O consultor ligado ao Grupo Setal Julio Gerin Camargo confirmou em interrogatório à Justiça Federal de Curitiba realizado ontem, que os representantes da Odebrecht Marcio Farias e da UTC Ricardo Pessoa teriam pago propina para viabilizar a obra de construção de unidade de hidrogênio do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Camargo, que no ano passado fez delação premiada, foi convocado como testemunha de acusação em ação penal contra executivos e funcionários das empreiteiras Camargo Corrêa e UTC, réus por suposta corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo desvios de recursos da Petrobras.
"Os representantes das empresas UTC Engenharia Ricardo Pessoa e da Odebrecht Marcio Farias ficaram responsáveis por efetivar o pagamento da propina e o declarante não sabe dizer como isso foi operacionalizado; que apesar disso, como o contrato foi firmado e está em fase final de execução, regularmente, 'tudo leva a crer' que os pagamentos da propina foram efetivados", afirmou Camargo na delação premiada.
Ricardo Ribeiro Pessoa está preso sob acusação de ser o "coordenador" do "clube" de empreiteiras que formariam cartel para vantagens em contratos com a Petrobras, afirma o Ministério Público Federal (MPF). A unidade de hidrogênio do Comperj era conduzida pelo Consórcio Tuc, integrado também pela Toyo Japão.
Na audiência de ontem, Julio Camargo reafirmou "ter certeza" de que a suposta propina na obra do Comperj foi paga pelos executivos de Odebrecht e UTC. Na delação, Camargo disse que "(...) a sua certeza de que foi pedido propina era de que isso 'era a regra do jogo', esclarecendo que durante as gestões dos diretores de Abastecimento e de Engenharia Paulo Roberto Costa e Renato Duque a regra era de que deveria ser pago 1% para área de abastecimento e 1% para a área de engenharia sobre o valor dos contratos vinculados às suas diretorias respectivas, embora esses percentuais pudessem ser negociados e muitas vezes o foram para menos".
Os advogados do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque não responderam ao pedido de entrevista feito pela reportagem. Duque chegou a ficar preso por suspeita de corrupção na estatal, mas obteve liminar em habeas corpus. No entanto, na manifestação sobre o mérito do mesmo recurso, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu que ele volte à prisão. A UTC divulgou nota em que "repudia veementemente boatos e tentativas de relacioná-la ao pagamento de propina. O próprio delator, conforme reportagens publicadas em novembro de 2014 sobre o mesmo depoimento, afirma não ter certeza do pagamento da propina, mas que 'tudo leva a crer' que os pagamentos teriam sido efetivados".
Também foram ouvidos como testemunhas de acusação o executivo Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, ligado à Setal, e o delegado Marcio Adriano Anselmo. Mendonça Neto explicou sobre uma simulação de seis contratos de prestação de serviços para suposto pagamento de propina a Renato Duque. Com base em documentos do Grupo Setal entregues à Lava-Jato no fim do ano passado, Mendonça Neto relatou ter usado empresas de fachada ligadas ao doleiro e lobista Adir Assad, envolvido no escândalo de corrupção da empreiteira Delta, para simular serviços de terraplanagem, aluguel de equipamentos e consultoria.
Uma das contratadas foi a Rock Star Marketing, empresa de Assad que aparece no esquema de repasses ilegais da Delta, investigado em 2012. De acordo com a documentação, a Setec Tecnologia, do Grupo Setal, repassou R$ 1,5 milhão à Rock Star por supostos serviços de consultoria de marketing, em dezembro de 2011.
Ao deixar a audiência, Alberto Toron, advogado de Ricardo Pessoa, da UTC, disse que Augusto Mendonça "desmentiu" o que havia dito no ano passado sobre a participação de Pessoa no clube das empreiteiras. "Ele categoricamente [Mendonça] desmentiu isso. Disse que ele não era líder; que todas as empresas que integravam o denominado clube eram empresas que tinham ampla autonomia". Toron disse ainda que o juiz Sergio Moro "demonstra claramente propensão para a condenação" dos acusados e que vai estudar recurso para afastá-lo do caso.
Ao Valor, a advogada de Augusto Mendonça, Beatriz Catta Preta afirmou que "o senhor Augusto ratificou tudo o que disse anteriormente em sua colaboração, ou seja, nunca fora dito que havia um líder, mas sim, um coordenador. Isso porque, líder significa poder de liderança, e as empresas tinham autonomia. O que havia era um coordenador do Clube", disse a defensora, que acompanhou todos os depoimentos da delação premiada de Mendonça Neto. Segundo ela, a declaração de Toron é uma "interpretação livre das palavras do senhor Augusto de modo a favorecer seu cliente [Ricardo Pessoa, presidente da UTC]".
Outras testemunhas voltarão a depor sobre esse processo na sexta-feira. Na ação, o MPF pede ressarcimento de R$ 343 milhões.
Segundo o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, que representa o vice-presidente da Camargo Corrêa, Eduardo Leite, no depoimento ao juiz Sergio Moro Julio Camargo disse nunca ter tratado de propina com o executivo: "Isso nunca esteve na pauta das conversas dos dois".
Ontem, a advogada da Odebrecht, Dora Cavalcanti Cordani enviou à Justiça petição em que afirma haver "violadores de sigilo" na Operação Lava-Jato. A criminalista fez referência às informações divulgadas pela imprensa sobre os depoimentos sigilosos de Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, que atribuem pagamentos de propinas à empreiteira, a maior do país. A Odebrecht Plantas Industriais também é alvo de inquérito policial. "Por várias vezes temos reclamado dos vazamentos das delações sob sigilo no Supremo Tribunal Federal. E o inquérito da Polícia Federal aberto no ano passado para investigar os vazamentos parece que não apurou nada até agora", disse Dora ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.
Para a advogada, "a imprensa não pode ser condenada por fazer seu trabalho, que é divulgar os fatos. Mas os responsáveis pelo sigilo sim", ponderou.
Sobre a estratégia de defesa da empresa, em meio a rumores de que executivos de duas grandes empreiteiras continuam a negociar delação premiada, Dora diz que "a Odebrecht não mudou seu rumo". Odebrecht e Andrade Gutierrez são investigadas pela Lava-Jato. No entanto, nenhum responsável pelas empreiteiras foi formalmente acusado até agora.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Odebrecht manifestou-se sobre as menções feitas à empresa por Julio Camargo no interrogatório à Justiça e nos termos de delação premiada. "A Odebrecht nega veemente ter feito qualquer tipo de pagamento para executivos ou políticos para obter contratos com a Petrobras. Todas os contratos conquistados, há décadas, pela Odebrecht, junto a Petrobras são produto de processos de seleção e concorrência previstos em lei. A empresa ainda repudia afirmações caluniosas, baseadas em suposições feitas por réu confesso no processo que corre na Justiça Federal do Paraná".
Fonte: Valor Econômico/André Guilherme Vieira e Letícia Casado | De São Paulo e Curitiba
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