram claro que não querem a inclusão. A solução tende a ser salomônica, nos moldes sugeridos pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão.
O vice, aliás, lidera um outro polo que busca protagonismo. Mourão dá declarações frequentes sobre economia e tem uma grande estrutura de assessores.
Até aqui, contudo, não se vê uma repetição do dirigismo estatal usualmente associado ao pensamento militar na área econômica.
Um general ligado ao bolsonarismo diz que as Forças evoluíram e há consonância com o liberalismo de Guedes. Na ditadura, militares davam o comando, mas a política econômica era tocada por civis --como Delfim Netto e Mário Henrique Simonsen, para ficar em dois ícones da época.
Fonte: Folha SP