Há seis meses, João Elek ocupa a diretoria de governança, risco e conformidade da Petrobras, criada em novembro de 2014 como uma das respostas da empresa às denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava-Jato. Até agora, no entanto, não se evidenciam avanços significativos na governança estatal. Seis meses pode ser pouco tempo para que a empresa apresente um projeto de aprimoramento das práticas. Mas o mercado considera que nesse período houve episódios que poderiam ter sido melhor encaminhados pela companhia, que acabou repetindo a falta de transparência e comunicação da gestão anterior.
É esperado para os próximos dias um anúncio de Elek de um plano de compliance da estatal. Mas além de medidas que mudem o futuro da empresa, o mercado espera da nova diretoria explicações sobre eventos desses últimos meses. Procurada para falar sobre o assunto desde junho, a Petrobras não deu entrevista. Por enquanto, os sinais dados pela estatal são de que pode estar tomando como referência algumas práticas de governança adotadas pela Vale. Não sem razão, uma vez que Murilo Ferreira, presidente-executivo da mineradora, acumula a presidência do conselho da petroleira.
A escolha de Ferreira foi questionada pelo mercado, que apontou potencial conflito no acúmulo dos cargos pelo executivo, em função de alguns negócios que as empresas mantêm relação comercial. Também questionou-se se ele teria tempo necessário para dedicar-se às duas empresas, ambas vivendo momentos delicados. Pessoas próximas ao executivo afirmaram à época que na condição de presidente do conselho da Petrobras ele se envolveria somente em questões estratégicas, deixando o dia-a-dia para o presidente-executivo, Aldemir Bendine. Afirmaram ainda que em temas de eventual conflito de interesse, Ferreira se absteria de participar das discussões.
O maior avanço até o momento em governança foi a eleição do conselho da estatal, que deixou de ser majoritariamente composto por nomes ligados ao governo. De acordo com fontes, a orientação aos conselheiros é que não devem simplesmente referendar as decisões tomadas pela diretoria da petroleira. Essa postura mais questionadora deve ser assegurada pela presença de conselheiros com nomes reconhecidos pelo mercado. "Quando se coloca no conselho pessoas de mercado, as decisões melhoram porque há debate. Isso evita a aprovação de decisões absurdas", disse uma fonte que participa de vários conselhos. O papel do conselho é garantir o melhor retorno ao acionista, disse uma fonte.
Quem no mercado avalia que diretrizes de governança adotadas pela Vale passaram a ser uma espécie de referência para a petroleira cita princípios como disciplina na alocação de capital e busca por excelência operacional, redução de custos e foco no negócio principal, com a venda de ativos - "mantras" da Vale.
"O conselheiro tem que estar preparado para ser o chato, tem que ter motivação e alinhamento de valores com a empresa e, se preciso for, se abster de votar quando houver potencial conflito de interesses", disse Eliane Lustosa, vice-presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Ela diz ser salutar que uma empresa siga boas práticas de governança que existem no mercado, mas não comentou o caso específico.
Outra medida já adotada pela Vale e que chegou neste ano à petroleira é mais polêmica: os suplentes no conselho de administração. O IBGC não considera a medida boa prática, pois ela significa aumento de custos para a empresa. Questiona ainda se esses suplentes estariam de fato acompanhando o dia-a-dia da empresa e aptos a assumir a vaga na saída do titular. A União aprovou a adoção de suplentes apenas em caráter temporário, por dois anos, porque o Departamento de Coordenação e Governança das Empresas e Estatais (Dest) é contra a figura.
Disciplina na alocação de capital e retorno aos acionistas, "mantras" na Vale, são referências para a Petrobras
Quem justificou a adoção dos suplentes, em entrevista ao Valor após a assembleia este mês, foi Ferreira. Ele explicou que a estatal tem trabalho intenso nos próximos anos e precisa da colaboração de outras pessoas. A Petrobras também aumentou de 3 para 5 o número de comitês que assessoram o conselho, o mesmo número que há na Vale e com as mesmas ênfases. Agora, os suplentes poderão ajudar a compor os comitês. Ferreira apontou como um benefício adicional da eleição o compromisso dos suplentes com o sigilo das informações, considerando que vão lidar com grande volume de informações sensíveis.
Esse é um ponto que já poderia ter ser sido combatido pela nova diretoria de governança da estatal. Diariamente informações estratégicas e relevantes sobre a Petrobras são noticiadas por meios de comunicação, o que indica que a empresa não consegue manter controle das informações. A simetria de informações é ponto-chave para empresa que preza pela governança.
Já com a presença de Elek, a Petrobras apenas comunicou ao mercado um acordo fechado com funcionários ano passado, em meio às investigações da Lava-Jato. O acordo garantiu o pagamento de R$ 1 bilhão aos funcionários a título de participação nos lucros e resultados, apesar do prejuízo da empresa em 2014. Até hoje o mercado não conhece os detalhes desse acordo. Já os acionistas minoritários, que não estiveram à frente dos episódios recentes de má-gestão da companhia, ficaram sem receber dividendos.
Os acionistas questionaram em assembleia se, diante da ausência dos dividendos para as preferenciais, os donos dessas ações não deveriam passar a ter direito a voto. A mesa da assembleia informou aos presentes que a CVM, em comunicado enviado um par de horas antes, havia concordado com o entendimento da Petrobras de que as ações preferenciais não teriam o direito porque, conforme a Lei do Petróleo essas ações jamais poderão votar na Petrobras. Porém, esse foi o entendimento da área técnica da CVM e não do colegiado, que dá a palavra final. Os diretores da CVM avaliaram que não deveriam se posicionar sobre o tema porque não houve tempo hábil para avaliar um assunto tão complexo.
Elek esteve presente nas assembleias da estatal neste ano. Numa das reuniões, ele foi questionado publicamente por um minoritário sobre o fato de a empresa não ter divulgado manifestação de voto de conselheiros independentes sobre o balanço, mantendo uma prática da gestão anterior. A divulgação só foi feita após queixas dos minoritários à CVM. Com a criação da diretoria de governança, o mercado também já esperava uma atitude diferente da empresa.
A Petrobras também não explicou aos acionistas porque fez algumas alterações em seu estatuto, que incluem a adoção dos suplentes. Não se sabe de que forma essas medidas são o início da nova etapa de governança da empresa. A consultoria de voto Institutional Shareholder Services (ISS), que orienta os investidores estrangeiros, disse que procurou a diretoria de relações com investidores da Petrobras para entender as mudanças, mas não obteve resposta.
Elek trabalhou na Fibra, Net e Citibank, entre outras empresas Quinze dias após ter assumido o cargo por escolha da ex-presidente Graça Foster a partir de uma lista tríplice preparada por "head hunter", a Petrobras trocou de presidente.
Fonte: Valor Econômico/Ana Paula Ragazzi e Francisco Góes | Do Rio
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