O governo está prestes a encarar a sua derrota mais acachapante na área de concessões de infraestrutura. Depois de eleger 2018 como “o ano das concessões das ferrovias”, o Palácio do Planalto praticamente não tem mais chances de leiloar o único trecho novo que tinha nas mãos: a Ferrovia Norte-Sul.
O Estado teve acesso ao parecer do Ministério Público de Contas, órgão que atua dentro do Tribunal de Contas da União (TCU) e que analisou a minuta do edital de concessão encaminhada pelo governo. O Palácio precisa do aval do TCU para que possa licitar o empreendimento.
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Em sua conclusão, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira pede que a corte de contas rejeite a proposta do governo, por causa de dois problemas centrais. Segundo Júlio Marcelo, faltam “estudos comparativos, quantitativos e qualitativos, que fundamentem o modelo de exploração da ferrovia, confrontando as alternativas de adotar o modelo Open Access (modelo aberto de concorrência entre várias empresas) para essa ferrovia, com ou sem subconcessão da infraestrutura ferroviária, ou de adotar o modelo vertical (que é o proposto pelo governo), com ou sem reserva de capacidade para operadores ferroviários independentes”.
Júlio Marcelo afirma que a minuta de edital não trouxe “estudos que justifiquem a escolha de não prever, obrigar, incentivar e estabelecer metas para o transporte de passageiros na presente subconcessão”, ou seja, trata exclusivamente do transporte de carga.
O posicionamento do MP de Contas ainda precisa ser analisado pelo ministro relator do processo no TCU Bruno Dantas. Depois disso, Dantas leva seu voto conclusivo – que acata ou não as orientações do MP – e o submete à votação do plenário da corte. Bruno Dantas não comenta o assunto. É muito comum, porém, que os ministros da corte acatem as orientações do MP, principalmente quando estas estão completamente alinhadas com apontamentos já levantados pela unidade técnica do tribunal, o que é exatamente o caso da Norte-Sul.
Caso a sugestão de rejeitar a minuta de edital não seja acatada pelo plenário, Júlio Marcelo pede que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) faça dezenas de correções nos estudos, entre elas a troca de britas utilizadas em lotes do trecho, pedras frágeis e fora da especificação técnica, conforme revelou o Estado.
Fora isso, só depois de fazer todas as mudanças, seria exigido ainda um prazo de até 180 dias para que o leilão fosse realizado, ou seja, em meados do meio do ano que vem.
Júlio Marcelo chama a atenção para o fato de que, atualmente, o transporte ferroviário é feito numa parte já operacional e concedida da Norte-Sul pela empresa VLI, da Vale, por meio de um contrato com a Valec de venda de direito de passagem no trecho da Ferrovia Norte Sul, compreendido entre Porto Nacional (TO) e Anápolis (GO), “em plenas condições operacionais e com licenças de operação concedidas pela ANTT e Ibama, o que revela a existência, no momento atual, de relevante assimetria de informação, fazendo com que a VLI conheça melhor do que os demais interessados os passivos ambientais e as obras já concluídas”.
Segundo o MP de Contas, “para se garantir a competitividade do certame em igualdade de condições, do prazo mínimo proposto de 180 dias para que outros interessados possam percorrer a ferrovia e adquirir o mesmo acervo de informações de que já dispõe a VLI acerca dos passivos ambientais e estado da ferrovia.”
O trecho que o governo pretendia conceder ainda em novembro deste ano tem 1.537 km de extensão e vai de Porto Nacional (TO) até Estrela D’Oeste. Hoje, a ferrovia tem um único trecho de 720 km em operação, entre Açailândia e Palmas (TO), concedido à mineradora Vale em 2007. Iniciada em 1987 no governo de José Sarney com a meta de cruzar o País, a obra ficou parada por décadas e foi retomada no governo Lula.
Em dezembro do ano passado, o então ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, hoje no Ministério de Minas e Energia, disse que o governo federal se dedicará em 2018 mais intensamente à criação de parcerias com o setor privado para destravar a malha ferroviária do país. O objetivo era fazer uma “entrega robusta” de projetos de ferrovias. “Nós precisamos, no ano que vem, nos dedicar obcecadamente para a questão ferroviária. O Brasil não pode mais continuar com o sistema ferroviário que tem. O custo que isso provoca, o dano que isto causa à nossa principal sustentação econômica que é o agrobusiness, é brutal. Se nós não tivéssemos uma produtividade altíssima, pelas perdas que o setor tem no transporte dos seus produtos, que chega a cifras astronômicas, se não fosse a produtividade brutal, nós não seriamos competitivos como somos”, declarou, na ocasião.
Fonte: Estadão